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A educação na escola do campo – Orientações Legais

INTRODUÇÃO – De onde partimos

CAPÍTULO 2 EDUCAÇÃO DO CAMPO NAS POLÍTICAS

2.2 A educação na escola do campo – Orientações Legais

Os contornos de uma política de educação específica para o campo tiveram início como marco histórico na legislação brasileira com a promulgação da Constituição de 1934. Mesmo sendo considerado um país de origem agrária, a educação do campo não havia sequer sido citada nos textos das Constituições anteriores a de 1934, o que evidencia o descaso e o tratamento marginal com a

45 educação do campo silenciado pelas matrizes culturais de um país que se constituiu nas bases do latifúndio e do trabalho escravo. (BRASIL, 2012).

Como vimos anteriormente, o interesse público pela implantação de políticas educacionais direcionadas ao campo se deu, especialmente, nas primeiras décadas do século XX, cuja preocupação era conter o movimento migratório que vinha causando diversos problemas sociais com a superlotação das cidades, e aumentar a produtividade na zona rural. Contudo, a educação do campo só começa a encontrar espaço para se desenvolver com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabelece e estende a obrigatoriedade e garantia do ensino fundamental a toda população.

Nesse sentido, e partindo desse princípio constitucional, a LDB Nº 9.394/96 traz autonomia às instituições educativas para adequar o ensino às singularidades do contexto, reconhecendo nos artigos 3º, 23, 27 e 61, a diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença do povo do campo, o que possibilitou a definição das Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, sem romper com o projeto de educação global para o país.

É possível observar no histórico das políticas educacionais brasileiras para o campo que a ideia de adaptação é superada nesse novo contexto da LDB 9.394/96 pela ideia de adequação, o que torna possível pensar as finalidades, conteúdos, metodologias a partir dos processos de aprendizagem do estudante dentro de seu contexto de vida produtivo, social, ambiental e cultural, permitindo uma organização escolar própria.

Mesmo reconhecendo o grande avanço conquistado, especialmente, como resultado dos movimentos sociais do campo, com a Resolução CNE/CEB Nº 01 de 03 de abril de 2002, que institui as Diretrizes Operacionais da Educação do Campo, demarcando a emergência de um novo paradigma educacional para esse território, observamos que muitos desafios surgem com as demandas advindas desse novo paradigma, implicando na necessidade de criação de infraestruturas e medidas que garantam respostas a essas novas demandas.

Observamos até aqui, que a problemática da educação do campo se volta, principalmente, para a efetivação das políticas e seus dispositivos legais no cotidiano das escolas. Efetivamente, as determinações legais para a promoção de

46 uma educação de qualidade, que valorize a cultura, a diversidade e especificidades do campo e dos povos do campo, não são viabilizadas a contento. Nesse sentido, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC) consultou o Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre as orientações para o atendimento da Educação do Campo.

O CNE alerta para problemas recorrentes vivenciados na educação escolar campesina: fechamento de escolas, transporte escolar para escolas da zona urbana, a educação do campo se apresenta com conceitos urbanocêntricos em relação ao currículo, formação e atuação docente, e prática educativa. Assim, chama a atenção para a necessidade de superar a ideia de superioridade da cidade sobre o campo. (BRASIL, 2007).

Em resposta à consulta da SECADI, o CNE publicou, em 28 de abril de 2008, a Resolução Nº 02, que estabelece as diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo. Essa Resolução apresenta como objetivos: “[...] a universalização do acesso, de permanência e do sucesso escolar com qualidade em todo o nível da Educação Básica”. (BRASIL, 2008). Para tanto, determina as orientações para a prática de atendimento da educação do campo, considerando a diversidade, as necessidades e especificidades da população campesina “em suas mais variadas formas de produção de vida – agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros”. (BRASIL, 2008).

Dentre as orientações destacamos: a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental devem ser ofertados nas próprias comunidades rurais, de forma que evite processos de nucleação de escolas e deslocamento das crianças; quando o transporte escolar for necessário, devem ser considerados o menor tempo possível no percurso residência-escola e garantir o transporte das crianças do campo para o campo; deve ser garantido apoio pedagógico aos alunos, condições de infraestruturas adequadas, materiais e livros didáticos, equipamentos, laboratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto, conforme realidade local e diversidade da população desse lugar.

47 O ano de 2010 é marcado pela instituição do Decreto nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, que dispõe sobre a Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Este Decreto destaca os seguintes princípios: respeito à diversidade, formulação de projetos políticos pedagógicos específicos, desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação e efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do campo. (BRASIL, 2012). Determina a ampliação e a qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, sendo efetivada pela União em regime de colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios, de acordo com as diretrizes e metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

O referido Decreto avança quanto ao atendimento, quando entende por populações do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrária, os trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, caiçaras, povos das florestas, caboclos e outros que produzam suas condições materiais de existência a partir do trabalho no meio rural. (BRASIL, 2012). Define ainda que escola do campo é aquela que atende predominantemente populações do campo, quer esteja situada em área rural ou urbana. Nesse sentido, o atendimento da educação do e no campo não se limita à definição geográfica do IBGE, mas busca se efetivar com base numa definição que contemple todas as formas de produção de vida própria do campo e no campo.

O Decreto determina que a União prestará apoio técnico e financeiro aos Estados, Distrito Federal e Municípios na implantação das ações voltadas para a ampliação e qualificação da oferta de educação básica e superior às populações do campo, criando e implementando mecanismos que garantam a manutenção e o desenvolvimento da educação escolar desse território nas políticas públicas educacionais.

Observamos no que se refere aos aspectos legais que, no Brasil, a Educação do Campo apresenta grandes avanços, com os princípios estabelecidos na Constituição de 1988, com a LDB 9.394/96, com as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, com o Decreto nº 7.352, de 04 de novembro de 2010; e por último, com a sanção da Lei 12.960, de 27 de março de 2014, que altera a LDB

48 9.394/96, acrescentando o parágrafo único ao seu art. 28, para fazer constar a exigência de manifestação de órgão normativo do sistema de ensino para o fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas.

A legislação vem fortalecer e dá direcionamento para a organização do atendimento educacional nas escolas do campo, orientando desde os princípios pedagógicos, metodológicos e políticos ao estabelecimento de estreita relação com a comunidade local. Contudo, ainda é possível observar um grande distanciamento entre o que prevê a normatização nacional da educação e sua efetivação no cotidiano das escolas e das comunidades campesinas.

Destarte, trazer para a discussão acadêmica a problemática da educação do campo se torna importante para dar visibilidade aos problemas concretos que ainda existem e resistem no âmbito das políticas públicas (e sua efetivação) voltadas para esse lugar. Torna-se ainda mais relevante, para nós, pensar e discutir essa problemática a partir do que dizem as crianças sobre a escola do campo e jovens universitários sobre seus processos de escolarização quando crianças no e do campo.