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4 O CONTROLE SOCIAL DOS GASTOS PÚBLICOS E A

4.4 A lei de responsabilidade fiscal (LRF)

A lei complementar nº 101/2000 contou com a participação ampla da sociedade durante seu processo legislativo. Vários debates foram realizados, dos quais participaram diversos segmentos da sociedade e autoridades locais, sem mencionar ainda as consultas públicas efetivadas por meio da página eletrônica criada para esse fim (MENDES, 2011, p. 349).

O contexto que inspirou a criação da LRF continha aspectos político-econômicos externos e internos ao Brasil. No primeiro grupo, destaca-se a influência do Fundo Monetário Internacional (FMI), que forneceu o apoio teórico por ele acumulado nas experiências de reforma fiscal que já acompanhara. Ademais, o Brasil inspirou-se em legislações alienígenas,

especialmente, na Fiscal Responsability Act (1994), da Nova Zelândia. Internamente, o País passava pelas mudanças concernentes ao Programa de Estabilidade Fiscal, lançado pelo Governo Federal em 28 de outubro de 1998, que pretendia promover um ajuste fiscal do

Brasil 116. A LRF veio, assim, corroborar essa finalidade, ao prezar pela qualidade na gestão

dos recursos públicos (RAMOS FILHO, 2002, p. 25-26; LINO, 2001, p. 19).

O objetivo central da lei é “criar uma ética do gasto público no Brasil” (MENDES, 2011, p. 410). Segundo o citado autor (2011, p. 409-410), a LRF apresenta-se como instrumento por meio do qual se busca assegurar que as receitas públicas ficarão protegidas dos interesses egoísticos de um pequeno grupo que comanda a economia e, consequentemente, possui grande ingerência na política do País. Busca, então, assegurar a alocação de recursos feita de uma forma cada vez mais legítima, com base nas reais

necessidades da população 117.

Para a consecução do referido objetivo, conforme se depreende do § 1º do artigo 1º da Lei, ela se apoia em quatro pontos principais: planejamento, transparência, controle e responsabilização (RAMOS FILHO, 2002, p. 35).

O planejamento exige a identificação clara dos objetivos e as maneiras que serão adotadas para atingi-los, prevenindo-se, dessa forma, dos riscos de uma ação impensada, pois “não deve haver mais improvisação, o amadorismo, o „achismo‟. Impõe-se que seja apontado o objetivo e que se fixem os rumos e caminhos a seguir. Deve estar presente um procedimento para o atingimento dos fins” (TORRES, 2011, p. 463).

Além disso, essa ação precisa ser amplamente publicada. A transparência é tratada

como um pressuposto do princípio da responsabilidade fiscal (SALES, 2012, p. 29) 118. Sobre

a necessidade de transparência preceituada pela lei em comento, mais uma vez, Torres (2011, p. 463) assevera: “A transparência decorre da exigência do disposto no art. 37 da CF. Nada pode ser feito às escuras, no recôndito da madrugada, nos desvãos sombrios. Tudo, no Poder

Público, deve ser feito às claras, sob a luz do dia”.

116 Nesse sentido, “A LRF visa, a um só momento, assegurar a austeridade fiscal necessária e promover as ações

indispensáveis ao desenvolvimento sustentado, no marco de um novo padrão de atuação do setor público” (RAMOS FILHO, 2002, p. 25).

117

Em outras palavras, a LRF visa a, “[...] acabar com a corrupção, combater o administrador desonesto, resolver, em suma, os problemas relacionados à devida e correta aplicação do dinheiro público” (LINO, 2001, p. 13).

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Em sentido semelhante, Mendes (2011, p. 389) acentua que, na LRF, o princípio da transparência figura como corolário do princípio da responsabilidade.

Quanto ao controle, imprime-se reforço ao que já se abordou de forma pormenorizada: sua exigência decorre do próprio Estado de Direito e do regime democrático. Demais disso, há nítida tendência, na atualidade, de se privilegiar a modalidade exercida pela sociedade, como forma de ampliar as manifestações da soberania popular e a legitimidade da gestão pública. Outrossim, existe uma perfeita e necessária simbiose entre controle e transparência.

Essa transparência apregoada pela lei e, consequentemente, a possibilidade de controle dos atos públicos, ganharam reforço em 2009, quando a LRF foi alterada pela lei complementar nº 31, que modificou a redação do artigo 48, introduzindo incisos no parágrafo único. Dessa forma, além da previsão originária do incentivo à participação popular nos processos de elaboração de planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos, tem-se, por exemplo, a determinação de propagar informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira em tempo real e em meios eletrônicos de acesso público. Essas informações, conforme artigo 48-A, inserido também pela LC nº 31, devem versar, de forma detalhada, tanto sobre as despesas quanto acerca das receitas.

Acrescente-se, ainda, o fato de que a divulgação dessas informações, segundo o inciso III do parágrafo único do art. 48, deve obedecer a um sistema integrado que atenda a um padrão mínimo estabelecido pelo Executivo federal. O destaque a essa previsão legal é devido porque somente a adoção de uma uniformidade permitirá comparar os resultados, aumentando, assim, a amplitude do controle realizado (MENDES, 2011, p. 394).

No tocante a esse dispositivo, comenta Oliveira (2011, p. 545) em consonância com muito do que foi exposto até agora:

O dispositivo incita o Poder Público a abrir-se à comunidade. Não há outro caminho para a moderna Administração Pública. O sigilo, o segredo, as reuniões reservadas, nada mais disso faz parte do agente público. Deve mostra-se permeável à participação popular. Aliás, já há muito se encontra superada a administração autoritária em que as decisões são tomadas nos gabinetes, sem ouvir o clamor das ruas. Impõe-se a gestão participativa com a sociedade. Os diversos segmentos da sociedade devem ser ouvidos, devem ter assento nos órgãos diretivos e fiscais das diversas entidades. Inadmissível a existência do agente público que desconheça os reais anseios da sociedade. Deve ouvi-la para, após, decidir.

Nesse momento, julga-se adequado tecer breves considerações sobre a contribuição da internet para a transparência e o controle social da Administração. Esse instrumento é responsável por encurtar a distância entre os gestores e os governados, que podem então

acompanhar as ações dos governantes, bem como cobrá-los no que falharem 119. Diz-se, portanto, que a internet revestiu de uma nova feição o princípio da transparência, tornando-o mais amplo e exigente (SALES, 2012, p. 33).

Ademais, como lembra Mendes (2011, p. 393), a internet não só viabiliza o controle social, como também dá ensejo ao oferecimento, pela população, de sugestões de medidas que contribuam para uma melhora no regime fiscal. Esse aperfeiçoamento decorre, inclusive, do fato de que são os cidadãos, destinatários dos serviços públicos, os maiores conhecedores das carências desses. Sendo assim, possuem aptidão para colaborar com o poder público na

distribuição das receitas, fazendo ainda com que os instrumentos listados no art. 48, caput,

gozem de maior legitimidade (MENDES, 2011, p. 394).

No mesmo sentido, colhe-se o comentário de Cavalcante (2006, p. 69-70), para quem a transparência das informações própria da era da tecnologia exige do cidadão um papel social efetivo, composto por considerações refletidas e por propostas de alteração, não sendo mais possível se conformar com a superficialidade de um discurso que se resume em desferir críticas ao Estado, como o já conhecido brado contra a elevada carga tributária brasileira. Do cidadão-contribuinte, mais do que isso, se espera um comprometimento com o controle e a

redução dos gastos públicos e que ele impeça a aplicação indevida dos recursos 120.

Ressalte-se, ainda, que a parte final do caput do artigo 48 estabelece a divulgação,

também em versão simplificada, dos documentos reunidos no artigo. Reputa-se de grande importância essa disposição, pois destinada a ampliar o grau de compreensão do conteúdo

veiculado, uma vez que a linguagem da seara fiscal costuma ser bastante técnica 121.

Juntamente com o já comentado artigo 48, o artigo 49 compõe a seção I intitulada “Da transparência na gestão fiscal”, do capítulo IX da lei em sob notação. Esse artigo, por sua

119 Com o advento das novas tecnologias, a distância física não configura mais empecilho para a participação

ativa dos indivíduos: “É esse cenário que fermenta a participação como um mecanismo importante de exercício do poder, viabiliza – novamente – não pela proximidade física, como nos tempos da democracia grega, mas (dentre outros fatores, evidentemente) pela internet... Junte-se a isso, por certo, um nível ponderável de insatisfação com os representantes do povo e o exercício por eles desse seu papel” (VALLE, 2002, p. 81).

120 A autora (2006, p. 71) arremata, exprimindo que, “E é esta mudança de foco que é exigida aos operadores do

direito, ampliando a compreensão do sistema fiscal e chamando toda a sociedade para cumprir seu papel na fiscalização e controle do dinheiro público. O cidadão-contribuinte além de pagar seus tributos deve acompanhar com rigor o destino que se dá a eles”.

121 Como já bastante frisado, não é sficiente expor as informações, é preciso garantir a compreensão delas pelo

público, que, na maioria das vezes, não dispõe do conhecimento necessário para destrinchá-las. Nesse sentido, “[...] cumpre frisar que a mera abertura do complexo Estado Contemporâneo ao olhar do público não é suficiente para assegurar que esse mesmo público – carente como é dos conhecimentos especializados indispensáveis para a compreensão de decisões políticas de fachada técnica – venha a controlar de todo o exercício do poder pelas autoridades e seus subordinados” (SEELAENDER, 2006, p. 70).

vez, ainda com o foco na transparência dos gastos públicos, pressuposto do controle, determina que as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo devem ficar, durante o exercício financeiro, disponíveis na sede do Poder Legislativo daquele ente de que faz parte. O objetivo dessa disposição, como explicita o artigo, é a possibilidade de consulta e

fiscalização dos cidadãos 122.

No tocante a essa disposição legal, todavia, deve-se observar a necessidade de atribuir-lhe uma interpretação que ultrapasse a sua literalidade, determinando que a disposição das contas ocorra não só durante o exercício financeiro, mas de forma permanente. Destarte,

se alargam os objetivos de transparência e controle perseguidos pela norma 123.

Antes de concluir, deve-se mencionar que os dispositivos contidos na LRF padeceram bastante tempo pela falta de regulamentação, sendo esse fato alvo de críticas pela

doutrina por, muitas vezes, comprometer o alcance dos importantes objetivos da norma 124.

Em 2010, porém, o decreto nº 7.185 veio para suprir essa carência, garantido maior eficácia à lei.