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4.3 Aplicação do Princípio da Proporcionalidade: Ponderação de Direitos

4.3.1 A Eficácia da Investigação e o Princípio da Justiça Penal Eficaz

A devida aplicação da lei penal, alcançada por meio do êxito das investigações policiais, necessita de uma condução eficaz do procedimento investigatório, o que pode levar à decretação do sigilo, com vistas a limitar o acesso aos autos e a conturbação dos atos da persecução criminal.

O princípio da justiça penal eficaz, advindo do art. 144 da Carta Magna, por vezes necessita prevalecer no sopesamento em face do pleno exercício de direitos individuais. O fundado receio de restar comprometida a eficiência da investigação preliminar, o que engloba razões de ordem pública e de segurança da sociedade, justifica a indispensabilidade da restrição ao princípio do contraditório e à prerrogativa profissional do advogado, enquanto perdurar a razão do sigilo.

Admite-se tal restrição quando o sigilo das investigações se mostrar essencial à apuração da infração penal, sob pena de se tornar inóuco o inquérito. Resguardam-se, assim, os interesses públicos da segurança social, da ordem pública, do dever de proteção social do Estado, da defesa dos interesses jurídicos e, ainda, o direito individual à intimidade dos investigados. Com o sigilo, garante-se o bom desempenho da atividade policial na colheita dos elementos de informação e na identificação dos envolvidos na prática delituosa. O dever de proteção social do Estado impõe um verdadeiro dever, e não mera faculdade, de garantir o sigilo quando as investigações assim exigirem.

Em tais situações, a interferência do advogado, sendo-lhe conferido o conhecimento das investigações, poderia prejudicar a atuação policial. Távora e Alencar (2010, p. 95) explicitam que o exercício do contraditório “na fase preliminar militaria contra a necessidade da eficiência investigativa, em verdadeiro obstáculo a boa atuação da polícia judiciária”.

Marques (1997, p.152) acrescenta que “um procedimento policial de investigação, com o contraditório, seria verdadeira aberração, pois inutilizaria todo o esforço investigatório que a polícia deve realizar para a preparação da ação penal”.

A inquisitorialidade típica do inquérito policial, cuja condução se concentra em uma só pessoa, confere agilidade às investigações e otimiza todo o programa da atividade policial. Caso fossem conferidas todas as garantias processuais no bojo de um inquérito policial, restaria fulminada a celeridade com que devem ser conduzidas as investigações. A celeridade e o êxito da atuação policial caminham conjuntamente. Assim sendo, é mister que seja conferida à autoridade policial essa ferramenta do sigilo, destinada a impedir que a ciência do investigado e do seu defensor acerca de certas diligências policiais prejudique a eficácia da investigação.

Marques (1997, p. 146) bem ressalta que, “na instrução judiciária, realizada após a fase postulatória, não se poderiam colher certas provas, ou praticar determinadas diligências, se antes não houvesse atuado a polícia judiciária”. A polícia judiciária precisa atuar com os meios que se fazem necessários à consecução do seu objetivo de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em cumprimento ao preceito constitucional do art. 144, § 1º, IV e § 4º, referente ao dever estatal da segurança pública.

Caso fosse permitido um direito absoluto de acesso aos procedimentos investigatórios, toda a persecução penal ficaria comprometida, principalmente as que investigam crimes mais complexos. Isso porque é nos delitos mais graves que sobressai a hipótese de decretação do sigilo interno do inquérito policial, uma vez que se fazem necessárias diligências mais interventivas, como o levantamento de dados bancários, a interceptação telefônica, os meios operacionais de inserção em organizações criminosas, dentre outros que exigem a restrição ao acesso do advogado aos atos investigatórios. O segredo dessas operações é imprescindível à apuração da materialidade e da autoria do crime, que se mostram de difícil solução.

Nesses casos, o elemento da surpresa é essencial para assegurar o êxito das investigações. Se houvesse ampla e irrestrita publicidade dos atos inquisitoriais, as investigações não iriam atingir eficácia absoluta. Os elementos informativos e as fontes de prova tenderiam a desaparecer, tendo em vista que o interesse em desvendar e preservar os vestígios do delito é da polícia judiciária, ao que se opõe o investigado. Destarte, o sigilo vai ao encontro dos interesses das investigações.

Nos dizeres de Noronha (1978, apud BARBOSA, 2008, p. 50), “o sigilo da investigação é a essência do inquérito. Não guardá-lo é, muitas vezes, fornecer armas e recursos aos delinquentes, para frustrar a atuação da autoridade na apuração do crime e de sua autoria”. Possuindo conhecimento acerca das diligências que compõem a linha da investigação, evidentemente o advogado do investigado iria inviabilizá-las.

Ressalte-se que, além dos indícios do delito, há o risco de o próprio suspeito desaparecer, ou seja, entrar em fuga após tomar conhecimento de que está sendo investigado, frustrando a colheita de provas e a futura execução da sanção penal a ser imposta em juízo.

Nesse diapasão, cumpre salientar que a jurisprudência reconhece a aplicação do princípio da proporcionalidade caso a caso, de maneira a sopesar os interesses em jogo, podendo sobressair o interesse público na imposição do sigilo das investigações, conforme os julgados abaixo, proferidos, respectivamente, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

INQUÉRITO POLICIAL. VISTA DOS AUTOS POR ADVOGADO CONSTITUÍDO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. FUNDAMENTO

AUTÔNOMO INATACADO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 279 E 283 DESTA COLENDA CORTE. A estrita especificidade do caso concreto é que justificou a

aplicação da norma prevista no art. 20 do Código de Processo Penal. Logo, para

se alcançar uma conclusão diversa da que chegou a Corte de origem, necessário seria reapreciar e reavaliar os elementos e circunstâncias singulares do caso concreto que levaram a autoridade tida por coatora a ressaltar a necessidade de manutenção

do procedimento sigiloso. Incidência da Súmula 279 desta colenda Corte. O acórdão recorrido, além de fundamentar a sua decisão na necessidade da manutenção do sigilo do procedimento investigatório, acrescentou que o acesso ao inquérito colocaria em risco a segurança do Estado e da sociedade, fundamento este inatacado pela parte recorrente. Óbice da Súmula 283 desta

Casa Maior da Justiça brasileira. Agravo regimental desprovido. (STF, RE 376749 AgR/PR – PARANÁ, AG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Julgamento: 30/06/2004, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJ 12-11-2004)

CRIMINAL. HC. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E O SISTEMA FINANCEIRO. CONTRABANDO. LAVAGEM DE DINHEIRO. EVASÃO DE DIVISAS. AUTOS DE INQUÉRITO POLICIAL CONDUZIDOS SOB

SIGILO. ACESSO IRRESTRITO DE ADVOGADO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE MEDIDAS QUE RESTRINJAM A

LIBERDADE OU O PATRIMÔNIO DO PACIENTE. LEGALIDADE

DA DECISÃO QUE OBSTOU A VISTA DOS AUTOS. PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO. RECURSO DESPROVIDO.

I. Os princípios do contraditório e da ampla defesa não se aplicam ao inquérito policial, que é mero procedimento administrativo de investigação inquisitorial. II. A restrição à liberdade profissional de advogado só se configuraria se demonstrada a iminência de medidas destinadas à restrição da liberdade física ou patrimonial do seu cliente, a demandar a efetiva ação do profissional do direito – o que não ocorreu in casu. III. Não há ilegalidade na decisão que, considerando estar o

inquérito policial gravado de sigilo, negou fundamentadamente, vista dos autos inquisitoriais ao advogado. IV. Sendo o sigilo imprescindível para o desenrolar das investigações, configura-se a prevalência do interesse público sobre o privado. V.Recurso desprovido. (STJ, RHC 13360/PR, Relator: Min. Gilson Dipp,

Órgão Julgador: Quinta Turma, Julgamento: 27/05/2003, Publicação: DJ 04/08/2003)

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