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3 O PAPEL DO ESTADO BRASILEIRO NA DEFINIÇÃO DE UMA AGENDA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O SÉCULO

3.2 O papel do Banco Mundial para a construção do consenso

3.2.1 A educação infantil no “Novo” Plano Nacional de Educação (2014-2024)

Aprovada pelo Congresso Nacional, em junho de 2014, a Lei do novo PNE – Lei Nº 13.005, de 25 de junho de 2014 – apresenta 14 artigos e estabelece 20 metas para serem atingidas no decênio. Em seu anexo, além das metas, podemos encontrar as estratégias a serem utilizadas para que estas primeiras sejam atingidas. No entanto, é possível perceber que, não apenas os dados a serem utilizados como referência para implementação e avaliação de sua execução, como também as formas de atendimento e financiamento, geram insatisfação, e até mesmo indignação daqueles que lutam por uma educação enquanto direito.

Se analisarmos atentamente, observamos diversas inclusões e modificações no texto original, o qual foi enviado pelo executivo em 2010 e desconsidera grande parte das contribuições feitas pelos diversos segmentos da sociedade na ocasião das Conferências de Educação – CONAE. O PNE que deveria entrar em vigor ainda em 2011 tem tramitado ao longo do biênio e tem sido elemento de disputas e acordos que vão se refletir nas políticas públicas a serem implementadas no próximo período, ou mesmo servirá de instrumento de legitimação das ações/compromissos assumidos pelos governos nas diferentes esferas, sobretudo pela União.

Tomemos como referência a educação infantil. Ao analisarmos sua oferta no Brasil, é possível verificar que o ente federado que tem respondido pelo maior número de matrículas nessa etapa da educação, tanto na pré-escola, obrigatória desde 200933, quanto nas creches, onde ainda há uma grande demanda que ainda não tem acesso a este direito e somente 18% das nossas crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas, tem sido o município.

Araújo (2015), ao apresentar os parâmetros para avaliar o novo PNE, afirma que há um desequilíbrio em termos de participação dos entes federados em relação à educação, o que indica a necessidade de uma redefinição de papéis entre estes e uma maior participação financeira da União, além do aumento no volume de recursos públicos, o que não ocorreu com a aprovação do novo PNE. Há ainda, a agravante de vir se aprofundando a diluição das fronteiras entre o público e o privado e a diminuição do papel do Estado na garantia da oferta

33 A Emenda Constitucional Nº59 de 2009, que altera os incisos I e VII do Art.208 da Constituição

de serviços públicos, além do fortalecimento do setor privado por meio de isenções fiscais e concessão de bolsas.

Enquanto isso, aumentam as responsabilidades dos municípios, sem levar em consideração sua capacidade financeira e diversidade regional, o que certamente tem contribuído para uma maior disparidade em termos de formas de atendimento34, exigências na formação profissional, condições de trabalho e valorização, especialmente na educação infantil. Corroboram para tal interpretação o fato de não haver uma política de financiame nto que responda às demandas do setor, considerando o custo-aluno-qualidade e consequenteme nte um maior investimento na ampliação da oferta e garantia de padrões de qualidade, incluindo o número suficiente de profissionais capacitados para atuarem nessa etapa de ensino.

Podemos citar como exemplo também o município de Belém que, no que pese os dados referentes ao período de 1996-2003 apontarem uma considerável expansão no atendimento e elevação do orçamento executado pelo município nesse nível de ensino, observou-se que os impactos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF e a falta de financiamento específico para a educação infantil acabaram por limitar o atendimento à educação infantil a uma perspectiva assistencialista, sem as devidas condições de infraestrutura, mobiliário e quadro de pessoal, conforme ressaltam Solimões e Neves (2004)35. As autoras também destacam a necessidade de estudos voltados ao detalhamento do custo-aluno na educação infantil, em virtude da diversidade no atendimento e suas especificidades de acordo com cada faixa etária:

[...] não se pode discutir financiamento para a educação infantil sem antes levar em consideração os diversos fatores que envolvem a manutenção e desenvolvimento deste nível da educação. Fato este que vem salientar a necessidade de pesquisas mais direcionadas à questão do custo-aluno- qualidade na educação infantil, a fim de se obter dados mais objetivos sobre a manutenção desse atendimento. (p.43).

Comparando o Projeto de Lei Nº 8.035 de 20 de dezembro de 2010 (que trata do Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020), com a Lei Nº 13.005 de 25 de junho de 2014 que aprova o Novo Plano Nacional de Educação – PNE (2014-2024), observamos que o § 4º do Art.5º sequer estava previsto no corpo do texto que compunha o PL, sendo incluído em seu

34 No município de Belém, por exemplo, capital do Estado do Pará, a oferta da educação infantil vem

se dando em três tipos de espaços escolares na Rede Municipal: nas Escolas, nas Unidades de Educação Infantil e nas Unidades pedagógicas (estas últimas, ligadas a uma escola-sede).

35As autoras apresentam uma breve análise sobre a configuração do atendimento à criança de 0 a 6 anos

no município de Belém, com destaque à estrutura do financiamento da educação infantil na Rede Municipal de Ensino, compreendendo o período de 1996-2003, bem como as principais dificuldades encontradas no sentido de garantir a oferta desse nível de ensino.

processo de tramitação. O caput do Art. 5º trata das instâncias responsáveis pela execução do PNE e o cumprimento de suas metas.

Ao manter a política de expansão por meio de parcerias público-privadas, o Estado se desresponsabiliza cada vez mais com a educação infantil, especialmente nas creches, e acaba por estimular a oferta em espaços precários. Assim, enquanto o Estado permanece como regulador, a racionalização de custos com a educação e a transferência de responsabilidade para as organizações não governamentais seguem as orientações do Banco Mundial, ao mesmo tempo em que garante “a proliferação de conveniamento em detrimento da aplicação de recursos públicos exclusivamente em educação pública” (FLORES; SUSIN, 2013, p.229). Marquez e Barbosa (2014) ratificam esta análise, ao afirmar que:

Para atingir os objetivos propostos, a equipe de técnicos e conselheiros do Banco Mundial se propõem a trabalhar em estreita colaboração com os governos, as organizações não governamentais, os organismos de desenvolvimento bilaterais e multilaterais, os estudantes, as famílias, a comunidade, os professores, as fundações, as instituições filantrópicas e empresas privadas. Conforme salienta o Banco (2000a), a educação da primeira infância está quase completamente no setor privado e os principais provedores em todas as regiões são as organizações não governamentais. Destaca-se no §4º do referido Artigo da Lei do PNE, a definição de investimento público em educação e as formas de aplicação de recursos, que são caracterizadas inclusive por meio de “subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma do art. 213 da Constituição Federal”. Ora, se os recursos públicos podem ser dirigidos também às escolas “que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação” bem como “II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades” (BRASIL, 1988), nos questionamos se efetivamente o poder púbico irá preocupar-se com o atendimento nas creches, visto que este, além de possuir um grande número de crianças que ainda não tem garantido esse direito, requer um alto investimento para que se garantam os padrões mínimos de qualidade e, especialmente, se amplie este atendimento em, no mínimo, 50% até o final de vigência do Plano, conforme previsto em sua meta 1. Quem ofertará este ensino? Em quais condições?

Nesse sentido, a questão do financiamento público é algo que não apenas merece ser destacado, como também denunciado, não somente por conta do baixo investimento na área da educação, e pela desresponsabilização crescente que tem se dado por parte da União, mas também pelo forte processo de privatização da educação com transferência de recursos para o setor privado, com destaque para a educação infantil e ensino superior.

As estratégias de expansão da oferta da educação infantil utilizadas pelo poder público por meio de convênios com entidades privadas sem fins lucrativos (confessionais, comunitárias , beneficentes ou religiosas, associações de moradores etc.) acabam, de fato, atendendo, ainda que parcialmente, uma grande demanda reprimida.

Essas vagas, “mesmo que não sejam de responsabilidade integral do poder público, às vezes são consideradas pela população, erroneamente, como educação pública, quando se trata, em verdade, de uma vaga em instituição privada não particular” a qual é financiada de forma parcial ou total, pelo município (FLORES; SUSIN, 2013; p. 224). A estratégia 1.7, constante no Anexo da referida Lei nos permite uma clara interpretação de como será mantido esse atendimento, prevendo a “oferta de matrículas gratuitas em creches certificadas como entidades beneficentes de assistência social na área de educação com a expansão da oferta na rede escolar pública” (Anexo da Lei do PNE).

Flores e Susin (2013), ao analisarem as políticas de financiamento da educação, destacam as implicações na oferta da educação pública com a criação de fundos contábeis criados por meio de Emendas Constitucionais – EC, os quais tem sua distribuição a partir do número de matrículas.

Regulamentado pela Lei Nº 9424/96, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, foi o primeiro fundo criado por meio da EC nº14/96 e, de acordo com Guimarães (2002), acabou impactando negativame nte a educação infantil, posto que ao destinar-se exclusivamente ao ensino fundamental levou à desaceleração na oferta de matrículas na educação infantil e a retração de serviços oferecidos pelos municípios, que se viram obrigados a investir mais no ensino fundamental carreando, inclusive, recursos que antes eram investidos na educação infantil.

Ainda que em 2007, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB (EC 53/96, regulamentado pela Lei 11.494/2007), tenha-se ampliado o repasse para toda a Educação Básica, incluindo a educação infantil, acabou “estendendo essa prerrogativa para as vagas existentes em instituições privadas sem fins lucrativos, fortalecendo, em certo sentido, a manutenção e inclusive a ampliação da política de conveniamento com financiamento público” (FLORES; SUSIN, 2013, p. 225).

Segundo as autoras citadas, a situação se agrava com a Medida Provisória nº562 (Convertida em Lei nº12.695/2012) que altera o artigo 8º da Lei do FUNDEB, ao abrir a possibilidade de estender as matrículas na Educação Infantil por meio de parcerias público - privadas até o ano de 2016, quando se encerra o prazo legal do Fundo.

Uma outra questão que merece destaque é que,

Além do fato de que o custo/aluno/ano praticado pelo FUNDEB, especialmente para a etapa da creche, não cobrir o gasto realizado pelos municípios, ainda existe a questão da diferença a menos do recurso repassado às instituições conveniadas em troca de matrículas por ela assumidas. Existem evidências empíricas de que esse repasse insuficiente leva à precarização do trabalho nessas instituições, no que se refere à remuneração e às condições de trabalho dos profissionais que atuam com as crianças, bem como em relação aos insumos disponibilizados. (FLORES; SUSIN, 2013, p.240)

O desenvolvimento de uma política de Fundos, em detrimento de uma previsão de recursos que inverta a lógica de “redistribuição da miséria” ao considerar apenas um valor de custo-aluno inicial e não o do custo-aluno-qualidade como tem sido defendido nas Conferências de Educação, além de não garantir novos recursos para a educação pública ainda legitima as ações de parceria entre o poder público e a iniciativa privada como ocorre com o FUNDEB, o que leva a comunidade a sentir-se responsável pelo atendimento, fragilizando a luta pela oferta de uma educação infantil de qualidade.

Nos chama atenção o parágrafo único do Art. 4º da Lei do PNE no que se refere à base de dados a ser utilizada com vistas ao cumprimento das metas previstas em seu anexo. Como parâmetros a serem utilizados, além da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, e do censo demográfico e censos nacionais da educação básica e superior, “o poder público buscará ampliar o escopo das pesquisas com fins estatísticos de forma a incluir informação detalhada sobre o perfil das populações de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência”. Observa-se, portanto, que a educação de crianças na faixa etária de 0 a 3 anos fica secundarizada, não sendo prioridade do governo.