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CAPÍTULO 3: O CENÁRIO DA COMPRA ORIENTADA: CONECTANDO OS FATORES

3.2 A ecologia da compra orientada: conectando os fatores identificados

O título deste subcapítulo sugere, a partir das contribuições de Eric Trist (1976) sobre ecologia organizacional, que a compra de produtos da agricultura familiar para a merenda escolar envolva diferentes fatores, provindos tanto do nível federal de governo quanto do local, ambos permeados pela atuação de diferentes organizações públicas e privadas, que exercem influências umas sobre as outras. Trist (1976:2) define ecologia organizacional como o “campo organizacional criado por um certo número de organizações cujas inter-relações

compõem um sistema a nível desse campo como um todo. É o caráter desse campo global, como sistema, que se torna agora objeto de investigação, e não a organização isolada na sua relação com o seu conjunto organizacional”.

Este capítulo, então, tem como proposta conectar os fatores presentes que conformam esse campo de relações interorganizacionais, estabelecido pela Lei Federal nº 11.947/09 – entre outras normas que regem o processo de compras públicas do PNAE –, através das influências e sentidos transmitidos pelos Ministérios envolvidos, bem como pelos determinantes e práticas locais observados na literatura.

Uma vez que diferentes atores estatais e não estatais, participam da implementação do PNAE, e que cada um deles interfere direta e indiretamente na compra focada na agricultura familiar, será apresentada a cadeia de influências nas decisões e ação, expressando assim o ambiente transacional (Trist, 1976) da implementação da compra orientada. Essa cadeia de inter-relações, apresentada de maneira ilustrativa no esquema 2, conecta os fatores (ou parte deles) identificados e retratados separadamente nos subcapítulos 2.2 e 2.3, que retratam, do ponto de vista institucional, os repasses de informação e recursos financeiros entre o governo federal e o municipal.

Esquema 2: Ambiente transacional da compra focada na agricultura familiar Fonte: Elaboração própria.

Como se vê, o MEC se relaciona com as secretarias municipais de educação, especialmente com o setor de compras e da merenda escolar, através do FNDE, que repassa recursos e fiscaliza a prestação de contas desse e de outros programas; e também através dos Cecane‟s, onde igualmente há trocas de informações. A atuação dessas duas instituições está relacionada à merenda escolar de forma ampla, envolvendo orientações sobre gestão de recursos e de segurança alimentar e nutricional, tanto para as compras via licitação – procedimento cobrado pelos órgãos de controle federais e estaduais – quanto para aquelas via Chamada Pública.

Por outro lado, as influências relacionadas aos diversos programas do MDA chegam ao nível local através das orientações da SAF às Assistências Técnicas e Extensão Rural (ATER‟s), essas últimas instâncias estaduais com departamentos locais, que prestam assistência a agricultores e suas organizações – todavia, também são atores com interesses próprios.

As influências se apresentam diretamente às secretarias municipais de agricultura, quando existem, ou aos departamentos municipais responsáveis por esse setor. Especificamente para o PNAE, o MDA conta com a atuação do Projeto Nutre em alguns estados do país, cujo objetivo é articular os grupos de agricultores familiares, secretarias/setores municipais de agricultura e da merenda escolar para efetuarem a Chamada Pública, para aquisição dos produtos da agricultura familiar. Outros atores que podem ser chave nesse processo são os Sindicatos de Trabalhadores Rurais e outras organizações da sociedade civil, que levam as demandas dos agricultores ao poder público municipal, e/ou prestam assistência técnica aos produtores. Igualmente, são atores auto interessados. Os dois ministérios também atuam conjuntamente, conforme apontou Peixinho (2013), através de capacitações para que os municípios comprem os produtos dos agricultores familiares para a merenda escolar. Na centralidade da ilustração acima está o poder público municipal e seus setores, órgãos, gestores e técnicos, que possuem preocupações, percepções, interesses e recursos distintos entre eles e os demais atores envolvidos neste ambiente transacional. Portanto, não são passivos às influências provenientes dos demais atores.

Trist (1976) argumenta que a “ecologia organizacional preocupa-se com o nível

intermediário entre o socialmente micro e socialmente macro”. Nesse sentido, esta abordagem contribui para estabelecer entendimentos prévios sobre a implementação de programas públicos, na medida em que possibilita conexões entre a concepção de

determinado programa no nível federal de governo e as interferências do contexto municipal, influenciando as decisões locais e ações de implementação. Embora seja uma simplificação da realidade, a figura 3 contribui para a visualização do cenário da compra orientada exposto até aqui, conectando os fatores identificados nos capítulos anteriores.

Esquema 3: Cenário da compra orientada Fonte: Elaboração própria.

Neste cenário observamos as possíveis influências que podem interferir na decisão do poder público municipal em comprar (ou não) os alimentos dos agricultores. Em nível federal elas seriam: os alicerces institucionais e históricos, sobretudo os observados a partir da fase de descentralização do Programa; a atuação do MEC e do MDA conectados pela discussão de Segurança Alimentar e Nutricional ocorrida no CONSEA e que origina a Lei Federal nº 11.947/09 e de outros programas públicos federais, como o Pronaf e o PAA. Mais importante ainda são as influências locais: o contexto socioeconômico, cultural, ambiental e político; a presença e participação de organizações e atores locais, também fundamentais para que as decisões sejam convertidas em ações, principalmente para aproveitar potencialidades e

amenizar dificuldades e limitações locais. Os atores sociais locais podem interpretar e reformatar o local, em um processo de intervenção que é conflituoso e negociado entre eles, conforme aponta Long (1999).

A partir deste panorama, sugerem-se algumas questões para a implementação do PNAE em pequenos municípios: (a) Quais ações têm sido implementadas? (b) Quais negociações são necessárias para a operacionalização das ações? (c) Quais são as influências federais reconhecidas como presentes pelos atores locais? (d) Quais são os elementos locais que influenciam a implementação da compra de produtos da agricultura familiar?

CAPÍTULO 4: A COMPRA ORIENTADA NA PRÁTICA: COMO SE