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A Doutrina no Século XXI: Formação de uma teoecologia e internacionalização

CAPÍTULO 1- Introdução ao Tema de Pesquisa

1.6 A Doutrina no Século XXI: Formação de uma teoecologia e internacionalização

Com o falecimento do Pd. Sebastião em 1990, o comando do Cefluris passou para seu filho, Alfredo Gregório Mota. O Pd. Alfredo assumiu o comando em pleno movimento de expansão das igrejas, e tem demonstrado habilidade em preservar os aspectos rituais (formais) deixados pelo Mestre e os ensinamentos deixados por seu pai. Ao mesmo tempo, tem permitido que características da religiosidade “Nova Era” permeiem o Santo Daime, ou seja, ele manteve mais ativo do que nunca o ecletismo daimista.

Fig. 11 Padrinho Alfredo, atual líder do Cefluris, com foto do Pd. Sebastião segurando foto do M. Irineu.

Fonte:http://flordoshinos.jimdo.com/s/cc_images/cache_275600103.jpg Acesso em 21 jan. 2010

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Pd. Alfredo também seguiu com a expansão da doutrina, não só abrindo novas igrejas em todo Brasil, mas também indo ao exterior (Hawaí, Japão, Europa, EUA). Nossos informantes durante a pesquisa para a dissertação (ARAÚJO, 2005) contaram que essa expansão não foi algo planejado, e sim algo espontâneo, que foi crescendo à medida que mais pessoas conheciam a Daime, ou por irem ao Mapiá, ou por visitarem as igrejas do Rio de Janeiro e Distrito Federal. Foram surgindo convites e pedidos de abertura de novas igrejas, e a necessidade de organização dessa expansão, bem como a necessidade de legitimação, foram engajando os daimistas.

Uma questão que sempre foi importante e passou a ser abordada cada vez mais, foi a questão da preservação da doutrina (ou seja, a não-modificação dos rituais e crenças) concomitante à preservação da floresta e do povo daimista. Foi elaborado um documento chamado: “Santo Daime: Normas do Ritual” (1997), explicando quais as características principais de cada ritual, quais preceitos devem ser observados, e assim por diante.

Também tomou corpo a idéia de um desenvolvimento e um manejo sustentável da floresta, e assim os daimistas passaram a ser cada vez mais identificados como “povo da floresta”.

Este princípio aliou o ecletismo daimista aos ideais ecológicos, pois enfatiza a idéia de que a natureza seria a moradia de diversos guardiões espirituais. Mais do que nunca, trata-se de uma floresta mística mais do que concreta, pois, com a expansão da doutrina para os grandes centros, nem sempre a natureza está fisicamente presente, fazendo-se presente de forma simbólica. A natureza se representa sob a ótica do discurso contemporâneo da ecologia.

A partir deste discurso que resgata um sentido sagrado da natureza, também vai se fortalecer a união entre o Daime e linhas espirituais que também têm a natureza em alta conta, como a Umbanda, que vê as cachoeiras, o vento, o mar e a mata como lugares em que estão presentes os orixás, caboclos e pretos-velhos.

O Santo Daime também tem progressivamente procurado fortalecer contato com outras linhas espirituais espalhadas pelo planeta que utilizam plantas sagradas e estão ligadas a grupos étnicos indígenas, como a American Native Church., que procura unir crenças e práticas de povos nativos da América Central e do Norte, e que utilizam os cacto peiote (lophophora williaamsi) psicoativo, como sacramento religioso.

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Embora possa haver a impressão de que o “ecletismo” daimista poderia desestruturar a doutrina em algum ponto, isto não é o que de fato acontece. Os conceitos trazidos pela contracultura foram resignificados de forma harmoniosa dentro da doutrina, que passou cada vez mais a trabalhar com a noção de que outras crenças e práticas voltadas para o auto-conhecimento poderiam se somar ao Daime, tal como afirma Alex Polari em uma entrevista publicada pela “Revista das Religiões”:

Sim, o próprio nome da igreja, Centro Eclético de Fluente Luz Universal, presta tributo a todas contribuições espirituais. A base da doutrina é a espiritualidade xamânica, mas ela também incorpora elementos do Cristianismo, do Kardecismo, das religiões africanas e da religiosidade oriental, como a idéia da reencarnação. Este ecletismo permite que qualquer pessoa, de qualquer crença, passe a limpo sua fé dentro da luz do Santo Daime por meio dos insights e das visões. O Santo Daime trabalha com a consciência visionária das mirações, ou seja, as revelações que temos ao tomar a bebida. (ALVERGA, 2003, p. 63)

Com isso, o Daime deixou de ser uma obscura seita amazônica, perdida nos confins do Acre e do Rio Purus, para ingressar no quadro das religiões contemporâneas dos grandes centros urbanos. A doutrina foi permeada por novos conceitos sociais, psicológicos e religiosos, sem com isso perder sua identidade.

Fig. 12 Final do Trabalho de Ano Novo, igreja Céu do Mar, 01/01/2010. Foto: Valéria Abramovitz.

O Cefluris parece estar à frente na relação com a mídia e a internet, que inegavelmente demonstra seu interesse pela expansão. No entanto, esta exposição o coloca

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na clássica posição de “vidraça”: embora o site oficial seja muito bem apresentado, com bom conteúdo, e que de maneira geral as pessoas responsáveis pela moderação nas comunidades virtuais sejam muito cuidadosas em não fazer nenhum tipo de apologia ou incentivo para que as pessoas entrem para a doutrina ou tomem Daime, há que se considerar que estar na rede implica realmente em realmente lidar com todo tipo de interpretação sobre seu discurso ou críticas vindas de opositores esperados e inesperados.

Sair do ambiente geográfica e simbolicamente restrito da Floresta tem seu preço e sem dúvida seus perigos.

Paralelamente, as relações das religiões ayahuasqueiras brasileiras com a mídia foi se intensificando ao longo dos anos. A expansão do Santo Daime (Cefluris, pois o CICLU- Alto Santo praticamente não saiu do Acre, assim como a Barquinha) e da UDV ao longo destes 30 anos não passou despercebida pelos meios de comunicação.

Segundo Labate e Araújo (2004, p.573), a UDV possui cerca de sete mil membros, e o Santo Daime, algo em torno de três mil. No entanto, a UDV possui uma estrutura muito mais rígida, fechada e burocrática. Esta religião, fundada em Rondônia por Mestre Gabriel da Costa, exerce forte controle sobre seus membros, autorizando poucas declarações e entrevista à imprensa, e na maioria dos casos permitindo que apenas membros façam pesquisas científicas sobre esta religião.

A Barquinha vem progressivamente permitindo que pesquisas científicas sejam realizadas em suas igrejas. Um bom exemplo é o livro “Navegando nas ondas do Daime”, de Araújo (1999) e as pesquisas de Marcelo Mercante, Doutor em Human Sciences/Consciousness and Spirituality (2006), com a tese "Images of Healing:

spontaneous mental imagery and healing process of the Barquinha, a Brazilian ayahuasca religious system". A Barquinha também foi mostrada no quadro “Êxtase” do programa dominical “Fantástico”, exibido em 2006 pela Rede Globo, junto com a UDV e o Santo Daime.

A expansão do Santo Daime, seja no ambiente concreto ou virtual, tem demandado uma série de posicionamentos de seus dirigentes, em relação à irmandade; entre os demais grupos ayahuasqueiros, e em relação às autoridades nacionais e internacionais.

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Este parece ser o grande desafio para Pd. Alfredo e seus seguidores atualmente:

eles não só precisam lidar com os desafios amazônicos da preservação da floresta e da auto-sustentabilidade das comunidades, como também precisam acompanhar de perto a expansão internacional da doutrina, abrindo-a para o diálogo com outras tradições religiosas e, ao mesmo tempo, preservando sua singularidade. Nestes últimos anos, o discurso ecológico também tem sido uma tônica no discurso daimista, sendo expresso tanto nas entrevistas realizadas em nossa pesquisa de mestrado (Araújo 2004) quanto nos hinos.

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