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CAPÍTULO 1: A EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E UM LUGAR DA PRÁTICA NA

1.3 O modelo de análise

Subirats et al (2008:8) propõem a análise de políticas públicas como "ciencia de la

acción", utilizada para descrever, compreender e explicar o funcionamento do sistema político

administrativo em seu conjunto e a relação com os atores não governamentais, sejam eles públicos ou privados. Essa análise possui três características principais, condizentes com os interesses desta pesquisa. São elas:

• Análise da interação entre os atores públicos (governamentais e não

governamentais) e privados que geram a ação pública, a partir dos recursos que

utilizam e das instituições que regulamentam suas ações. Permite compreender as ideias, interesses e condutas individuais e coletivas, assim como os resultados que

delas podem ser gerados, tanto em termos de influência sobre a sociedade civil como em nível institucional. O ponto de partida da análise empírica é a vida cotidiana das administrações públicas e os estudos dos serviços gerados, permitindo situar os atores num tempo e espaço determinados, e analisar a ação pública nesse contexto. Identifica os âmbitos de mediação entre os atores públicos e privados.

• Análise das condições do problema visa afastar-se de orientações estritamente gerencialistas, que tratam os serviços como entidades autônomas. Busca ter em conta os produtos que serão avaliados de maneira explícita e plural, em função de sua contribuição para a solução do problema público em questão.

• Análise comparativa de programas e políticas públicas desenvolvidas em diferentes contextos políticos e administrativos, que podem identificar os principais fatores de êxito e fracasso dos mesmos. E, também, revelar as similaridades e diferenças dos efeitos que um mesmo programa ou política pública pode ter ao ser implementado por diferentes entidades públicas, permitindo que diferentes administrações públicas comparem suas experiências e enriqueçam seus processos de aprendizagem. É especialmente interessante no caso de sistemas federais, que aplicam normas e medidas de caráter geral em distintos contextos e

sistemas político administrativos. A perspectiva central dessa proposta é a análise da conduta dos atores, tanto os

coletivos como os individuais, envolvidos em diferentes etapas do ciclo de políticas públicas. Os autores entendem que o conteúdo e as características institucionais de uma ação pública, é o resultado das interações entre atores estatais e não estatais causadores ou afetados pelo problema coletivo. Em concordância com as considerações de Hill e Ham (2003, 2006) e Marques (2013), Subirats et al (2008:42) consideram o ciclo de políticas públicas apenas uma referência para a análise e não um esquema rígido, com vantagens e desvantagens. As primeiras seriam permitir considerar a existência de círculos de retroalimentação ao longo de todo o processo e a identificação em cada uma das etapas, dos desafios e atores implicados, reduzindo assim a complexidade dos métodos de análise. Por outro lado, as críticas estariam na possibilidade de induzir ao erro, ao supor que todas as políticas possuem todas as etapas organizadas de maneira cronológica. A necessidade de levar em conta que pode não haver nexos causais entre as etapas do ciclo; e que esse modelo cíclico tem como marco uma

interpretação legalista da ação pública (perspectiva top down), centrada na ação do Estado e por não considerar a perspectiva dos atores sociais e seus contextos (bottom-up); e, ainda, não permite considerar casos de ciclos simultâneos ou incompletos.

Considerando as vantagens e desvantagens, Subirats et al (2008) adotam a ideia sequencial do ciclo na análise de políticas pública, como ferramenta pedagógica e heurística, que deve ser completada com uma análise transversal da política, a partir do que eles denominam de chaves de análises de políticas públicas, conforme ilustra o esquema 1.

Esquema 1: Las claves del análisis de políticas públicas. Fonte: Subirats et al (2008).

Entende-se por atores sociais: indivíduos (separadamente), grupos sociais (agricultores familiares, por exemplo) e pessoas jurídicas (como associações, empresas e sindicatos) e grupos de indivíduos (como departamento da administração pública ou grupo informal de agricultores, que supõe-se que possuam ideias compartilhadas e interesses em comum). Nesse sentido todos os indivíduos ou grupos sociais afetados pelo problema que a política visa solucionar são considerados atores, ainda que momentaneamente incapazes de exercer alguma ação concreta em algumas das etapas de investigação. Tal passividade pode ser voluntária, ou relacionada à indisponibilidade de recursos, ou ainda por desconhecimento sobre as implicações de determinada etapa do ciclo. Logo, todos esses atores possuem margem de manobra, de maior ou menor grau dependendo da situação e da influência exercida pelos contextos sociais e institucionais onde estão inseridos.

Uma vez que as regras institucionais representam obstáculos ou oportunidades para suas ações e decisões, elas são classificadas em três tipos: as que fixam as competências e a natureza das interações entre os atores; as regras que fixam as condutas individuais; e as que determinam o acesso aos recursos das políticas públicas. Por outro lado, os recursos disponíveis pelos diferentes atores, bem como a sua produção, gestão, exploração, combinação e mudanças podem gerar influências sobre os processos, resultados e efeitos de uma política pública. São elencados 10 tipos possíveis de recursos:

1. Recursos humanos, em termos qualitativos e quantitativos.

2. Recursos econômicos, provenientes de fonte própria ou de subvenções. 3. Informações que são essenciais para a tomada de decisão.

4. Recursos relacionais e interativos, construídos a partir de atributos individuais dos atores envolvidos, da qualidade da organização das estruturas administrativas ou associativas e da existência de redes de interação entre os diferentes atores das políticas públicas.

5. Confiança, como um recurso frequentemente trocado entre os atores durante a implementação das políticas públicas.

6. Direito: a partir de bases legais, os atos administrativos podem ser questionados e até mesmo anulados. E os serviços podem ser reivindicados.

7. Tempo.

8. Infraestrutura (recursos patrimoniais). 9. Apoio político.

10. Violência, caracterizada como o poder de fazer uso da força física.

O modelo de análise proposto leva em consideração todas as etapas do ciclo de políticas públicas e seus produtos, que são os ilustrados no esquema 1, na chave 'Conteúdo de

uma política pública'. Entretanto, esta dissertação tem como foco a execução, por isso não

serão analisadas todas as etapas conforme o modelo original.

Considerada pelos autores (Subirats et al, 2008) como a que melhor reflita a complexidade e riqueza de nuances das etapas do ciclo, a implementação conecta diretamente os atores estatais, grupos objetivos, beneficiários finais e grupos terciários (afetados e beneficiários). Assim, é essencial analisar a interação entre atores para compreender o funcionamento de uma política. A implementação é definida como um “conjunto de

processos que, tras la fase de programación, tienden a la realización concreta de los objetivos de uma política pública” (p.179); ou seja, algo sendo colocado em prática ou em

execução, e adaptando o programa para as situações concretas que deverão ser enfrentadas. "Esta es una fase generalmente mucho más compleja de lo parece o de lo que los analistas de

políticas muchas veces imaginan" (p.44).

O enfoque metodológico sugerido para a análise do processo de implementação é o de

análisis relacional, considerado adequado para identificar as interações entre os atores. Essa

metodologia busca situar os atores em seu entorno social e identificar as forças políticas, sociais e econômicas as quais estão expostos, assim como as relações com os demais atores, em função de seus interesses e recursos disponíveis.

É adequado, nesse sentido, considerar a perspectiva de interface social desenvolvida por Norman Long (1999:1), ao prever que os programas e ações públicas são processos negociados e socialmente construídos, e não uma simples execução de um plano. Embora a palavra interface transmita a ideia de algo com articulação de dois lados ou de confrontação de duas faces, o sentido atribuído por Long é o de situações de interface social, que são múltiplas e complexas, por abrigarem diferentes interesses, relações e modos de racionalidade e poder. Um dos elementos subjacentes a esta ideia de interface é a de um lugar de conflito,

incompatibilidade e negociação. Sob essa perspectiva repousa a análise do processo de

implementação do PNAE realizado nesta dissertação. Ainda que se presuma que há interesses comuns entre os atores, sempre haverá conflitos provenientes de seus diferentes interesses e relações desiguais de poder.

Como se vê, embora Subirats et al (2008) falem sobre ação pública e considerem a participação de diferentes atores em seu modelo de análise, eles não rompem com a ideia de política pública, definida como “una serie de decisiones o de acciones, intencionalmente

coerentes, tomadas por diferentes actores, públicos y a veces no públicos – cuyo recursos, nexos institucionales e interesses varíam – a fin de resolver de manera pontual um problema politicamente definido como colectivo” (p.36). Para eles o conceito ainda permanece útil. E, para nós, também parece adequado à análise da execução do PNAE. O modelo apresentado, utilizado na discussão da prática do Programa nos municípios não será uma fórmula rígida, por ser apenas um modelo, uma simplificação da realidade. Constitui, assim, uma maneira de discutir e compreender as relações entre os atores sociais e os resultados delas gerados.

1.4 Relações intergovernamentais no Brasil: o papel dos municípios na