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Professores e amigos – as relações afetivas que marcam o processo de escolarização

AUTOBIOGRÁFICAS

CAPÍTULO 5 O QUE DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE A

5.3 Professores e amigos – as relações afetivas que marcam o processo de escolarização

As crianças dizem encontrar muitas pessoas na escola, entre elas, os professores. Em maioria, narram que os professores são bons porque ajudam e ensinam quando elas não conseguem aprender. A disponibilidade do professor em ajudar e ensinar as crianças são destaques em suas narrativas, levando as crianças a avaliá-los como bons professores.

E como é a professora de vocês? [pesquisadora]

- Boa. Quando a gente não sabe, ela responde na cadeira. - Ela vai de cadeira em cadeira.

- Ela vê se o dever tá certo.

128 E o que é uma professora boa? [pesquisadora]

- Que ensina a pessoa a falar. A aprender as coisas.

- Que Ajuda. Eu nem sabia tirar conta, dividir, ela me ensinou, eu aprendi. (Lulu, Kauã, Henry, Rafa - Grupo 3 – Tabela 4)

Para as crianças, o professor, mesmo sendo bom e legal, “às vezes ele briga”. Não expõem os motivos da repreensão dos professores, mas expressam que mesmo repreendendo-as, e sendo “chato”, o faz porque está correto. As crianças estabelecem com os professores uma relação de interdependência, respeitando sua superioridade na escola, ao mesmo tempo em que revelam um dos princípios dos sistemas escolares modernos: a relação unilateral entre professor e aluno. De um lado, o professor que detém o conhecimento; do outro, o aluno que nada sabe e ali está para aprender com o professor.

E como é o professor? [pesquisadora]

- Ele é bom, mas às vezes ele briga com a gente.

(Helô,Vivi, Mirla, Bia - Grupo 1 – Tabela 4)

Vocês gostam do professor? [pesquisadora] - Gosto.

- Mais ou menos. Às vezes ele é chato, mas ele tá certo.

(Duda, Jean, Marta, Raul - Grupo 4 – Tabela 4)

É importante observar a relação que as crianças estabelecem entre gostar do professor e gostar da disciplina. Quando narram que gostam de um determinado professor, consequentemente, demonstram gostar da disciplina que ele ensina. Nas narrativas das crianças dessa escola há predominância de uma relação positiva com a disciplina de matemática, essa mesma relação é estendida à professora. Inclusive, muitas crianças dizem que querem estudar para serem professores ou professoras de matemática.

O que mais gostam de estudar? [pesquisadora] - Educação Física.

- Matemática. Educação Física e Matemática. Por que Educação Física? [pesquisadora] - Porque o professor é melhor.

- O ruim é que ele só faz textos. E por que Matemática? [pesquisadora]

129 - Porque a professora é legal.

Vocês gostam de vir pra escola? [pesquisadora] - Sim e não.

Explique esse “sim e não”. [pesquisadora]

- Sim, porque nós só gostamos de vir quando é dia de quinta-feira porque tem Emanoel e Vanuza, e tem Educação Física. E não, porque não gostamos dos outros dias porque os professores, sabe como é, né? Brabos, meio brabo.

- Meio? (sorriem) - A maioria é assim.

(Heitor, Brenda, Adriana - Grupo 5 – Tabela 4)

Além de encontrarem os professores, as crianças narram que fazem amigos na escola, que tem amigos na escola e que são legais porque as ajudam nas atividades de sala. A escola é um espaço de socialização e de interação, onde as crianças podem conhecer outras crianças de mesma faixa etária e de faixa etária diferente também, do mesmo lugar onde residem e de lugares diferentes. É, portanto, um espaço constituído pela diversidade e pelo encontro de culturas. Em meio a essa diversidade, é um lugar de se fazer amigos.

Conforme Papalia, Olds e Feldman (2009), os grupos de colegas assumem papel fundamental no desenvolvimento da criança. Na terceira infância, que compreende o período que se inicia por volta dos 07 anos de idade, os “Grupos se formam naturalmente entre crianças que vivem próximas ou vão juntas à escola, e frequentemente se compõem de crianças da mesma origem racial ou étnica e de condição socioeconômica semelhante”. Nesses grupos, e em interação com seus amigos, as crianças aprendem a comunicar-se, a cooperar e a se ajudarem mutuamente.

Assim, as crianças definem em suas narrativas, que os amigos bons são os que ajudam nas tarefas e não “arengam”, que partilham brinquedos e coisas que algumas delas não possuem, como a bicicleta, por exemplo. Um amigo legal também é definido como bom e inteligente, e que ajuda nas atividades em sala.

E como são os amigos de vocês na escola? [pesquisadora] - Bom! Dá brinquedo pra nós brincar.

- Deixa a gente andar de bicicleta. - [...] Ele ajuda no dever.

130 - São legais. São bons.

(Carlos, Eduardo, Robson - Grupo 1 – Tabela 3) E o que é um amigo legal? [pesquisadora]

- É um amigo muito bom! - Inteligente!

(Sandro, Hudson, Márcio – Grupo 1 – Tabela 3)

E o que é um amigo legal? [pesquisadora] - Ele ajuda no dever.

Vocês se ajudam na sala? [pesquisadora] - (Acenam que sim).

(Tainá, Valéria – Grupo 1 – Tabela 3)

As crianças demonstram se sentir bem em ter amigos na escola. São perceptíveis os grupos de amigos que se formam na escola, que se juntam seja em sala de aula, no horário de intervalo, bem como nos percursos de casa à escola. Para as crianças, um amigo legal é o que não arenga, não briga, não fala mal do outro. Observamos em Papalia, Olds e Feldman (2009) que as crianças se beneficiam com os grupos de amigos da escola, quando podem contar sempre com alguém para brincar ou fazer coisas juntas, adquirindo o senso de identidade e de pertencer a um grupo. Isso ajuda a desenvolver habilidades de liderança, de sociabilidade, de comunicação e de autoestima.

Contudo, a formação de grupos e aglomeração de crianças num mesmo espaço propicia a existência de alguns conflitos. As narrativas das crianças sinalizam que na rotina escolar existem momentos de conflitos (brigas e arengas). As crianças dizem que ajudariam o Alien a fazer amigos, com a ressalva de que ele seria chamado de “perna fina”. Assim justificam que as brigas começam quando um apelida o outro.

O que é um amigo legal? [pesquisadora]

- É que não arenga. Que é carinhoso. É bom pra pessoa. Existe arenga na escola? [pesquisadora]

- Vixe, e muito!

E por que arengam? [pesquisadora]

- Bole com a pessoa. Chamam R. de gordo. Me chamam de cabeção. E é muita arenga? [pesquisadora]

- Muita! Todo dia!

131 - Chamam ela de testa grande. Ainda me chamam de ferrugem. Chamam ela de baleia (aponta para Duda).

Mas, isso é na sala de aula? [pesquisadora] - É na sala, é fora.

Acho que o Alien não vai gostar disso não. E vocês brigam também ou só veem os outros brigarem? [pesquisadora]

- Eu brigo também.

- Vocês ajudariam o Alien fazer amigos na escola? [pesquisadora] - Sim. Mas vão ficar chamando de perna fina. (risos).

(Duda, Jean, Marta, Raul - Grupo 4 – Tabela 4)

Esses conflitos descrevem o que Passeggi, Nascimento e Silva (2016) analisam como violência na escola, tomando como fundamento o conceito de Charlot (2002): “A violência na escola é aquela que se reproduz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar”. Comumente, são conflitos que começam com brincadeiras e terminam em agressão. De todo modo, a amizade construída na escola resulta desse processo de socialização e interação que constitui a escola e a experiência escolar. Apesar dos conflitos, a amizade se traduz num fenômeno marcante nos processos de formação e aprendizagem das crianças. As crianças aprendem em relação mútua, construindo suas experiências escolares. Ao serem questionadas sobre o Alien ser um bom amigo, fazem a indagação de que se o Alien não arenga, isso lhe definiria como bom amigo.

Vocês acham que o Alien seria um bom amigo? [pesquisadora] (Acenam que sim).

- Ele não arenga?

Não, ele não arenga. [pesquisadora]

(Helô, Vivi, Myrla, Bia - Grupo 1 – Tabela 4)

Assim, reforçam o que vêm expressando em suas narrativas, que os bons amigos não arengam, não falam mal, não brigam; mas, ajudam e cooperam nas brincadeiras e nos estudos. Os que falam mal e brigam não são bons amigos. Diante dos conflitos que surgem, as crianças vão se juntando com outras com as quais mais se identificam, e construindo laços de amizades mais próximos e fortes. Isso ocorre com as crianças do Arrojado que, apesar de interagir em alguns momentos

132 com as demais crianças da escola, tendem a se isolar e a brincar entre elas, principalmente, na hora do intervalo das aulas.