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A divisão sexual do trabalho está no centro do poder que os ho-

No documento Feminism o (páginas 53-56)

1. Em uma ruptura radical com as expli- cações biologizantes das diferenças entre as práticas sociais masculinas e femininas.

2. Em uma ruptura radical com os mode- los supostos universais.

3. Nas afirmações de que tais diferenças são construídas socialmente e que esta construção social tem uma base material (e não apenas ideológica). 4. Que elas são, portanto, passíveis de ser

aprendidas historicamente.

5. Na afirmação de que estas relações so- ciais repousam em princípio e antes de tudo em uma relação hierárquica en- tre os sexos.

6. De que se trata, evidentemente, de uma relação de poder.

Nesta perspectiva convém ressaltar que o conceito de relações sociais de sexo se prende à noção de prática social. De fato, se admitimos que existe uma relação social específica entre os homens e as mulheres, isto implica práticas sociais diferentes segundo o sexo.

Como práticas sociais e não-condutas bio- logicamente reguladas, podem se buscar seus princípios de inteligibilidade. Assim, o que es- tava fora do campo da disciplina sociológica se toma um objeto legítimo de questionamento.

Neste sentido, a noção de prática social é indispensável para:

- Permitir a passagem do abstrato ao con- creto (o grupo, o indivíduo).

- Definir os atores de outra forma do que como puro produto das relações sociais. - Poder pensar simultaneamente o mate-

rial e o simbólico.

- Restituir aos atores sociais o sentido de suas práticas, para que o sentido não seja

dado de fora por puro determinismo. Esta definição é uma entre outras possí- veis. Conceituar em termos de relações sociais de sexo não é coisa nova entre as intelectuais francesas (podemos citar como exemplo a pro- dução de N.C. Mathieu). E, evidentemente, mui- tas de nossas aquisições reflexivas são resulta- do do conjunto de nossos trabalhos.

A construção, para referenciar os termos de Helène de Doaré (1991), de um verdadeiro pensamento dialético, torna-se real o que não tinha sido feito anteriormente a não ser no âm- bito das classes sociais. Os sexos não são, a par- tir de então, categorias imutáveis, fixas, a-his- tóricas e associais. As relações sociais de sexo são, ao contrário, periodizadas, e o problema da mudança da transformação pode ser abordado.

Falar em “relação social” quer dizer falar de relação de poder. A partir de então, está descartado o desconhecimento do ponto de vista do dominante, pois ele conhece os me- canismos econômicos, as justificativas ideoló- gicas, os constrangimentos materiais e físicos a utilizar. Isto é tanto mais indispensável que, quando se é dominado, se a gente conhece a vivência da opressão, não se tem necessaria- mente plena consciência dos mecanismos da dominação (N.C. Mathieu,1991).

Por fim, e é aqui onde os caminhos di- vergem, as práticas de pesquisa são bastante divergentes e uma questão se coloca: é neces- sário, então, centrar a reflexão somente nas re- lações sociais de sexo, ou é necessário, ao con- trário (e esta é a minha posição), tentar pensar o conjunto das relações sociais na sua simulta- neidade? Tudo depende do objeto que se assu- me. A meu ver, trata-se de se instrumentalizar, com princípios de inteligibilidade, para com- preender a diversidade e a complexidade das práticas sociais de homens e mulheres. Nesta

perspectiva, considerar somente a relação de dominação homem/mulher é insuficiente.

É assim que pensam a si mesmos os ato- res sociais. É evidente que os homens, domi- nantes, não se colocam enquanto “homens”,  já que, quase por definição, o dominante exis- te de direito, mas não “se pensa” como tal. É O dominado que se pensa, e ainda nem sempre, como “relativo”. Mas uma mulher não se pensa como mulher, ela se pensa também dentro de uma rede de relaçÕes sociais. Como trabalha- dora (na relação capital/trabalho, na relação salarial), como jovem ou velha, como, eventual- mente, mãe ou imigrante. Ela sofre e/ou exerce uma dominação segundo sua posição nestas diversas relações sociais. E é o conjunto que vai constituir sua identidade individual e dar nasci- mento às suas práticas sociais. Em nível coleti- vo, é ainda o conjunto das relações sociais que vai fundar o sentimento de pertencer a um gru- po e a consciência de dele fazer parte.

Minhas reflexões se assentam, portanto, nas seguintes bases:

1. As relações sociais de sexo dinamizam todos os campos do social. Toda relação social é sexuada, enquanto que as relações sociais de sexo são perpassadas por outras relações sociais:

- As relações de classe são analisadas en- quanto relações que imprimem conteú- do e direção concreta às relações sociais de sexo.

- Ao imerso, as relações de sexo são ana- lisadas como emprestando conteúdos específicos às outras relações sociais (por exemplo, a norma da “virilidade”, tão presente no meio operário mascu- lino).

2. Fazemos, assim, “explodir” os quadros de referência binários e com isso se pode pen-

sar a totalidade do social, sem que tentemos, afobadamente, pesquisar a “boa” relação social, ou a “boa” identidade que vai resolver o que não pode aparecer, tanto numa perspectiva clássica como das contradições.

3. Quebramos, assim, a homologia entre um tal lugar e uma tal relação social: a relação entre os sexos não se esgota na relação conju- gal, mas é ativa no lugar de trabalho, enquanto que a relação de classes não se esgota no lugar de trabalho, mas é ativa, por exemplo, na rela- ção com o corpo, ou na relação com as crianças. 4. Podemos pensar a complexidade e a mudança no jogo das diferentes relações so- ciais entre si. De fato, as relações sociais de sexo não funcionam de forma homogênea em todos os setores, nos diferentes níveis sociais. Assim, na empresa, se assiste a uma recriação das re- lações sociais de sexo e não a um simples refle- xo do que se passa do lado de fora dela (Hum- phrey, 1987). Nada é imutável, mecanicista, tudo é histórico, periodizável (Milkman, 1987).

5. Isto permite, enfim, de falar de “sujei- tos” que, ao mesmo tempo, sofrem a ação das relações sociais, mas, igualmente, agem sobre elas, construindo, tanto individualmente como coletivamente, suas vidas, por meio das práti- cas sociais.

Para concluir esta parte, afirmo que a função do conceito de relações sociais de sexo é dupla e retomarei aqui os termos do último relatório de atividades do GEDISST (Groupe d’Étude sur Ia Division Sociale et Sexuelle du Travail- Laboratório do CNRS). Vimos que este conceito é princípio organizador das práticas sociais, da mesma forma que as demais rela- ções sociais, às quais ele se articula. De fato, 1°) ele indica que a dimensão sexuada é parte inte- grante do social e deve ser levada em conta na construção das categorias de análise das ciên-

cias sociais (trabalho de desconstrução); 2°) ele indica a necessidade de forjar “instrumentos” conceituais aptos a analisar a dinâmica com- plexa do conjunto das relações sociais (traba- lho de construção).

É necessário, ainda, legitimar a articula- ção entre relações sociais de sexo e divisão se- xual do trabalho. Este é um problema essencial para não pensarmos em divisão sexual do tra- balho na “pura base empírica”, enquanto que reservamos às relações sociais de sexo a “teo- ria”. Teoria esta, tanto mais inconsistente quan- to menos ligada à materialidade social. É im- portante igualmente, se não quisermos pensar tão-só o “porquê” dos fenômenos sociais, mas também o “como” (sobre este problema, cf. Ker- goat, 1986). É importante, enfim, se quisermos articular quadro teórico e metodológico, por- que não podemos estudar as relações sociais em si, mas suas modalidades, suas formas, sua periodização, e isso se faz por meio das práticas sociais. Mesmo assim, ainda falta uma media- ção: hipóteses à capacidade média na qual situamos o papel explicativo da divisão sexu- al do trabalho, a partir do momento em que lhe atribuímos um papel central nas disputas (enjeux *.) nas relações sociais de sexo.

As relações sociais organizam, denomi- nam e hierarquizam as divisões da sociedade: privado/público, trabalho manual/trabalho in- telectual, capital/trabalho, divisão internacio- nal do trabalho, etc. As modalidades materiais dessas bicategorias são centrais nas relações sociais; a divisão social do trabalho entre os se- xos é ponto (de disputas) fundamental nas rela- ções sociais de sexo.

 AS LINHAS DE DEMARCAÇÕES

No documento Feminism o (páginas 53-56)