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Vem-se observando, uma diminuição da mortalidade e morbilidade infantil associada a falhas congénitas e doenças consideradas incuráveis até há relativamente pouco tempo, mas, por outro lado, verifica-se um aumento exponencial de doenças crónicas (Santos, 2010a).

Realça-se, no que diz respeito à incidência de doença crónica na idade pediátrica, esta tem vindo a aumentar nos últimos anos devido às alterações dos padrões de morbilidade na infância, resultantes dos avanços tecnológicos e científicos na área da saúde materno- infantil (Alves, Jorge e Charepe, 2013).

No âmbito do Estágio – Enfermagem de Saúde Pública, do plano curricular do IV Curso de Mestrado em Enfermagem Comunitária, da Escola Superior de Saúde, a investigadora integrou a equipa de investigadores, que realizou um estudo que se debruçou sobre Necessidades de Saúde Especiais, um estudo quantitativo, não experimental e transversal, descritivo de cariz epidemiológico e analítico. A população de estudo foi constituída por todas as crianças e jovens com características comuns: alunos dos estabelecimentos de ensino de um Agrupamento de Escolas, no ano letivo 2018/2019. Numa segunda fase do estudo, considerou-se uma subpopulação, formada pelas crianças e jovens com NSE identificadas. Para definir caso, a equipa investigadora decidiu utilizar a definição de NSE que consta no DL n.º 54/2018, nas crianças ou jovens escolarizados(as), que frequentam um estabelecimento de ensino, do agrupamento de escolas, no ano letivo 2018/2019.

Assim, foram estudadas 1258 crianças/jovens.

Da análise dos resultados da carga de doença crónica nesta população, averiguou-se que 36,6 %, que correspondem a 460 crianças/jovens, apresentavam um ou mais problemas de saúde crónicos. Quando se analisou o compromisso no processo de aprendizagem identificado pelos diretores de turma, professores do 1º ciclo e educadores de infância, verificou-se que 15,6% da população (196 crianças/jovens) encontravam-se nessa situação.

Para identificar as crianças/jovens com NSE em contexto escolar, foi analisada a concordância entre a carga de doença crónica e acompanhamento pela ELI, no âmbito do SNIPI e o compromisso no processo de aprendizagem, sendo que 130 crianças/jovens, que correspondem a 10,3%, apresentavam doença crónica que comprometia o seu processo de aprendizagem. Este estudo, constitui-se como o primeiro passo para o conhecimento da real magnitude deste problema e permitiu ainda, a disponibilização de mais informação para a Equipa de Saúde Escolar responsável pela implementação do PNSE.

Efetivamente, quando debatemos assuntos relacionados com a doença crónica em crianças, abordamos indubitavelmente a sua principal fonte de cuidados: a família.

Vários estudos têm se debruçado sobre a importância da intervenção no núcleo familiar desgastado pelo stress, resultante da atividade intensa de cuidar de uma criança com doença crónica no domicílio. Elevados níveis de stress parental podem ter implicações graves em todos os membros da família, desde a menor otimização do desenvolvimento da criança, até à deterioração da saúde física e psicológica dos pais (Catana, 2013). Costa (2012b), no seu projeto “Cuidar de quem cuida”, as maiores dificuldades percecionadas pelos cuidadores informais são o deficiente apoio familiar e profissional e a escassez de recursos financeiros. Ferreira (2012), no estudo que efetuou acerca da articulação entre saúde, escola e família, questionou a família sobre necessidades e dificuldades sentidas após o diagnóstico de doença crónica, estas descreveram inúmeros constrangimentos na adaptação à doença, com repercussões para toda a família, das quais salientamos a aprendizagem para lidar com a doença, alterações nos hábitos alimentares e alterações da rotina familiar. Em relação aos professores para lidar com estas crianças/adolescentes, estes referem dificuldade no apoio individualizado; relacionadas com a aprendizagem e/ou comportamento do aluno; adaptação/integração do aluno à escola/turma; não saber atuar numa situação de agudização da doença (diabetes, epilepsia); adequação dos recursos materiais; dificuldade em lidar com os sintomas (desmaios, crise de pânico, hipoglicémia); avaliação do aluno; comunicação (aluno surdo);

relacionadas com a incapacidade física do aluno; dificuldade em lidar com um adolescente com cancro; dificuldade em ajustar os conteúdos programáticos; falta de informação sobre o assunto e relacionadas com a maior atenção e tolerância com o aluno. Silva [et al.] (2017a), no seu estudo sobre diabetes tipo I, os participantes relataram as dificuldades sentidas aquando do diagnóstico da diabetes e as implicações na sua vida pessoal, quer no que diz respeito à aceitação da doença quer nas repercussões que ela acarreta. Para além das implicações a nível pessoal, o aparecimento da diabetes no seio da família também, condicionava a vida social dos pais.

A par dos cuidados complexos, os pais experimentam inúmeras dificuldades, de ordem financeira, relacionada com a necessidade de internamento frequente das crianças, inúmeras deslocações, faltas ao trabalho, e por consequência um aumento das despesas com saúde (Castelhano, 2012). Catana (2013), num estudo sobre a vivência parental de uma doença rara no seio da família e na escola refere que os efeitos emocionais nas famílias, pelo facto de cuidarem de filhos com doença rara, oscilam entre o stress psicológico devido ao isolamento social, ao atraso no diagnóstico, à incerteza sobre o futuro, à falta de informação, à dificuldade em aceder a cuidados de saúde adequados e, em alguns casos, à interferência de dificuldades financeiras. Alguns pais quiseram deixar registo sobre os fatores de stress relacionados com a limitada participação do filho nas atividades da escola e dos pares, da falta de sensibilidade e compreensão dos professores, bem como, das relações entre pares. A autora alerta para o facto de em Portugal, e ao contrário de outros países europeus e dos EUA, ainda não é tradição dos serviços de saúde e da educação existir orientação destes casos para grupos de apoio. Daí ser muito importante a divulgação desta temática no público em geral, começando pela área da saúde e da educação, já que lidam diretamente com estas famílias. Esta autora verificou ainda, que as necessidades de serviços da comunidade e de apoio são também apontadas acima da média pelos pais, o que sugere que tanto precisam de ajuda para se moverem nos serviços existentes, como sentem também que a nível pessoal seria bem-vindo um apoio adicional que aliviasse o desgaste físico e emocional diário com que têm de lidar. Xavier (2016), no seu estudo, constatou que as famílias sentiam-se bloqueadas para cuidar, apresentando sensação de aprisionamento, sobrecarga e limitações. Enumeram como algumas das dificuldades vivenciadas: os frequentes internamentos hospitalares da criança; a desestruturação familiar; a dificuldade para cuidar de outros filhos; o preconceito contra a criança; falta de apoio e ter que parar de trabalhar para cuidar. Convivem com a falta de acesso aos serviços necessários ao cuidado e com a revolta da criança por ter uma doença crónica e com a necessidade de materiais tecnológicos para o cuidado.

Santos (2019), num relatório elaborado no âmbito do curso de Mestrado em Enfermagem com especialização em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, evidencia que se deparam algumas vezes, para além das dificuldades de articulação com os cuidados de saúde primários para programar continuidade de cuidados, também com o facto, das famílias residirem longe de Hospitais Centrais. Este facto implica que as famílias têm que se deslocar constantemente, acarretando gastos acrescidos, absentismo dos pais ao emprego e pouca disponibilidade para o resto da família, bem como, pouca qualidade de vida destas crianças que para além da doença são crianças. Simultaneamente, a nível dos cuidados de saúde primários, constataram a não integração de crianças com doença crónica complexa em equipas de cuidados continuados integrados.

Como se pode constatar nos diversos estudos, a doença crónica tem impacto na vida familiar, provocando sofrimento. A presença da doença na criança, as famílias, deparam- se com necessidades comuns, nomeadamente, com tratamentos complexos e atitudes preventivas, adquirindo os pais um papel de relevo. Conhecer as perceções parentais, conduz a um conhecimento mais amplo e realista das famílias numa perspetiva multidimensional. Nesta medida, o papel do enfermeiro e nomeadamente o papel do enfermeiro especialista, é fundamental, de forma a tornar a intervenção mais eficaz e eficiente nas respostas às necessidades e preocupações apontadas por aquelas.

Realça-se ainda, que uma prática de cuidados sustentada na evidência científica sustenta a implementação dos seus projetos de intervenção suportados nas reais necessidades encontradas, favorecendo a obtenção de ganhos em saúde.

Pelo que foi exposto, tornou-se pertinente conhecer a perspetiva da família no cuidar da criança com doença crónica no domicílio. O investigador deve ter a certeza da pertinência da pergunta da partida, no que concerne ao seu valor e contributo quer para as pessoas e sociedade, quer para o corpo de conhecimentos de uma disciplina e o seu interesse para a prática profissional e desenvolvimento científico (Fortin, 2009).

As questões de investigação são as premissas onde se apoiam os resultados de uma investigação, ou seja, são enunciados interrogativos escritos no presente, de forma clara, incluem os conceitos a examinar, abordam a população alvo e sugerem uma investigação empírica (Idem, Ibidem), Sampieri [et al.] elucidam a importância da formulação de perguntas de pesquisa, expondo que são “(…) aquelas que pretendemos responder ao finalizar o estudo para alcançar os objetivos” (2013, p. 377).Tendo por base o referido anteriormente, colocamos a seguinte questão de investigação: Quais as repercussões para a família ao cuidar da criança com doença crónica no domicílio?

Os objetivos de um estudo de investigação determinam o modo como o investigador obterá resposta às suas questões de investigação. Devem indicar de forma clara qual o fim que o investigador pretende alcançar (Fortin, 2009). Este estudo tem como objetivo geral: conhecer as repercussões na família ao cuidar da criança com doença crónica no domicílio, com o propósito da melhoria das práticas das equipas de saúde, nomeadamente para inovação/mudança das práticas de cuidados dos cuidados de saúde primários que trabalham com as crianças e famílias afetadas por uma doença crónica; fomentar a reflexão e discussão no seio das equipas de saúde de forma a contribuir para a minimização do sofrimento da família no domicílio.

Definiram-se os seguintes objetivos específicos:

• Analisaro conceito atribuído pela família à doença crónica;

• Identificar os cuidados prestados pela família à criança com doença crónica no domicílio;

• Identificar as estratégias mobilizadas pela família para cuidar a criança com doença crónica no domicílio;

• Identificar as necessidades da família no cuidar da criança com doença crónica no domicílio;

• Identificar as dificuldades da família no cuidar da criança com doença crónica no domicílio;

• Identificar sentimentos/emoções da família no cuidar da criança com doença crónica no domicílio;

• Identificar as estratégias de coping mobilizadas pela família no cuidar da criança com doença crónica no domicílio;

• Identificar as expetativas da família da criança com doença crónica acerca dos recursos da comunidade (escola, infantário, enfermeiro, médico, psicólogo).