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4. MORTALIDADE ENTRE IDOSOS E ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS:

4.1 A relação entre educação e mortalidade adulta / idosa

4.1.1 A educação como uma medida de status socioeconômico: vantagens,

nas idades adultas e mais avançadas

As medidas baseadas em educação têm sido amplamente utilizadas nos estudos sobre gradiente socioeconômico em mortalidade nos Estados Unidos, em alguns países da Europa Ocidental e nas comparações internacionais. As principais dimensões empregadas nessas análises são a quantidade de anos de estudo – na forma contínua ou em categorias previamente definidas – ou o nível de instrução – analfabetos, ensino fundamental, médio ou superior/pós-graduação (Preston & Taubman, 1994; Christenson & Johnson, 1995; Preston & Elo, 1995; Elo & Preston, 1996; Davis et al, 1997; Kunst, 1997; Smith et al, 1998; Blakely, 2001; Kunst et al, 2002; Cardoso, 2006).

Como marcador da condição socioeconômica, a educação tem a vantagem de ser normalmente fixada no início da vida e, portanto, o seu valor é menos influenciado por problemas de saúde que se desenvolvem na idade adulta. Esses problemas podem levar a alta mortalidade e afetar a renda e a ocupação do indivíduo. Fácil de ser coletada e categorizada, outra vantagem é que esse indicador está disponível para todas as pessoas, ao passo que nem todos têm uma ocupação ou uma renda, tornando-se difícil a sua classificação no conjunto de dados que estiver sendo analisado (Feldman et al, 1989; Christenson & Johnson, 1995; Preston & Elo, 1995; Elo & Preston, 1996; Blakely, 2001; Grundy & Holt, 2001; Lauderdale, 2001; Lleras-Muney, 2001; Huisman et al, 2005; Cardoso, 2006; Pérez & Turra, 2008; Pérez, 2010).

Outro grande benefício das medidas de educação, em relação aos outros indicadores socioeconômicos, é que é a única variável que permanece constante no tempo, mesmo na vida adulta e, especialmente, nas idades mais avançadas (Liberatos, Link & Kelsey, 1988; Preston & Taubman, 1994; Feldman et al, 1989; Elo & Preston, 1996; Davis et al, 1997; Smith et al, 1998; Feedman & Martin, 1999; Lauderdale, 2001; Cardoso, 2006). Além disso, a educação é uma característica individual da posição socioeconômica. Indicadores baseados em medidas agregadas, como renda familiar, apresentam dificuldades para estudos comparativos internacionais por causa das diferenças entre os países na composição e na definição das famílias (Preston & Taubman, 1994; Buckley et al, 2004; Huisman et al, 2005).

Em virtude dessas vantagens, Preston & Taubman (1994) e Huisman et al, (2005) destacam que a educação é uma medida valiosa para estudos que têm como foco a população idosa, especialmente quando se pretende analisar a relação entre fatores econômicos e mortalidade. Feldman et al (1989), Elo & Preston (1996), Grundy & Holt (2001), Lleras-Muney (2001) e Bowling (2004) argumentam ainda que as medidas de educação, de maneira indireta, podem determinar fortemente tanto a ocupação quanto a renda individual, variáveis que definem a quantidade de bens e serviços de saúde que podem ser adquiridos. No entanto, a ocupação e a renda são mais suscetíveis de serem influenciadas por problemas de saúde e, assim, a direção da causalidade é mais clara para os diferenciais educacionais na

mortalidade do que para outras dimensões socioeconômicas a nível individual, sobretudo para a população idosa.

A educação, como medida do status socioeconômico em estudos sobre gradientes em mortalidade, também apresenta desvantagens. A medida de escolaridade escolhida, por exemplo, pode ser influenciada pela distribuição etária da população alvo, devido a um efeito de coorte na escolaridade. Com a universalização da educação e com o crescimento do ensino superior nas sociedades contemporâneas, o segmento adulto mais jovem da população tende a ter uma maior proporção de indivíduos com mais anos de estudo do que o segmento mais idoso. Assim, uma amostra populacional de uma geração mais envelhecida apresentará um nível educacional menor do que uma mais jovem e isto representa um desvantagem para as pesquisas que tem como objetivo comparar as desigualdades socioeconômicas em saúde e mortalidade entre diferentes grupos etários, com base em medidas de educação (Liberatos, Link & Kelsey, 1988; Preston & Taubman, 1994; Davis et al, 1997; Blakely, 2001; Grundy & Holt, 2001; Cardoso, 2006; Schwarz, 2006).

Ao mesmo tempo, Cardoso (2006) destaca, como mais uma desvantagem, que os indicadores de educação não incorporam as mudanças ocorridas ao longo da vida no status ocupacional e na renda e, por isso, níveis elevados de instrução não conduzem necessariamente a uma remuneração elevada ou a uma posição profissional de prestígio. Por fim, comparações internacionais dos gradientes socioeconômicos em mortalidade, segundo nível de escolaridade, podem ser prejudicadas devido à especificidade cultural de padrões educacionais (Davis et

al, 1997).

Como a educação é vista pela literatura como um determinante importante para a sobrevivência (Blakely, 2001; Schwarz, 2006), diferentes explicações tem sido apresentadas para esclarecer a sua ligação com a mortalidade. A primeira delas argumenta que a educação de uma pessoa está fortemente relacionada com a dos pais e com as condições socioeconômicas na infância e no início da idade adulta, podendo assim afetar a sobrevivência no curso da vida (Lynch et al, 1994; Adler & Ostrove, 1999; Blakely, 2001; Cambois, 2004; Schwarz, 2006). Mare (1986) coloca que aqueles indivíduos que nasceram sob condições

socioeconômicas favoráveis – especialmente, com pai/mãe com alta escolaridade e de status ocupacional elevado – tendem a reter essas vantagens ao longo da vida e são mais suscetíveis para adquirir maiores níveis de escolaridade, maior acesso a serviços de saúde e comportamentos mais saudáveis, reduzindo assim o seu risco de morte quando adultos.

Outra explicação expõe que a educação pode ser pensada como uma medida de "capital saúde". Assim, as diferenças de mortalidade, segundo o nível de educação, podem ser atribuídas aos efeitos indiretos desse indicador, incluindo a aquisição de conhecimentos sobre comportamentos prejudiciais à saúde, que influenciam o estilo de vida e as redes sociais; o uso desses conhecimentos, de uma forma mais ou menos eficaz, de modo a confrontar e a tolerar situações sociais e econômicas potencialmente tensas ou estressantes que têm efeitos sobre a saúde; a capacidade de otimizar a utilização dos serviços de saúde e de investir em capital humano e a promoção dos atributos psicológicos de auto- estima elevada e auto-eficácia. Essa hipótese postula, de uma maneira geral, que as pessoas mais escolarizadas são mais capazes de incorporar novos comportamentos de saúde em suas vidas e de compreender as consequências para o risco de morte de uma dieta inadequada, de hábitos de tabagismo e alcoolismo, da importância da vacinação ou de outras medidas preventivas, e de monitorar a saúde individual ou familiar. Além disso, a escolaridade é útil quando uma pessoa necessita de informações e de ajuda emocional (Liberatos, Link & Kelsey, 1988; Adler et al, 1994; Preston & Taubman, 1994; Christenson & Johnson, 1995; Kunst, 1997; Adler & Ostrove, 1999; Blakely, 2001; Lleras-Muney, 2001; Hoffmann, 2005; Cardoso, 2006; Sullivan, 2009; Guilley et al, 2010).

Neste contexto, Liu, Hermalin & Chuang (1998) destacam que as diferentes explicações que têm sido apresentadas para esclarecer a ligação entre educação e mortalidade envolvem um conjunto complexo de fatores e conceitos que se interrelacionam. Com base nos resultados de estudos já realizados, os autores tentam resumir essa relação em um modelo estrutural (FIG. 5). Segundo esse modelo, a associação entre educação e mortalidade pode ser representada da seguinte maneira: a educação afeta a mortalidade, principalmente por intermédio de uma variedade de dimensões sociais, comportamentais e biológicas, incluindo:

o acesso e a capacidade de otimizar o uso de recursos e serviços de saúde; fatores ambientais; comportamentos relacionados à saúde; e, condições de saúde. A operacionalização desse modelo permite não só estudar o efeito global da educação sobre a mortalidade, como também analisar a influência de fatores intermediários nessa relação. No entanto, os autores colocam que a falta de informações adequadas prejudicam a realização desse tipo de análise e ratificam que, sempre que possível, sejam considerados nos modelos esses fatores intervenientes.

FIGURA 5 – Como a educação e a mortalidade podem se relacionar.

Sistema social Fatores ambientais: Comportamentos e

atitudes de risco / Estilo de vida Trabalho Residência Acesso e capacidade de otimizar a utilização de recursos Condições de saúde: Doenças crônicas Nível de desenvolvimento econômico Incapacidade Stress Relações sociais Dimensões psico-sociais Saúde auto-reportada Educação Mortalidade Suscetibilidade e exposição

Fonte: Reproduzido de Liu, Hermalin & Chuang (1998).

4.1.2 Resultados de alguns dos principais estudos já realizados nos