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3 AS MARCAS HISTÓRICAS DE UM DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM PERNAMBUCO

4 CONCEITOS E TEORIAS: O PAPEL DO ESTADO NA DESCENTRALIZAÇÃO E CRESCIMENTO ECONÔMICO

4.2 A divisão do papel do Estado na descentralização e crescimento econômico

Em tempos de crise do capitalismo mundial e, principalmente, crise política no Brasil, que já ultrapassa uma crise de Estado democrático, falar do papel do Estado como interventor da economia, não se determina como tarefa fácil. Não se trata de fazer aqui um exame minucioso sobre a crise do Estado democrático ou sobre a crise econômica que vêm acometendo mundialmente os países, ocorrendo, de então, a

discussão do papel do Estado na economia. No entanto, no tocante à infraestrutura nacional, o Estado brasileiro foi sempre presente, daí a importância de se ressaltar o papel do Estado nacional como investidor.

Sobre a atual crise econômica brasileira, as informações sobre o status da crise foram trazidas por Paula e Pires (2017) em um recente debate. E, embora o espaço para políticas de gestão do ciclo econômico, no momento, seja bastante restrito para além da esfera da política monetária, isso não quer dizer que nada possa ser feito. Em uma economia que vem sofrendo forte e prolongada recessão, uma questão fundamental é buscar soluções para a superação da crise dos estados com medidas de curto e longo prazo.

Com relação à crise das finanças estaduais, cabe destacar que a intensidade da recessão está distribuída de forma muito assimétrica entre os estados. Paula e Pires (2017), ao tomarem os dados do emprego do setor privado até setembro de 2016, constataram que a situação é muito grave em estados como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão; moderada em Minas Gerais, Paraná, Goiás e Pará; e bastante leve ou imperceptível em São Paulo, Santa Catarina e Amazonas.

Essa constatação reforça nossa afirmação da intensa crise vivenciada pelo Estado nacional e pelos estados brasileiros, como é o caso de Pernambuco. Convém lembrar que, embora o problema seja grave, principalmente pós-eleição de 2014, período em que ocorreu o agravamento da crise política brasileira e dos processos contra corrupção, como a Operação Lava-Jato, por exemplo, o nosso objeto de estudo tem um recorte temporal nos anos de 2007 a 2014, anos em que a economia de Pernambuco, diante do Nordeste e do Brasil esteve no auge, como demonstramos, anteriormente, no Capítulo 1.

Assim, salientamos que, aqui, a construção do discurso passa pela lógica da intervenção do estado na economia com a premissa de descentralizar, ou seja, interiorizar e distribuir o desenvolvimento para a maior parte de seu território. Nesse contexto, a explanação merece que se percorra uma compreensão da relação estado e capital. Pois, a atuação do Governo de Pernambuco, por meio de práticas de governança, foi interferir na economia dando um sentido de integração entre as

necessidades de desenvolver a economia do estado e as ações e posturas que deveria ter para isso.

Governança pública, como conceituou Pereira (1997), é a capacidade financeira e administrativa do governo de implementar as decisões tomadas nas arenas decisórias. Significa a recuperação da capacidade administrativa e financeira do governo e recuperação da efetividade das políticas públicas como meio para que o cidadão usufrua seus direitos.

No sentido de se observar as formas de atuação do Estado, com vistas ao desenvolvimento, a explanação de Leal (2005), sugere que as novas formas de governança urbana no exercício do poder e o fortalecimento da relação entre o público e o privado, daí derivadas, intensificam a dinâmica da acumulação urbana.

A ruptura do modelo fordista-keynesiano, que havia mantido um crescimento sustentado da produção industrial até a década de 1970, foi efetivada no período em que o mundo todo passou por um processo de estagnação, em que reestruturações organizacionais, regulatórias e tecnológicas foram necessárias para romper com esse modelo de desenvolvimento.

Soares (2002) apontou a crise do capital, cujos protestos mais relevantes foram a crise do comércio internacional e financeira e a inflação duradoura relacionada ao baixo crescimento econômico. O Estado do bem-estar social, escolhido como um dos principais causadores desse declínio passou a ser rejeitado pelos economistas chamados de neoclássicos, neoliberais ou liberais, em uma organização denominada ―retorno à ortodoxia‖.

O Regime de Acumulação Flexível, mostrado por autores como Frõbel et al. (1980), Harvey (1989) e Hoogvelt (1997), foi responsável em promover as mudanças da produção do fordismo para o modo de produção flexível, ou just-in-time. Esse modelo congrega uma maior variedade de bens, baixa precificação, aumento de alcance aos mercados, resposta rápida às suas demandas. O que, historicamente, no sentido das relações capitalistas, foi visto como uma grande ruptura.

Segundo esses mesmos autores, que pactuam as mesmas ideias, o aumento da internacionalização do capital produtivo pelas multinacionais, as reservas de mão de obra e o seu baixo custo em países periféricos, o aprimoramento dos sistemas portuários internacionais e a telemática provocaram um movimento de relocação produtiva. Esse movimento estimulou a expansão da industrialização periférica e, ao mesmo tempo, causou a derrocada da indústria nos países de capitalismo avançado, ocasionando uma alta na taxa de desemprego jamais vista desde o pós- guerra.

Questões chave como a reestruturação política, o êxodo industrial e potencial de investimentos nos países de capitalismo avançado, a diminuição da base fiscal e o déficit permanente de suas contas, resultaram na desconstrução do ideário do Estado do Bem-Estar Social e da Administração Keynesiana.

O modelo Neoliberal foi se impondo como ideário político econômico por todo o mundo - Margareth Thatcher (Reino Unido, 1979-1990), Ronald Reagan (EUA, 1981-1989) e Helmult Kohl (Alemanha, 1982-1998) - ao pregar uma desregulação da economia e principalmente do mercado de trabalho, tudo isso como meta para atrair investidores e diminuir as taxas de desemprego, pois a atração de empresas transnacionais normalmente traz em seu bojo altos níveis de empregabilidade.

As ações neoliberais carregavam consigo o pensamento de neutralidade, já que independente do jogo do mercado possibilitaria um uso mais adequado dos elementos de produção, em prol de todos (SOARES, 2002).

O chamado monetarismo espalhou-se pelo mundo por meio de rígidas políticas monetárias, por parte do Fundo Monetário Internacional – FMI, junto aos países devedores. O controle desse endividamento dos países tornou-se moeda de troca.

A década de 1980 foi marcada por um movimento de desregulamentação econômica global, associada à revolução nas telecomunicações a aos novos instrumentos financeiros (SOARES, 2002). Essa quebra de paradigmas fez com que o mercado financeiro global crescesse três vezes mais rápido que o comércio internacional (a relação importações x exportações).

Nesse sentido, os governos nacionais se viram na situação antagônica em que se encontram na atualidade, considerando atual a partir dos anos 2000, que diz respeito a necessidade de regular as atividades do capital financeiro internacional ao tempo em que tentam atraí-lo, buscando, assim, um meio-termo para essa regulação.

François Chesnais (1998) denominou esse estágio do sistema capitalista de Regime de Acumulação Mundializado sobre Dominância Financeira, fruto do liberalismo e da desregulamentação dos movimentos de capitais, dos investimentos estrangeiros diretos e do comércio internacional.

No contexto nacional, conforme observado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), pode-se ter logo de início uma noção da visão estabelecida na condução partilhada dos rumos econômicos entre o Estado Brasileiro e as instâncias de mercado.

O Estado e o mercado são as duas instituições responsáveis pela coordenação dos sistemas econômicos no capitalismo contemporâneo. Quando ocorre uma crise econômica de grandes proporções, como aconteceu nos anos 30 e voltou a ocorrer nos anos 80, sua origem provavelmente estará no mau funcionamento de uma dessas duas instituições. Nos anos 20 e 30 a crise teve origem no mercado, nos anos 70 e 80, no Estado. O grande desafio para os governos em todo o mundo nos anos 90 e particularmente para o Brasil, onde a crise do Estado foi particularmente grave, é a reforma ou a reconstrução do Estado (BRASIL, 1995, p.2).

Na disputa entre os interesses do Estado e do capital, o Estado acaba sendo capturado pelos privatistas, dada a ineficiência e insuficiência da administração e por sua incapacidade – histórica – em prover as demandas crescentes das populações.

Esse novo cenário de consagração do capital no modo intervencionista da economia, parte da reformulação das relações entre Estado e mercado. Harvey (2011, p.161) apontou que o sucesso do estado nacional, assim como do local, pode ser medido pelo grau de captação de recursos, fluxos de capital, criando condições favoráveis para a acumulação em suas fronteiras e a garantia de elevada qualidade

de vida aos habitantes – no cerne, implicitamente, está o papel do Marketing Urbano (grifo nosso).

Harvey (2013), ainda, apontou que a unificação dos interesses entre capitalistas industriais, capitalistas financistas e parte do aparelho do Estado, de certo modo, participam de maneira igualitária, com interesses semelhantes, pertinentes a esfera financeira de ganhos de capital com vistas, claramente, ao lucro.

E no bojo dessa discussão da crise de Estado, alguns pensadores vão advogar teses liberais mais radicais, defendendo uma volta às regras de mercado para regular a economia e uma diminuição do tamanho do Estado para resolver o problema. Sendo a receita básica aquela de privatizar, liberalizar, desregular e flexibilizar os mercados de forma radical, enquanto o Estado fica restrito a garantir a propriedade, as concessões e os contratos (HIRSCHMAN, 1991).

Carnoy (1988) postulou que o Estado cresceu em importância acompanhando o crescimento de sua economia em todo o mundo, daí sua imbricação constante com o capital. Nunes (2012) assinalou que Estado e mercado são instituições que estão em constante construção e reformulação, guardando sempre uma interdependência.

A revolução capitalista desencadeou mudanças na forma de organização política, como salientado por Bresser Pereira (2010), que mostrou no plano econômico o surgimento de instituições econômicas fundamentais para o sistema: o mercado, o trabalho assalariado, os lucros e o desenvolvimento econômico. Nesse sentido, surgiram as contradições do Estado Moderno, a qual cabe a garantia da propriedade e dos contratos, mantendo a ordem capitalista sempre com foco no desenvolvimento da economia.

Sobre o discurso neoliberal, Höfling (2001, p. 6) comenta:

As teses neoliberais, absorvendo o movimento e as transformações da história do capitalismo, retomam as teses clássicas do liberalismo e resumem na conhecida expressão ―menos Estado e mais mercado‖ sua concepção de Estado e de governo. Voltadas fundamentalmente para a crítica às teses de Keynes (1883-1946), que inspiraram o Estado de Bem-Estar Social, defendem enfaticamente as liberdades individuais, criticam a intervenção estatal e elogiam as virtudes

reguladoras do mercado. Estas ideias ganharam força e visibilidade com a grande crise do capitalismo na década de 1970, apresentadas como possíveis saídas para a mesma.

Para Pastorine (2002) as ações neoliberais, especialmente sua ideia, indicavam como solução o desmonte do Welfare State, promovendo o Estado mínimo. Isto implica uma redução dos direitos sociais, das políticas sociais e, se for necessário, dos direitos públicos, tudo em nome dos direitos civis - principalmente o direito à propriedade privada.

No modelo neoliberal, as políticas públicas passam a ser conduzidas e ficam sujeitas aos interesses do grande capital que delega o compromisso de realizá-las para a sociedade civil e o terceiro setor. Desobrigando-se, assim, o Estado no gerenciamento das políticas sociais e invalidando a natureza de direito das mesmas, que passam a ser consideradas uma vantagem, um proveito (PASTORINI, 2002; SOARES, 2002).

E, é com essa compreensão de um contexto de estado neoliberal, que enquadramos o objeto de estudo desta tese, pois as ações do Governo de Pernambuco, voltadas para alavancar sua economia, ocorreram no sentido de criar vantagens, no caso aqui tratado, locacionais para atração de investidores.

Sendo então, o Governo de Pernambuco o coadjuvante desse processo, protagoniza, no entanto, o papel de Estado Interventor na economia, com a postura de Estado Investidor, pegando carona, como dito anteriormente, nos investimentos do Governo Federal advindos dos Programas PAC 1 e 2, que foca no investimento em infraestrutura econômico-produtiva, necessária para dar suporte à economia, mantendo-se o pós-processo de implantação, e oferecendo ganhos em médios e longos prazos. Recordando aqui que Pernambuco atuou fortemente na negociação desses investimentos. E, ainda, atuando como Estado Incentivador, permeado por uma postura estratégica explicitada numa governança pública, agindo diretamente, por meio de incentivos fiscais, e indiretamente, pelo uso estratégico de ferramentas do Marketing Urbano, estimulando a criação da imagem de um local propício para receber investidores do capital regional, nacional e global.