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Conforme já mencionado quando da análise das características do inquérito policial, o sigilo é um atributo intrínseco à investigação preliminar, apresentando-se nas espécies de sigilo interno e externo.

Ambos fundamentam-se na necessidade de preservar a intimidade dos envolvidos e o regular transcurso das investigações. No entanto, cumpre ratificar que o sigilo externo é

imposto em face dos terceiros estranhos ao feito, enquanto o interno destina-se primordialmente aos interessados, podendo alcançar o investigado, seu defensor, a vítima e as testemunhas.

O sigilo externo, portanto, corresponde a uma ausência de publicidade, vale dizer, a população em geral não tem acesso aos atos referentes ao inquérito policial. Essa restrição tem respaldo na premissa de se evitar a divulgação pormenorizada por parte da mídia acerca do desenvolvimento da investigação policial, o que pode levar ao fracasso da apuração do crime. Preserva-se, também, a imagem e a presunção de inocência do investigado, evitando-se a execração pública, eis que a sociedade tende a formar um prévio juízo de valor em face do suspeito, sobre o qual recai uma incriminação antecipada.

Já o sigilo interno autoriza que determinadas medidas sejam realizadas em segredo, sem que seja dado conhecimento até mesmo aos envolvidos, aos quais se impede o acesso a informações e o acompanhamento de atos da investigação. As diligências sigilosas impõem que os interessados não saibam que elas estão em vias de serem efetivadas e não acompanhem a realização de tais atos investigatórios, sob pena de se tornarem inócuos, bem como estabelecem uma restrição ao acesso aos seus resultados e às informações obtidas, tendo em vista a preservação da intimidade daqueles aos quais se dirigiu a providência policial, tal qual ocorre quando se tem a quebra do sigilo bancário de algum investigado.

Destarte, via de regra, a ausência genérica de publicidade comum a todo inquérito policial não pode ser oposta ao investigado e ao seu defensor, ao passo em que o sigilo interno, devidamente fundamentado no art. 20 do CPP ou nas demais hipóteses legais, permite a condução do feito sob estrito segredo de justiça, que pode afetar o acesso de suspeitos que sejam estranhos às informações coletadas, conforme as particularidades explanadas a seguir.

Acerca do segredo de justiça, não há um diploma legal que apresente toda a regulamentação correspondente, com as exatas hipóteses de cabimento, a delimitação do alcance e a forma de implemento. Entretanto, existem dispositivos processuais penais que prelecionam acerca do tema. Consoante salientado acima, o art. 20 do CPP dispõe que, no inquérito, a autoridade policial irá assegurar o sigilo imprescindível à elucidação do fato ou exigido pelo interesse social.

Outrossim, o art 1º da lei nº. 9.296/9614 determina que a interceptação de comunicações telefônicas condiciona-se a ordem judicial sob segredo de justiça, o que

14 Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação

criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

também se impõe nos demais casos em que se rompe um direito ao sigilo, conforme explanado acima. O art. 7º, VIII15, e o art. 9º, § 4º16, ambos da lei nº 9.807/99, estabelecem a necessidade de sigilo durante as investigações policiais em proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas.

A lei do crime organizado (lei nº. 9.034/95), ao disciplinar sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, aponta diligências resguardadas pelo segredo de justiça, nos seguintes termos:

Art. 2º. Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: I - (Vetado);

II - a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;

III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais;

IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial; V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá

nesta condição enquanto perdurar a infiltração.

(grifo nosso)

O Capítulo II da lei supracitada, intitulado “Da Preservação do Sigilo Constitucional”, prevê, no art. 3º17, que, tratando-se do acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais, e havendo possibilidade de violação de sigilo, o magistrado realizará pessoalmente a diligência, “adotado o mais rigoroso segredo de justiça”.

Constata-se, portanto, que há normas infraconstitucionais que prevêem determinadas hipóteses de implemento do segredo de justiça, por meio de autorização judicial, com vistas a resguardar o êxito da atividade policial e, ainda, o interesse da sociedade consubstanciado na paz e na ordem social.

15 Art. 7o Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou

cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso: [...] VIII - sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida.

16 Art. 9º [...] § 4o O conselho deliberativo, resguardado o sigilo das informações, manterá controle sobre a

localização do protegido cujo nome tenha sido alterado.

17 Art. 3º. Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado

pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

A Carta Magna de 1988, por sua vez, contém a determinação do já analisado inciso LX18 do art. 5º, bem como do art. 93, IX19, o qual excepciona a regra geral da publicidade nos processos judiciais para os casos em que o interesse público assim exigir.

Acerca do tema, Albuquerque (2007, p. 49) ressalta que:

É certo, entretanto, que se tornou consensual no meio jurídico que nos procedimentos criminais, administrativos disciplinares ou fiscais, sempre que envolverem dados protegidos pela Constituição, ou sempre que houver interesse da nvestigação, é perfeitamente possível a decretação do segredo de justiça, ainda que não esteja, na hipótese investigada, previsto em lei.

Constata-se, portanto, que o sigilo no inquérito policial pode advir de despacho da autoridade policial fundamentado no art. 20 do CPP, de expressa previsão legal ou de ordem judicial, seja esta a requerimento do interessado, seja de ofício.

4 DELIMITAÇÃO DO CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL

Conforme já indicado no presente trabalho, o princípio do contraditório tem previsão constitucional no inciso LV do art. 5º, in verbis: “Art. 5º [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifo nosso). Para que bem se esclareça a aplicabilidade do contraditório na fase policial, cumpre destacar e interpretar determinados trechos do preceito ora transcrito.

Primeiramente, tem-se que a Carta Magna destina o princípio em comento aos litigantes, em processo judicial ou administrativo. Ao se confrontar esta hipótese com as características do inquérito policial, verifica-se uma nítida divergência de situações, do que resulta que a investigação policial não se subsome ao preceito constitucional. A fase preliminar não consiste em ferramenta jurisdicional, uma vez que configura, em verdade, mera peça de informação, concretizada em um procedimento inquisitivo.

O inquérito policial dirige-se precipuamente à colheita de provas que servirão de base à denominada opinio delicti, vale dizer, ao convencimento do órgão responsável pela

18 Art. 5º [...] LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou

o interesse social o exigirem.

19 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da

Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

acusação a respeito da autoria e da materialidade da infração penal. A polícia judiciária exerce um poder de autodefesa do Estado destinado à repressão da criminalidade.

Os já analisados aspectos peculiares da discricionariedade, da oficiosidade, da dispensabilidade e, precipuamente, da inquisitorialidade e do sigilo apontam que a investigação policial caracteriza-se de modo a se afastar do quadro conceitual de processo. Assim sendo, os princípios inerentes à fase processual não se aplicam à fase preliminar. A título exemplificativo, pode-se citar que sequer existe a obrigatoriedade de o investigado ser avisado acerca da instauração do inquérito e do transcurso das investigações, assim como confere-se discricionariedade à autoridade policial para deferir ou não qualquer diligência requerida pelo indiciado.

Ressaltando que os atos no inquérito policial são diversos dos realizados no processo, tendo em vista a inaplicabilidade do contraditório na fase preliminar, Lima (2009, p. 90) arremata que: “Não se pode confundir as garantias do contraditório conferidas ao réu em sede de processo penal com o procedimento que se adota no inquérito policial, de caráter reconhecidamente inquisitorial”. Não há que se falar, portanto, em processo, tampouco em litigantes.

Mirabete (2006, p. 60), explicitando que o inquérito não se confunde com o processo, ressalta que o Código de Processo Penal traz essa distinção, eis que, no Título II do Livro I, trata do “inquérito policial” (arts. 4º a 23), enquanto regula a “instrução criminal” no Título I do Livro II (arts. 394 a 405). Acerca do tema, tal doutrinador conclui que:

[...] não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais já mencionados [...], nem mesmo o do contraditório. Constitui-se em um dos poucos poderes de autodefesa que são reservados ao Estado na esfera da repressão ao crime, com caráter nitidamente inquisitivo, em que o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, salvo em situações excepcionais em que a lei o ampara (formalidades do auto de prisão em flagrante, direito de permanecer calado etc).

Ademais, o procedimento persecutório não contém nenhum litígio ou demanda a ser solucionada, nem conflito de interesses. A polícia judiciária representa o Estado no exercício do direito de punir, o jus puniendi, e não na qualidade de Estado-juiz. Marques (1997, p. 146) salienta o interesse punitivo do Estado e assevera que: “A autoridade policial não é juiz: ela não atua inter partes, e sim, como parte. Cabe-lhe a tarefa de coligir o que se fizer necessário para a restauração da ordem jurídica violada pelo crime [...]”.

Nesse sentido, Mendes, Coelho e Branco (2009, p. 600) ensinam que: “A doutrina e a jurisprudência dominantes entendem ser inaplicável a garantia do contraditório e da ampla

defesa ao inquérito policial, uma vez que se não tem aqui um processo compreendido como instrumento destinado a decidir litígio”.

Caso fosse conferido amplo exercício do contraditório em sede preliminar, a autoridade policial teria poderes instrutórios e se confundiriam duas intruções no curso da persecução penal, uma presidida pela polícia e outra, pelo magistrado, inexistindo um ponto de separação entre ambas.

A restrição ao contraditório e a existência do sigilo são inerentes à natureza inquisitorial que rege a investigação policial, concentrada na figura da autoridade policial, que atua com finalidade unicamente investigatória, afastando-se a dialeticidade que é típica do processo jurisdicional.

Outrossim, a expressão “processo administrativo” não abrange o inquérito policial, eis que consiste nos processos instaurados pela Administração Pública destinados a apurar ilícitos administrativos, em que existe a possibilidade de aplicação de uma sanção.

A segunda hipótese presente no art. 5º, LV, da CF/88, refere-se aos acusados, do que também se exclui o inquérito, haja vista que, segundo indicado no capítulo anterior, a denominação técnica de acusado somente tem início com o oferecimento da denúncia ou queixa-crime. O acusado, seja denunciado ou querelado, é o indivíduo contra quem recai a prestação jurisdicional, ou seja, é o ocupante do polo passivo da relação processual, quadro completamente diverso daquele existente na fase preliminar.

A autoridade policial não detém poderes de acusação, mas apenas de investigação. Nos dizeres de Capez (2004, p. 72), “se não há acusação, não se fala em defesa”. Ademais, ao fim da atividade preliminar não será imposta nenhuma pena ao investigado. A aplicação de sanção é que exigiria a incidência do contraditório, eis que não se admite a punição sem que tenha havido oportunidade de defesa.

Coadunando com o posicionamento ora traçado, Tourinho Filho (2009, p. 69-70) salienta que o inquérito policial é apenas medida preparatória para a ação penal, sendo, inclusive, dispensável, e desenvolve o seu ensinamento nos seguintes termos:

Ora, se o inquérito não tem finalidade punitiva, por óbvio não admite o contraditório. Certo que o mesmo texto da Lei Magna ainda se refere aos “acusados em geral”, assegurando-lhes “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Há respeitável entendimento de que a expressão “acusados em geral” abarcaria, também, a figura do “indiciado”, do “investigado”, do “suspeito”. Cremos, data venia, que não se lhe pode emprestar um sentido maior. De fato. O contraditório implica uma série de poderes que não se encontram, nem podem ser encontrados, no inquérito policial: formular reperguntas às testemunhas, arguir a suspeição da Autoridade Policial, ter o direito de requerer diligências que lhe interessem, não podendo sua realização ser mera faculdade da autoridade policial, recorrer dos atos da Autoridade Policial... Ademais, o princípio do

contraditório, dogma constitucional, traduz o direito que têm as partes acusadora e acusada de se manifestarem sobre as alegações, atos e manifestaçõe de qualquer delas. Se no inquérito não há acusação, mas investigação, não se pode admitir contraditório naquela fase preambular da ação penal. [...] Assim, se indiciado não é acusado, parece lógico que a expressão “e aos acusados em geral” não pode abranger quem não é acusado.

Marques (1997, p. 151) bem elucidou que a negativa de uma investigação contraditória condiz com a sua qualidade de procedimento administrativo e assim expôs o seu entedimento: “[...] não se deve tolerar um inquérito contraditório, sob pena de fracassarem as investigações policiais [...] À polícia judiciária deve ser dado um amplo campo de liberdade de ação, limitado tão-só pelas sanções aos atos ilegais que seus agentes praticarem”.

Desta feita, afere-se como mais razoável o entendimento de grande parcela da doutrina e da jurisprudência pátria que se mantém firme no sentido de que o inquérito policial não é, em si mesmo, contraditório, consubstanciado tão somente na colheita de elementos de informação. Seguem julgados dos Tribunais Superiores que ilustram tal vertente:

Ementa. DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA. FUGA DO DISTRITO DA CULPA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES. EXCESSO DE PRAZO. INQUÉRITO POLICIAL.

CARÁTER MERAMENTE INFORMATIVO. DENÚNCIA QUE ATENDE

AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. [...] 6.

A jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que "o inquérito policial é peça meramente informativa, não suscetível de contraditório, e sua eventual irregularidade não é motivo para

decretação da nulidade da ação penal" (HC 83.233/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, 2ª

Turma, DJ 19.03.2004). 7. Ao contrário do que sustenta o impetrante, a descrição

dos fatos cumpriu, suficientemente, o comando normativo contido no art. 41 do Código de Processo Penal, estabelecendo a correlação entre a conduta do paciente e a imputação da prática do crime narrado na denúncia. 8. Habeas corpus denegado. (STF - HC 99936 / CE - CEARÁ; Relator(a): Min. ELLEN GRACIE; Julgamento: 24/11/2009; Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJe-232 DIVULG 10-12- 2009 PUBLIC 11-12-2009)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ADITAMENTO. FATOS NOVOS. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. QUESITOS. OFENSA AO ART. 484 DO CPP. OITIVA DAS TESTEMUNHAS. VIOLAÇÃO AO ART. 396 DO CPP. MATÉRIAS NÃO-ALEGADAS OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. 1. [...] 3. Não há nulidade se os depoimentos colhidos no curso do inquérito policial foram ratificados na fase judicial, em respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. 4. "O reconhecimento pessoal dos acusados realizado durante o inquérito policial foi confirmado em juízo, o que afasta qualquer alegação de nulidade dos depoimentos" (HC 113.973/MG). 5. Ao inquérito policial não se

aplica o princípio do contraditório, porquanto é fase investigatória, preparatória da acusação, destinada a subsidiar a atuação do órgão ministerial na persecução penal. 6. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão,

denegada. (STJ, Processo HC 58043 / SP, HABEAS CORPUS 2006/0088113-8, Relator(a): Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Órgão Julgador: QUINTA

TURMA, Data do Julgamento: 15/12/2009, Data da Publicação/Fonte: DJe 01/02/2010)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL A QUO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. PERICULOSIDADE DO PACIENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. NULIDADE NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO. [...] 3. O inquérito policial e o

procedimento investigatório efetuado pelo Ministério Público são meramente informativos, logo, não se submetem ao crivo do contraditório e não garantem ao indiciado o exercício da ampla defesa. 4. Ordem parcialmente conhecida e

denegada. (STJ, Processo HC 132988 / RJ, HABEAS CORPUS 2009/0062762-4, Relator(a): Ministra LAURITA VAZ, Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Data do Julgamento: 03/05/2011, Data da Publicação/Fonte: DJe 13/05/2011)

(grifo nosso)

Não se pode olvidar que, no ordenamento jurídico brasileiro, não foi adotada a fase investigatória existente em certos países denominada de juizado de instrução, a qual forma um juízo de constituição de culpa. Um juiz preside essa modalidade de investigação e, ao fim desta, profere um veredito de possibilidade ou não de instauração da ação penal. No inquérito policial pátrio, ao contrário, inexiste formação de culpa, apenas são colhidos os elementos de informação referentes ao suposto ilícito penal, conferindo substrato probatório para que o titular da ação penal firme o seu entendimento acerca da prática delituosa e da justa causa ao oferecimento da peça acusatória.

Existem no Brasil determinados inquéritos extrapoliciais em que é obrigatório o exercício da defesa, tendo em vista seu caráter punitivo. São eles o inquérito para decretação de expulsão de estrangeiro, instaurado pela polícia federal por requisição do Ministro da Justiça, nos termos do art. 70 da lei nº. 6.815/80, bem como o inquérito instaurado pela Administração Pública com o fim de apurar falta administrativa.

O entendimento ora esposado, no sentido de se restringir o contraditório no inquérito policial, não é unânime, havendo orientações mais extensivas que defendem a aplicação desse princípio em toda a persecução criminal, inclusive na fase policial, como garantia de liberdade e do direito de defesa. A parcela da doutrina que adota essa tese entende que a expressão “acusados em geral” abarcaria, também, a figura do indiciado, investigado ou suspeito, possibilitando a vasta incidência do contraditório na investigação preliminar. Assim se manifesta Nucci (2010, p. 168):

É verdade que há posição doutrinária e jurisprudencial em sentido contrário, inviabilizando o acesso do advogado do indiciado às investigações sob o pretexto de que o interesse público concentrado na segurança deve prevalecer sobre o individual. Com isso não concordamos, uma vez que o sigilo não pode jamais ferir a prerrogativa do defensor, além do que, embora no inquérito não se exercite a ampla

defesa, não deixa ela de estar presente, na exata medida em que pode o indiciado, por seu advogado, verificar o estágio das investigações realizadas contra sua pessoa.

Coadunando com o entendimento acima, tem-se a obra de Lopes Júnior (2010, p. 322): “Não há como afastar o sujeito passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção, pois é inegável que ele encaixa na situação de ‘acusados em geral’, pois a imputação e o indiciamento são formas de acusação em sentido amplo”.

Um dos primeiros juristas a tratar da questão da defesa no inquérito policial foi Joaquim Canuto Mendes de Almeida, segundo o qual a imposição da inquisitorialidade da investigação sobre a possibilidade de defesa significa expressão de ausência de interesse na liberdade do indiciado. Em texto pioneiro na matéria, Almeida (1973 apud MACHADO, 2010, p. 79) asseverava que:

A inquisitorialidade não é incompatível com o exercício do direito de defesa pelo indiciado durante o inquérito policial. Seu interesse, ali, consiste, ao menos, em demonstrar que não deve ser denunciado [...] mas, uma vez que o inquérito policial se destina a servir de base para a denúncia ou queixa, a servir de fundamento a um despacho inicial, de que resulta para o indiciado o mal de processo, seria

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