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A educação cidadã no ordenamento jurídico brasileiro

3 A EDUCAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE CONSTRUÇÃO DA

3.1 Os contornos da educação cidadã

3.1.1 A educação cidadã no ordenamento jurídico brasileiro

A educação voltada para a formação do cidadão encontra amplo respaldo na legislação brasileira. Conforme o artigo 6º da CF/88, a educação figura como um direito fundamental social e, de tal modo, é dotado de aplicabilidade imediata. Ademais, na qualidade de direito subjetivo público, sua efetivação pode ser exigida judicialmente, ainda que patente

a carência dos níveis de educação no País 62. Oportunamente, ressalte-se que, desde a

61Defendendo a utilização da educação para a formação humana: “Os formuladores e executores das políticas

públicas educacionais, se quiserem de fato mudar os rumos do Brasil, precisam incorporar o sentido da educação como formação humana” (CRUZ; AMORIN, 2010, p. 10).

62 Registre-se, inclusive, o fato de que a CF/88 tratou de deixar expresso, no art. 208, § 2º, que o não

cumprimento da obrigação estatal de oferecimento de ensino obrigatório ou ainda sua oferta irregular pode resultar em responsabilização da autoridade competente.

Constituição de 1824, a educação já gozava do status de direito fundamental (art. 179, XXXII), sendo assegurado inclusive o direito à educação primária gratuita. Ela só foi declarada, porém, como direito de todos em 1934 (AGUIAR; ARAUJO, 2014, p. 529-530).

O tema ainda goza de regulamentação constitucional mais detalhada no título VIII

(Da Ordem Social), do artigo 205 ao 214 63. Dentre eles, destaca-se pela pertinência com a

temática, o artigo 205, segundo o qual a educação é um direito de todos, cuja promoção e incentivo são dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade, buscando-se o desenvolvimento pleno do indivíduo, sua qualificação profissional e o seu preparo para o

exercício da cidadania 64.

Nesse tocante, importa destacar que a educação como termo complexo, que alberga variados sentidos, conforme se extrai do artigo 1º da lei de diretrizes e bases da educação (LDB; lei nº 9.494/96): “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Tem-se, pois, que ela não se resume àquela formal, sinônimo de ensino. Esse se caracteriza por ser uma transmissão, no ambiente escolar, de conteúdos educativos de forma objetiva, dirigida e metodizada. É, portanto, de apenas uma das facetas da educação (ANDRADE, p. 2010, p. 47). Não se pode ignorar ainda a educação não-formal e a informal, que também são meios de formação da pessoa, inclusive, como cidadão e, assim como a formal, devem ser incentivadas pelo Estado, pela família e pela sociedade.

Conforme explicam Biaconi e Caruso (2005, p. 20), a educação informal é aquela em que a acumulação de conhecimento ocorre com substrato nas experiências diárias em casa, no trabalho, nas atividades de lazer. Já a educação não-formal é, assim como a formal, organizada e sistemática, mas ocorre fora do sistema de ensino institucionalizado.

Sobre o tema, Gonh (2006, p. 29) acrescenta que a educação informal acontece em locais relacionados a determinadas condições de vida, como religião, nacionalidade, localidade, etnia. Assim, acontece, por exemplo, em condomínios, na rua, nos locais de culto religioso, com espontaneidade, em locais de desenvolvimento das relações sociais, de acordo

63 Andrade (2010, p. 60) lembra que, além desses, há ainda outros dispositivos esparsos na CF/88 que versam

sobre educação, citem-se, como exemplos, os seguintes artigos 22, XXIV; 23, V; 24, IX e 225, §1º, VI.

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Sobre a disposição constitucional e a busca por uma formação holística do educando, tem-se: “A constituição é clara quando aponta como objetivo da educação a preparação para o exercício da cidadania, e para isso há de se promover o pleno desenvolvimento da pessoa, fugindo-se de uma visão fragmentada, reducionista, do mero saber cognitivo, buscando a inteireza da formação humana em seus aspectos físicos, emocionais e sociais. Assim, observa-se que é constitucional o incentivo ao exercício pleno da cidadania” (SILVA, 2007, p. 32).

com gostos. O lugar da educação não-formal, por sua vez, encontra-se fora da escola, mas em sedes onde as pessoas se reúnem com a intencionalidade de aprender e de trocar saberes; são ambientes interativos, construídos de forma coletiva, de acordo com as diretrizes de determinados grupos. Ambas se diferenciam, ainda, quanto às finalidades perseguidas e aos atributos que possuem. A educação informal é responsável por desenvolver hábitos, modos de pensar e de se expressar de acordo com a cultura dos grupos a que o indivíduo pertence. Diz- se tratar-se de um processo permanente e não organizado, que atua no campo das emoções. Já a educação não-formal busca capacitar o indivíduo em sua formação como cidadão, fortalecendo seus meios de interação com a realidade, instruindo-o política e

socioculturalmente, mas sem objetivos específicos traçados a priori. Fundamentada na

solidariedade, busca gerar laços de pertencimento, cooperação com a construção da identidade coletiva do grupo (GONH, 2006, p. 29-30).

Ainda no concernente à educação cidadã e à CF/88, registre-se o fato de que, para a concretização dos fundamentos e dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil expressos nos artigos 1º e 3º, respectivamente, o caminho passa pela formação dos cidadãos mediante uma prática pedagógica segundo os contornos descritos neste capítulo; haja vista o fato de que somente um cidadão consciente de seus direitos e disposto a cumprir seus deveres, motivado pela corresponsabilidade para com seus iguais, terá condições de construir um país onde se verifique, por exemplo, o respeito à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais; e a promoção do bem-estar de todos, sem qualquer forma de discriminação.

Dentre os objetivos ora referidos, Muñoz (2012, p. 47) destaca o inserto no inciso I do artigo 3º, referente à constituição de uma sociedade livre, justa e solidária. Conforme o autor, a liberdade a que se refere o inciso não pode ser entendida como garantia meramente formal. O que perfaz uma sociedade livre são pessoas livres, ou seja, capazes de, livremente, participar da vida política diária da comunidade. Para tanto, o autor defende, no que se filia este estudo, a necessidade de que os cidadãos detenham um mínimo de educação cívica, pois,

como anota Freire (1986, p. 28), “Dizer que os homens são pessoas e, como pessoas, são

livres, e nada concretamente fazer para que essa afirmação se objetive, é uma farsa”.

Existem ainda outras normas no ordenamento jurídico brasileiro que também disciplinam o direito à educação cidadã. É o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei

nº 8.069/90), que, em seu artigo 53, caput, numa redação bastante semelhante ao do já citado artigo 205 da CF/88, determina que a criança e o adolescente têm direito à educação que os prepare para o exercício da cidadania.

A LDB também faz referência à cidadania, primeiramente, em seu art. 2º, em que se

afirma: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos

ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando,

seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Imprimiu-se

realce). As menções são reiteradas ainda nos artigos 22, 35, II e 36, I.

Por todo o exposto até aqui, é notório não restar dúvidas acerca do potencial da educação como instrumento de construção da cidadania, o que, inclusive, como ficou demonstrado, está amplamente respaldado no ordenamento jurídico brasileiro.

No primeiro momento, se poderia apontar, como solução para revestir a educação nacional dos contornos cidadãos, a inclusão de mais disciplinas no currículo escolar. Observa- se, na prática, no entanto, que os currículos escolares já contam com extensa gama de conteúdos e que, portanto, a inclusão de outros, provavelmente, seria apenas uma alteração teórica, de concretização difícil (SILVA, 2007, p. 44).

Assim, defende-se a transversalidade como meio de abordagem de temas ligados à formação cidadã sem a necessidade de inclusão de mais disciplinas nos currículos tradicionais. Os temas transversais dizem respeito a questões contemporâneas que fazem parte do contexto social do aluno. Dessa forma, quando se trabalha com a transversalidade, se pretende trazer para a discussão assuntos atinentes à realidade da escola e da sociedade onde ela se encontra, sempre com a finalidade de firmar um posicionamento crítico, por parte do educando, que possa resultar numa transformação positiva do mundo ao seu redor (SILVA, 2007, p. 40).

Utilizando-se desse mecanismo, pode-se tratar de temas como: poluição da cidade (ruas, rios, mares, ar...), educação no trânsito, respeito às diferenças, desigualdade social, pobreza, sedentarismo, alimentação saudável, utilização de novas tecnologias... Outro assunto deveras relevante para a formação cidadã, e que pode ser tratado de forma transversal, são os temas englobados pela educação fiscal 65-66, que, dentre as temáticas da educação cidadã, foi

65 Nesse sentido, tratando da educação fiscal como componente da educação cidadã, “El comportamiento fiscal

correcto se aprende. Del mismo modo que se pueden aprender hábitos de control de los impulsos primarios, se puede aprender a controlar el egoísmo y la insolidaridad que subyacen a los comportamientos fraudulentos en las dos vertientes del presupuesto público. Si dentro de nuestro sistema educativo existe una educación para la

eleita para um tratamento mais detalhado neste capítulo, por guardar estreita relação com a prática dos observatórios sociais, que será objeto de exploração mais à frente 67.