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1- DOENÇA CRÓNICA – CONCEITO E EVOLUÇÃO

1.2 A Doença crónica na criança

A doença crónica na criança, definida como aquela que interfere no funcionamento do corpo da criança a longo prazo, requer assistência e acompanhamento pelos profissionais de saúde, na medida em que limita as atividades diárias, causa repercussões no processo de crescimento e desenvolvimento, afetando o quotidiano de todos os membros da família. Importa ainda ressaltar, que a doença crónica é um agente stressante que atinge o desenvolvimento normal da criança e as relações sociais do sistema familiar (Silva [et al.], 2010). Ela tem vindo a ganhar uma dimensão mais ampla, tornando-se nos últimos anos um verdadeiro problema de saúde pública (Lopes, 2015).

Efetivamente, o sucesso no controlo da mortalidade na doença aguda, colocou a ênfase na doença crónica, hoje líder em mortalidade e morbilidade na Europa, com tendência para agravamento nos próximos anos. Realça-se que nas últimas décadas, a implementação de medidas preventivas de saúde pública, aliada aos avanços médicos e tecnológicos, possibilitaram um declínio avultado das taxas de mortalidade em crianças (McElfresh e Merck, 2014), e o consequente aumento da sobrevivência das crianças portadoras de doenças crónicas potencialmente fatais, bem como, um aumento de doenças incapacitantes e incuráveis (Jorge [et al.], 2016; Silva [et al.], 2017a).

Sabe-se que a doença altera o ritmo de vida da criança, na opinião de Silva (2001) a doença crónica na infância corresponde a uma desordem que tem uma base biológica, psicológica ou cognitiva. A sua duração mínima é de um ano, podendo produzir consequências a nível físico, social e cognitivo/emocional, com necessidade de cuidados médicos, psicológicos ou de educação especial. Também, existe dependência de medicação, dietas especiais, cuidados médicos com recurso a aparelhos e assistência pessoal.

Explica Lima (2005), que as doenças crónicas podem assumir formas muito diferentes, dependendo de vários fatores, ou seja, etiologia, estabilidade e previsibilidade, grau de ameaça à própria vida, complexidade e exigência das terapêuticas e restrições impostas. As doenças podem acompanhar a criança desde o seu nascimento ou apenas surgir em qualquer altura durante a infância, ter sintomas associados que estão sempre presentes ou possuírem períodos de tempo de remissão parcial ou total de sintomas seguidos de crises graves e por vezes inesperadas; acompanharem a criança para toda a vida ou serem de mau prognóstico e levarem à diminuição da esperança média de vida, envolverem grandes incapacidades e restrições na vida da criança, ou pelo contrário, nada interferirem no estilo de vida (Barros, 1999).

Alguns autores avançam com critérios para a definição de doença crónica em crianças e adolescentes, tais como: “doença crónica é aquela que afeta as funções do indivíduo em suas atividades diárias por mais de três meses/ano, causa hospitalização durante um mês por ano ou requer o uso de dispositivos especiais de adaptação e pode abalar a família, temporária ou eventualmente, de forma definitiva” (McElfresh e Merck, 2014; Salvador [et al.], 2015).

Moreira [et al.] (2014), defendem a existência de algumas características que contribuem para uma definição da doença crónica em crianças e adolescentes, ou seja, quando esta permanece por mais de 3 meses, ou ocorreu um episódio clínico agudo, 3 vezes ou mais no último ano e provavelmente vai reincidir; o comprometimento das dimensões de sociabilidade na infância que podem ser definidas por dias de ausência na escola, limitações de atividades quotidianas e de vida diária para a criança; necessidade de apoio para as funções humanas de interação, comunicação, expressão e necessidades de suporte tecnológico à vida; caracterizada pela vulnerabilidade que pode associar alterações nas condições físicas, emocionais, de desenvolvimento e comportamentais e que necessitem de cuidados de serviços de saúde, além dos usuais.

De acordo com a Psicologia Pediátrica in Paulino (2013) existem várias características comuns na doença crónica que vão ter efeitos na vivência subjetiva da criança e dos seus familiares. Estas características passam por: ser indesejável; ser incontrolável ou só parcialmente controlável; ter consequências pouco claras ou pouco previsíveis; envolver separações temporárias (da família e dos amigos, da escola, da casa); envolver perdas permanentes e/ou temporárias (da saúde, de funcionalidade); envolver diminuições de opções (sociais, ocupacionais, escolares, profissionais, familiares); poder envolver perigo ou risco de vida.

Segundo Castro e Piccini (2002), existem doenças crónicas orgânicas (cardiopatias, insuficiências renais, fibroses quísticas, etc.), deficiências físicas, dificuldades de aprendizagem, doenças neurológicas (epilepsias, paralisias cerebrais), doença mental e doenças psicossomáticas. A maior ou menor complexidade da doença crónica, o seu tratamento e o uso e o acesso às tecnologias influenciam o processo da doença crónica. Assim, algumas fases da doença podem ser previsíveis e outras incertas, mas todas elas causam impacto e danos ao adolescente e à sua família (Vieira e Lima, 2002).

As doenças crónicas mais predominantes na infância e adolescência são a asma, a diabetes, a doença cardíaca congénita, epilepsia. Contudo existem outras, que ocorrendo com menor frequência, podem ser mais debilitantes e ameaçadoras com uma evolução imprevisível como a fibrose quística, artrite reumatoide, infeção por VIH e doenças oncológicas (Barros, 1999).

Resultante das doenças crónicas, a incapacidade que as crianças apresentam é definida por Westbrook [et al.] in McElfresh e Merck (2014, p. 898) como a “redução de longa duração na capacidade da criança se envolver nas atividades do dia-a-dia (brincar, frequentar a escola) ”. Segundo Kennel e Maxwell-Thompson (2011), as incapacidades podem ser desenvolvimentais ou adquiridas, podendo advir de danos pré-natais, fatores perinatais, fatores neonatais adquiridos ou, ainda, fatores da primeira infância. Alguns exemplos destes fatores são: genética, prematuridade, doenças infeciosas, exposição tóxica ou traumática ou fatores nutricionais. Segundo as mesmas autoras (Ibidem), a forma como cada incapacidade afeta, as funcionalidades das crianças varia consoante o seu tipo. A Maternal and Child Health Bureu in Kennel e Maxwell-Thompson (2011) afirmam também, que quanto mais a incapacidade afetar a atividade da criança, maior probabilidade existe de esta faltar à escola. Estas crianças e jovens sofrem ainda, risco acrescido de inadaptação psicológica, comparativamente com os seus pares (Witt, Riley e Coiro, in Kennel e Maxwell-Thompson, 2011).

O facto de a doença crónica acontecer na criança, vai propiciar duas situações adversas: por um lado coloca a criança em contacto direto com experiências geradoras de stress (comunicação de diagnóstico, exames, tratamentos, hospitalizações, dor, alterações de aspeto exterior, etc.), por outro, limita as experiências normativas e propícias ao desenvolvimento natural da criança (Paulino, 2013).

Relativamente à incapacidade na infância, Arango in McElfresh e Merck (2014), afirma que as doenças respiratórias (principalmente a asma), as dificuldades na fala e funções sensoriais, e as perturbações mentais ou do sistema nervoso, são as causas mais frequentes.

As crianças com doenças crónicas necessitam de aprender a conviver com a sua realidade, na medida em que podem apresentar várias complicações, nomeadamente, a nível físico e no desenvolvimento neuropsicomotor. Pode implicar no geral, limitação das atividades, adequação de dietas, os constantes procedimentos dolorosos, alterações físicas e repetidas necessidades de internamentos (Silva [et al.], 2017b).Tal facto, implica uma diversidade de necessidades, às quais as entidades de saúde e ensino têm de dar a resposta adequada (McElfresh e Merck, 2014). Segundo a Maternal and Child Health Bureau, in McElfresh e Merck (2014), as crianças com necessidades especiais em termos de cuidados de saúde, apresentam risco aumentado para problemas de saúde a nível físico, comportamental ou emocional e requerem serviços de saúde, e outros, qualitativa e quantitativamente superiores aos requeridos pelas crianças em geral.

Na opinião de Castro e Piccinini (2002) a presença de doença crónica pode interferir com a dinâmica familiar, de acordo com:

“As características da própria doença, a idade em que surgiu, o prognóstico e a assistência médica disponível vai interagir com inúmeros fatores subjetivos, comportamentais e sociais, relacionados aos genitores e à criança, criando uma dinâmica particular para cada caso investigado” (p. 633).

Acrescentam ainda, que uma situação de doença crónica na infância tem implicações emocionais e sociais, e que essas implicações agem como um fator stressor que interfere no desenvolvimento infantil e afeta a dinâmica do sistema familiar. Sustentam a importância de uma abordagem multiprofissional, atenta às condições psicossociais da criança que sofre com hospitalizações recorrentes, ao desenvolvimento saudável das relações da criança com a família e com os profissionais de saúde (Idem, Ibidem). Quando a doença é diagnosticada na adolescência acresce a probabilidade de ser mais problemática, enquanto o diagnóstico feito na infância, a doença tende a ser encarada de forma mais natural (Barros,1999).

De acordo com Neves (2012), a doença crónica tem um enorme impacto quer na criança quer na família. Na criança, este impacto é influenciado pela idade de instalação do problema e pode comprometer o seu crescimento e desenvolvimento no que diz respeito à aquisição de capacidades cognitivas, comunicacionais, motoras, adaptativas e sociais. No entanto, a presença de doença crónica não significa necessariamente uma perturbação do desenvolvimento ou uma incapacidade permanente.

Ao contrário do que se verifica com as crianças, que tem merecido a atenção de alguns autores, as problemáticas vivenciadas pelos adolescentes portadores de incapacidades não têm sido tão bem estudadas. Contudo, os jovens com idades compreendidas entre os 10 e os 18 anos deparam-se com os múltiplos desafios próprios desta faixa etária,

acrescidos das consequências decorrentes de uma incapacidade. Estes jovens deparam- se não poucas vezes, com a incompreensão, o preconceito e a discriminação, que podem levar ao isolamento social (Groce in Kennel e Thompson, 2011).

Associadas ao crescimento e desenvolvimento, os adolescentes com doença crónica irão ter que conviver também com mudanças associadas às particularidades da sua doença. Estas particularidades poderão estar aliadas à estabilidade e previsibilidade da doença crónica, aos aspetos biofisiológicos (carácter degenerativo ou etiológico), ao grau de severidade do prognóstico, ao momento do diagnóstico, a restrições à vida normal do adolescente e ao seu desenvolvimento e à complexidade e exigências do tratamento (Santos, 2010a).

Grande parte das doenças crónicas implica uma diminuição da autonomia e independência do adolescente, envolvendo, pelo contrário, um maior grau de dependência dos pais/familiares e dos profissionais de saúde (Almeida, 2003).

Matos e Equipa Aventura Social (2018),no estudo sobre comportamentos de saúde em idade escolar, quando questionados sobre a sua saúde, 15,1% dos adolescentes referiram ter uma doença ou uma incapacidade prolongada ou permanente, com diagnóstico há mais de dois anos (76%), que implica tomar medicação (60,3%), afetando a sua atividade de tempos livres com os amigos (30,7%), a sua participação na escola (28,4%), acarreta o uso de equipamento especial (20,8%) e afeta a participação em atividades com a família (16,7%).

Para Vieira e Lima (2002), as crianças e adolescentes com doença crónica podem aprender a lidar com a sua doença de um modo mais flexível e resiliente quando apoiadas no meio onde se inserem, como por exemplo pela equipa médica, diminuindo assim potenciais consequências negativas.

O ambiente social em que a criança vive e se desenvolve, e a atmosfera familiar em particular, vão determinar em grande parte o significado atribuído à doença crónica, os recursos internos e externos que são mobilizados e, de um modo geral, todo o processo de adaptação da criança/jovem à doença (Barros, 1999).

Macedo (2018), num artigo de revisão sistemática de literatura sobre determinantes sociais na saúde em idade pediátrica em contexto hospitalar, não encontrou estudos realizados em Portugal, a maioria dos estudos foi realizada nos EUA, onde existe uma realidade de sistema de saúde completamente diferente. Nesses estudos, ficou demonstrado a existência de forte evidência entre a relação dos determinantes sociais e a saúde da idade pediátrica em contexto hospitalar. Salienta, que é fulcral estudar mais esta área, identificar os determinantes sociais mais importantes, bem como, as populações mais vulneráveis,

para assim, existir um melhor planeamento dos cuidados de saúde e combater as desigualdades que persistem cronicamente na sociedade portuguesa.

Loureiro (2016), realizou um estudo acerca dos determinantes de saúde em crianças dos 3 aos 10 anos com os objetivos de caracterizar os hábitos alimentares, as atividades físicas e comportamentos sedentários e avaliar os conhecimentos e comportamentos alimentares dos pais das crianças dos 3 aos 10 anos, tendo verificado da necessidade de se intervir nos grupos mais vulneráveis no sentido de uma mais eficaz equidade em saúde. Verificou ainda, que as políticas e programas estratégicos para a promoção da saúde deveriam ser especialmente dirigidos para este segmento populacional eque o fato dos agregados terem melhor nível social e económico não significa que preencham os comportamentos mais saudáveis, uma vez que estes apresentaram maiores níveis de consumo de fastfood e de comportamentos sedentários. Neste estudo, comprovou-se ainda, que o nível literário dos pais, influencia os comportamentos dos filhos, daí a importância que deve ser dada à literacia em saúde dos próprios pais, nomeadamente, investir na capacidade dos mesmos. Também comprovou, a relevância do papel da escola, enquanto local de eleição para as crianças aprenderem e onde se ensina. Daí a necessidade da escola ter o dever de se comprometer também em garantir uma refeição de qualidade, tanto a nível nutricional como a nível da higiene e segurança alimentar.

Efetivamente, as escolas detêm uma posição basilar pelo potencial que têm para responder aos desafios que se colocam à saúde da comunidade educativa, constituindo uma alavanca para a melhoria do nível de literacia em saúde das crianças e jovens, facilitando deste modo a tomada de decisões responsáveis e consequentemente promovendo ganhos em saúde (Gomes,2018).

Na opinião de Aparício (2010), é durante a infância que são aprendidas as bases para a manutenção da saúde fisiológica e psicossocial da pessoa, sendo estas influenciadas por diferentes vivências familiares. É de fácil perceção, que para além do seu potencial biológico, as crianças mais saudáveis dependem do ambiente onde crescem. Assim, a importância das intervenções vai depender do envolvimento da família e da sua capacidade para intervir na melhoria da sua qualidade de vida e controlar o processo de mudança. No entanto, Santos (2010b), elucida que a evidência científica revela que, embora uma população menos escolarizada tenha tendência a uma maior resistência à mudança de estilos de vida, o conhecimento relacionado com aspetos de saúde não é condição suficiente para a mudança comportamental. Também Tomás (2014), acredita que as desigualdades na adoção de comportamentos saudáveis não dependem apenas das condições económicas das famílias, considerando o papel da literacia em saúde dos pais a “pedra basilar” na promoção de estilos de vida saudáveis dos filhos.

Embora em Portugal, existam poucos estudos relacionados com literacia em saúde nos adolescentes, a pesquisa de Tomás (2014) que se debruçou na avaliação dos níveis de literacia em saúde nos adolescentes portugueses, compreendendo o impacto das fontes de informação em saúde e da informação sobre saúde recebida nesse conceito, e a influência da literacia em saúde na frequência de comportamentos promotores de saúde, verificou que os níveis de literacia em saúde dos adolescentes foi considerada satisfatória, com níveis mais elevados na área da saúde reprodutiva/sexual e os mais baixos na área do uso de substâncias. A investigadora salienta,que os resultados encontrados permitem perceber da necessidade de intervenção em enfermagem com vista à promoção de saúde e de literacia em saúde para desenvolver competências e capacidades de gestão de saúde mais eficazes na adolescência e idade adulta destes jovens.

Também, no estudo Matos e Equipa Aventura Social (2018), referem que apesar de cerca de um terço dos adolescentes se considerar bem informado em matéria de saúde, apenas 54,8% sabem que há medicamentos que podem ter efeitos não desejáveis e apenas 50,2% referem saber verificar o prazo de validade na embalagem de um medicamento.

De acordo com Vieira e Lima (2002), a doença crónica pressupõe modificações na vida do adolescente e exige readaptações face à nova situação, bem como, estratégias para o seu enfrentamento. Estas, podem depender da complexidade e gravidade da doença, da sua etiologia (respiratória, endócrina, metabólica, cardíaca, gastrointestinal, etc.) e da estrutura familiar ou social disponível para satisfazer as suas necessidades e readquirir o equilíbrio. A par dos comportamentos das crianças e adolescentes, a evidência científica mostra-nos que os cuidados de saúde e as escolhas do estilo de vida da gestante afetam a saúde do bebé. Neste sentido, para o progresso da saúde das mulheres e consequentemente para a saúde das suas crianças, são necessárias estratégias abrangentes, como a redução da pobreza, o aumento da alfabetização, treino e educação, maiores oportunidades de participação nas atividades económicas, sociais e políticas (Loureiro, 2016).

Como facilmente se depreende, este é um processo complexo e difícil de atingir se não houver uma equipa multidisciplinar que conjugue os conhecimentos dos seus elementos, médicos, enfermeiros, psicólogos entre outros profissionais, que têm preparação para lidar com crianças/jovens e as suas famílias. Segundo Busse [et al.] (2010), as patologias crónicas exigem um acompanhamento multiprofissional de longa duração pelo facto de frequentemente a medicação utilizada e os equipamentos de utilização, serem complexos, e esta condição ter consequências na vida pessoal e familiar, exigindo a reformulação de comportamentos de autocuidado.

Em síntese, a doença crónica afeta a criança e a sua família exigindo a cada uma delas adaptações constantes nos diversos momentos de transição, impondo um reajustamento, uma reorganização e utilização de estratégias de enfrentamento da doença.

2- A FAMÍLIA DA CRIANÇA COM DOENÇA CRÓNICA –