3. DIFERENCIAIS DE MORTALIDADE SEGUNDO ESTADO MARITAL
3.5 Resultados dos modelos estatísticos
3.5.1 Análise univariada
A TAB. 3 mostra que, tanto para homens (RTM = 1,6 e p = 0,013), quanto para mulheres (RTM = 2,1 e p < 0,001), ser viúvo(a) é um fator associado ao aumento da prevalência de óbitos, entre os idosos analisados (em parte explicado pela idade). Ao mesmo tempo, entre as mulheres, observa-se uma associação positiva (RTM = 1,8) e significativa do ponto de vista estatístico (p = 0,023) entre óbito e ser divorciada/separada. Para os outros estados maritais, a razão entre as taxas de mortalidade, quando comparados aos casados, não foi estatisticamente significativa. A TAB. 3 mostra também uma associação estatisticamente significativa e positiva entre mortalidade e idade: idosos em idades mais avançadas apresentam maiores riscos de mortalidade.
Todas as variáveis que representam condições de saúde dos idosos se mostraram significativas (TAB. 3). No geral, quanto maior é o número de doenças crônicas diagnosticado por médico, maior é o risco de mortalidade para homens e mulheres. O mesmo pode ser observado quando os idosos declaram saúde regular/ruim ou quando há presença de alguma incapacidade.
Conforme esperado, os resultados da TAB. 3 indicam que o nível de escolaridade tem uma associação negativa com a mortalidade. Idosos com maior escolaridade tendem a apresentar maior sobrevivência e os diferenciais são mais acentuados entre as mulheres. Ainda com relação a aspectos econômicos, houve associação entre ter plano privado de saúde e mortalidade da população com 60 anos e mais, independente do sexo. Idosos do sexo masculino que não tem plano privado de saúde apresentaram taxas de mortalidade 54% (p = 0,026) superiores quando
comparados aos que possuem e entre as mulheres este valor foi de 35% (p = 0,021). Ainda para a população feminina, observa-se uma associação significativa e positiva entre mortalidade e não ter casa própria (RTM = 1,5 e p = 0,002).
No que diz respeito às variáveis que representam redes sociais e de suporte social, apenas a participação em atividades comunitárias foi significativa (TAB. 3). Enquanto os homens que participam têm mortalidade 48% menor do que aqueles que não participam (p <0,001), entre as mulheres que participam, a taxa de mortalidade é 0,4 vezes a taxa daquelas que não participam (p < 0,001).
Quanto ao estilo de vida, o hábito de fumar, o uso de bebida alcoólica e a prática regular de atividades físicas estão associados aos óbitos do sexo masculino, ao passo que, para os idosos do sexo feminino, apenas as duas últimas variáveis (uso de álcool e prática de exercícios) se mostraram estatisticamente significativas. O fato de homens e mulheres que fazem uso de álcool terem apresentado menores taxas de mortalidade do que aqueles idosos que não consomem bebida alcoólica pode estar relacionado com o volume e a freqüência consumida. Conforme descrito na seção 3.3.1, a quantidade de álcool ingerida por um indivíduo pode apresentar tanto conseqüências benéficas quanto prejudiciais à saúde. No entanto, não foi possível desagregar a categoria ‘faz uso de álcool’ em ‘uso aceitável de álcool’ e ‘uso pesado de álcool’ de tal forma que se pudesse captar possíveis benefícios para a saúde gerados pela ingestão de bebida alcoólica, em virtude do pequeno número de casos segundo estado marital. Como, entre a população analisada que faz uso de álcool, pelo menos 80% consome bebida alcoólica dentro dos níveis considerados aceitáveis pelo CISA, é possível que esses idosos apresentem menores riscos de morte do que aqueles que não ingerem.
TABELA 3 – Análise univariada dos fatores associados à relação entre mortalidade e estado marital, segundo sexo. Município de São Paulo, 2000- 2006
Coeficiente RTM p-valor Coeficiente RTM p-valor
Estado marital Casado - 1,000 - 1,000 Divorciado/Separado -0,439 0,645 0,261 0,633 1,883 0,023 Viúvo 0,481 1,617 0,013 0,751 2,119 <0,001 Solteiro 0,412 1,510 0,118 0,156 1,169 0,589 Grupos de idade 60 a 69 - 1,000 - 1,000 70 a 79 0,566 1,761 0,005 0,642 1,900 0,004 80 e mais 1,350 3,857 <0,001 1,710 5,529 <0,001 Saúde auto-reportada Excelente/Muito boa/Boa - 1,000 - 1,000 Regular/Ruim 0,468 1,597 0,001 0,386 1,471 0,014
Número de doenças crônicas
Nenhuma - 1,000 - 1,000
Uma ou duas 0,642 1,901 0,002 0,832 2,297 0,001
Três ou mais 0,871 2,388 <0,001 1,126 3,083 <0,001
Presença de incapacidade (ABVD)
Nenhuma - 1,000 - 1,000
Pelo menos uma 0,809 2,245 <0,001 0,921 2,512 <0,001
Nível de escolaridade
Nenhuma - 1,000 - 1,000
1 a 7 anos -0,361 0,697 0,006 -0,571 0,565 <0,001
8 anos ou mais -0,746 0,474 0,013 -0,962 0,382 0,001
Tem seguro/plano privado de saúde?
Sim - 1,000 - 1,000
Não 0,433 1,541 0,026 0,302 1,352 0,021
Tem casa própria?
Sim - 1,000 - 1,000
Não 0,249 1,282 0,222 0,450 1,569 0,002
Uso de serviços de saúde
Usou - 1,000 - 1,000
Não usou -0,270 0,763 0,189 -0,164 0,849 0,333
Estado nutricional
Bem nutrito - 1,000 - 1,000
Não está bem nutrito -0,123 0,885 0,776 0,664 1,943 0,001
Frequência mediana da atenção ao idoso
Infrequente - 1,000 - 1,000
Pouco frequente 0,022 1,023 0,939 0,088 1,092 0,810
Frequente -0,205 0,815 0,465 -0,151 0,860 0,660
Muito frequente 0,071 1,074 0,746 0,078 1,082 0,816
Costante 0,396 1,485 0,163 0,166 1,181 0,625
Teve participação comunitária no último ano?
Não participou - 1,000 - 1,000
Participou -0,658 0,518 <0,001 -0,875 0,417 <0,001
Hábito de fumar
Fuma atualmente - 1,000 - 1,000
Já fumou, mas não fuma mais -0,538 0,584 <0,001 0,091 1,095 0,634
Nunca fumou -0,676 0,509 0,002 -0,219 0,803 0,211
Uso de álcool
Não faz uso - 1,000 - 1,000
Faz uso -0,376 0,687 0,021 -0,577 0,562 0,004
Prática de atividade física
Sim - 1,000 - 1,000
Não 0,675 1,964 <0,001 1,175 3,238 <0,001
Variáveis Homens Mulheres
Fonte: Estudo SABE 2000-2006.
Com base na análise univariada, estimaram-se também as taxas de mortalidade, segundo estado marital, para os idosos do sexo masculino e feminino, utilizando os coeficientes dos modelos de regressão de Poisson apresentados na TAB. 4. Os resultados são expostos na TAB. 5 e na FIG. 3.
TABELA 4 – Coeficientes da regressão de Poisson, na análise univariada, do número de mortes dos idosos como uma função do tempo de exposição ao risco de morte (pessoas-ano), para homens, mulheres e amostra total, por estado marital. Município de São Paulo, 2000-2006
Coeficiente p-valor Coeficiente p-valor Coeficiente p-valor
Estado marital Casado - - - Divorciado/Separado -0,439 0,261 0,633 0,023 ** 0,021 0,917 Viúvo 0,481 0,013 * 0,751 <0,001 * 0,299 0,013 * Solteiro 0,412 0,118 0,156 0,589 0,141 0,475 Constante -3,044 <0,001 * -3,889 <0,001 * -3,333 <0,001 * Tamanho da amostra 836
Variável Homens Mulheres Amostra total
1.167 2.003
Fonte: Estudo SABE 2000-2006.
Nota: *p-valor<0,01 **p-valor<0,05 ***p-valor<0,10.
TABELA 5 – Taxas de mortalidade (%) segundo sexo e estado marital. Município de São Paulo, 2000-2006
Homens Casado 4,8 4,0 5,7 Divorciado/Separado 3,1 1,2 8,0 Viúvo 7,7 4,4 13,4 Solteiro 7,2 3,6 14,4 p-valor 0,02** Mulheres Casado 2,0 1,5 2,8 Divorciado/Separado 3,9 1,7 9,0 Viúvo 4,3 2,3 8,3 Solteiro 2,4 1,0 5,8 p-valor 0,003*
Amostra total Casado 3,6 3,0 4,2
Divorciado/Separado 3,6 2,1 6,4
Viúvo 4,8 3,3 7,1
Solteiro 4,1 2,4 7,1
p-valor 0,07***
Sexo Estado marital Taxas de mortalidade (%) Intervalo de
confiança (95%)
FIGURA 3 – Taxas de mortalidade (%) segundo sexo e estado marital. Município de São Paulo, 2000-2006
Fonte: TAB. 5.
No geral (TAB. 5 e FIG. 3), as taxas de mortalidade são maiores entre os grupos de idosos não casados e do sexo masculino. Entre as mulheres, as taxas de mortalidade são mais elevadas para as viúvas (4,3 óbitos para cada 100 idosas), seguidas pelas divorciadas/separadas e solteiras (aproximadamente 4 e 2,4 óbitos para cada 100 idosas, respectivamente). Enquanto homens casados e divorciados/separados apresentaram as menores taxas de mortalidade (em torno de 5 e 3 óbitos para cada 100 idosos, respectivamente), observa-se uma alta prevalência de óbitos entre viúvos e solteiros.
Ao incorporar a variável idade (TAB. 6), os resultados (TAB. 7 e FIG. 4) indicam que as taxas de mortalidade aumentam com a idade e, no geral, são menores entre homens e mulheres casados. Como o modelo apresentado na TAB. 6 não considera a interação entre as variáveis estado marital e grupos de idade, não é possível avaliar como a associação entre mortalidade e estado marital varia dentro de cada grupo etário. Contudo, é possível observar, por intermédio dessas taxas, o diferencial relativo médio entre os estados maritais, para todas as faixas de idade consideradas.
TABELA 6 – Coeficientes da regressão de Poisson do número de mortes dos idosos como uma função do tempo de exposição ao risco de morte (pessoas-ano), para homens, mulheres e amostra total, por estado marital. Município de São Paulo, 2000-2006
Coeficiente p-valor Coeficiente p-valor Coeficiente p-valor
Estado marital Casado - - - Divorciado/Separado -0,378 0,312 0,601 0,031 ** 0,032 0,878 Viúvo 0,192 0,299 0,306 0,092 *** -0,066 0,602 Solteiro 0,410 0,120 -0,060 0,827 0,030 0,874 Grupos de idade 60 a 69 - - - 70 a 79 0,546 0,007* 0,597 0,007* * 0,578 <0,001* 80 e mais 1,310 <0,001* 1,639 <0,001 1,488 <0,001* Constante -3,486 <0,001 * -4,375 <0,001 * -3,807 <0,001 * Tamanho da amostra Amostra total 836 1.167 2.003
Variável Homens Mulheres
Fonte: Estudo SABE 2000-2006.
Nota: *p-valor<0,01 **p-valor<0,05 ***p-valor<0,10.
TABELA 7 – Taxas de mortalidade (%) segundo sexo, grupos de idade e estado marital. Município de São Paulo, 2000-2006
Homens 60 a 69 anos Casado 3,1 2,4 4,0
Divorciado/Separado 2,1 0,0 5,7 Viúvo 3,7 2,0 6,9 Solteiro 4,6 2,1 10,0 70 a 79 anos Casado 5,3 2,8 10,1 Divorciado/Separado 3,6 0,0 14,5 Viúvo 6,4 2,3 17,7 Solteiro 8,0 2,5 25,6
80 anos e mais Casado 11,4 6,5 19,9
Divorciado/Separado 7,8 0,0 28,6
Viúvo 13,8 5,4 34,8
Solteiro 17,1 5,8 50,5
p-valor <0,001
Mulheres 60 a 69 anos Casado 1,3 0,8 1,9
Divorciado/Separado 2,3 0,9 6,0 Viúvo 1,7 0,8 3,7 Solteiro 1,2 0,5 3,1 70 a 79 anos Casado 2,3 1,0 5,3 Divorciado/Separado 4,2 1,0 16,8 Viúvo 3,1 0,9 10,3 Solteiro 2,2 0,5 8,6
80 anos e mais Casado 6,5 3,0 14,0
Divorciado/Separado 11,8 3,2 44,1
Viúvo 8,8 2,8 27,2
Solteiro 6,1 1,6 22,7
p-valor <0,001
Estado marital Taxas de mortalidade (%) Intervalo de confiança (95%) Sexo Grupos de idade
FIGURA 4 – Taxas de mortalidade (%) segundo sexo e estado marital para o grupo etário de 60 a 69 anos. Município de São Paulo, 2000-2006
Fonte: TAB. 7.
Agora, ao considerar a idade (TAB. 7 e FIG. 4), observa-se que as taxas de mortalidade das idosas divorciadas/separadas, em relação às casadas, são mais elevadas do que a das viúvas quando comparadas também ao grupo das mulheres casadas (1,8 e 1,4 vezes, respectivamente). Ainda para a população feminina, os resultados mostram que as taxas de mortalidade entre casadas e solteiras são semelhantes. Já para os homens, em relação aos casados, as taxas de mortalidade são mais elevadas para os solteiros seguidos pelos viúvos. Ao contrário do que se esperava, idosos divorciados/separados apresentaram maior sobrevivência do que os casados. Em parte, esse resultado pode ser explicado pelas características da própria amostra, ou por uma seletividade, ou porque, mesmo divorciados/separados, esses idosos ainda levam consigo benefícios adquiridos com o casamento e por isso apresentam menor mortalidade. Vale comentar, segundo descrito na seção 3.4, que esse foi o grupo que apresentou melhores condições de saúde no conjunto da população analisada: relataram o seu estado de saúde como ‘excelente/muito bom/bom’ e, na sua maioria, não
apresentaram doenças crônicas diagnosticadas por médico e nem dificuldade em realizar atividades básicas da vida diária.