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A elaboração de uma política de ambiente urbano

Sem saber que o seu mandato não duraria mais do que dois anos, o ministro José Sócrates lançou-se de imediato no desenvolvimento desta política, criando um grupo de trabalho para estabelecer as linhas mes- tras do «Programa Cidades – Programa Nacional de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades».24O grupo de trabalho

era liderado por Francisco Nunes Correia e incluía ainda outros três téc- nicos da administração pública, cuja experiência profissional abrangia as áreas do ambiente, planeamento urbano, administração do território e fundos comunitários, e um administrador da empresa Parque Expo que havia participado na implementação da Exposição.25

O grupo de trabalho iniciou oficialmente as suas actividades em Novembro de 1999 e viria a entregar a sua proposta no final do mês de Março de 2000. O ministro José Sócrates seguiu o desenvolvimento do programa de perto, tendo estabelecido cinco objectivos iniciais: (1) o pro- grama deveria seleccionar um conjunto limitado de cidades – entre seis e oito –, de modo a concentrar um nível de investimento capaz de operar uma transformação visível no espaço público dessas cidades; (2) escolher as cidades com base em planos e projectos existentes, mas, acima de tudo, inovadores e congregando uma visão estratégica do papel dessas cidades

23No prefácio a um livro de Partidário (2000) sobre indicadores de qualidade de

ambiente urbano, e após ler o referido documento uns anos antes, José Sócrates explica ter ficado convencido de que Portugal teria de criar uma política direccionada para o ambiente urbano como forma de melhorar a atractividade das suas cidades.

24Despacho n.º 47/A/MAOT, de 18 de Novembro.

25O grupo de trabalho era constituído por Francisco Nunes Correia (coordenador),

Biencard Cruz (DGOTDU), Pedro Liberato (DGA), Luís Morbey (DGA) e Rolando Borges Martins (Parque EXPO).

nas regiões em que se inserissem, procurando assim gerar um conjunto de intervenções exemplares para outras cidades no país; (3) capitalizar o conhecimento adquirido pela Parque Expo em termos de planeamento ur- bano e gestão de projecto e obra, difundindo a experiência da Expo 98 a outros pontos do país; (4) criar, em parceria com os municípios, uma es- trutura institucional efémera para liderar a gestão das intervenções, de modo a evitar os constrangimentos burocráticos da administração pública a nível do planeamento urbano, bem como evitar a proliferação de outras empresas públicas como a Parque Expo; finalmente, (5) desenvolver um programa exclusivamente dentro da jurisdição do MAOT, de modo a evi- tar uma coordenação directa com outros ministérios.

Orientados por estes objectivos iniciais, os membros do grupo de trabalho começaram por rever as políticas urbanas desenvolvidas no contexto europeu e em Portugal nos últimos anos. A nível nacional, duas políticas ajudaram a estabelecer os contornos do programa. Uma das políticas foi o PROSIURB – Programa de Consolidação do Sistema Nacional Urbano e Apoio à Execução dos Planos Directores Muni- cipais26, uma iniciativa governamental para o período de 1994-1999,

tendo em vista apoiar os municípios das cidades médias e centros ur- banos complementares no desenvolvimento de planos estratégicos. Um dos aspectos particulares do PROSIURB era a criação de um gabinete de cidade, composto pelas forças vivas locais, para apoiar os municípios no desenvolvimento de uma visão estratégica. Embora esta experiência de planeamento participativo não tenha tido muita expressão no âm- bito do PROSIURB, o grupo de trabalho considerou oportuno recupe- rá-la, a par da lógica de planeamento estratégico, como dois aspectos- -chave a serem incluídos no programa que estava a desenvolver. A se- gunda política nacional que influenciou os objectivos do programa seria o estudo sobre o sistema urbano nacional (DGOTDU, 1997). Nesse es- tudo referia-se o papel determinante das cidades médias na estruturação, competitividade e desenvolvimento económico e social do país, sendo desde logo apontado um conjunto de cidades capazes de servir de ân- coras a essa dinamização regional.27Foi a partir deste grupo de cidades

26Despachos MPAT n.os6/94 e 7/94, de 26 de Janeiro, Diário da República, 2.ª série. 27Em muitos casos, as cidades médias não eram consideradas individualmente, mas

eram antes apresentadas como constelações de cidades com dinamismo regional potencial, donde se destacam Viana do Castelo, Braga, Guimarães, Vila Real, Chaves, Bragança, Aveiro, Coimbra, Leiria, Viseu, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, Tomar, Santarém, Setúbal, Évora, Portalegre, Beja, Lagos, Portimão, Silves, Albufeira, Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.

âncoras que o grupo de trabalho iniciou a análise dos potenciais candidatos à integração no âmbito do programa que estava a desen- volver.

Para além desta revisão de políticas existentes, o grupo de trabalho consultou diferentes técnicos e especialistas da área do planeamento re- gional e urbano, bem como da área do ambiente, geografia, sociologia urbana e transportes, no sentido de procurar definir como deveriam ser as cidades portuguesas do futuro. Um dos especialistas consultados, Félix Ribeiro, apresentou uma tipologia de cidades que veio a ser in- corporada no programa e que consistia em pensar as cidades em função de quatro desígnios estratégicos: (1) cidades verdes; (2) cidades digitais; (3) cidades do conhecimento e do entretenimento; (4) cidades interge- racionais.28Esta tipologia de cidades encontra-se em linha com as mais

recentes estratégias de competitividade global de cidades, tendo, contu- do, um vinco marcadamente europeu pelas suas preocupações de sus- tentabilidade do ambiente urbano. Numa sessão de brainstorming con- duzida pelo grupo de trabalho com esses especialistas foram feitas várias outras recomendações, das quais se destacam: (a) o âmbito do progra- ma deveria ser alargado para além das cidades médias de modo a incluir os subúrbios das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa; (b) apro- veitar a oportunidade lançada pelo programa para rever a legislação de ordenamento e urbanismo, eliminando a sua excessiva complexidade; (c) procurar coordenar o programa com outros actualmente em desen- volvimento, mas geridos por diferentes ministérios;29 (d) abrir a dis-

cussão do programa a uma participação pública mais alargada, de forma a gerar uma mobilização social em torno da temática da qualidade do ambiente urbano; finalmente, (e) estimular a implementação de sis- temas de monitorização e avaliação ambiental e outros elementos de desenho ecológico. De todas estas recomendações, apenas a primeira e a última tiveram acolhimento imediato no programa.

O grupo de trabalho também foi procurar inspiração para a tipologia das intervenções a integrar no programa noutras cidades europeias. Contrariamente à tendência vigente de olhar para Barcelona como modelo de renovação urbana, o grupo preferiu visitar algumas cidades italianas.30Em particular, a cidade de Perugia mereceu a maior atenção

pelo facto de o seu centro urbano ter sido alvo de intervenções muito

28V. MAOT (2000) para uma completa descrição destes quatro tipos de cidades. 29São exemplos o URBAN, o PROCOM, o URBCOM, o RECRIA e o REHABITA. 30Perugia, Orvieto, Bolonha e Milão.

confinadas e cirúrgicas. O grupo denotava assim a preocupação de en- contrar tipologias de intervenções que procurassem manter o carácter dos centros urbanos das cidades médias, muitas delas com uma traça de património histórico significativo, contrastando assim com as inter- venções em grande escala realizadas quer em Barcelona, quer mesmo em Lisboa por ocasião da Expo 98.

Mas a parte mais significativa dos quatro meses do grupo de trabalho foi passada a contactar com municípios de norte a sul do país. Neste processo, os membros do grupo de trabalho, apoiados por um grupo de técnicos da Parque Expo, procuraram identificar que cidades possuíam planos estratégicos ou projectos inovadores capazes de se enquadrarem na filosofia do programa que estavam a desenvolver. Uma das primeiras cidades analisadas foi a cidade de Viana do Castelo, a qual havia de- senvolvido em 1995, no âmbito do PROSIURB, um plano estratégico para a cidade. O grau de coerência e ambição deste plano impressionou o grupo de trabalho, em particular por procurar aliar os elementos am- bientais e históricos da cidade ao seu desenvolvimento social e económico, bem como por ter também sido acompanhado por um gabinete de cidade. Este plano foi determinante para o delinear dos ob- jectivos do programa pelo grupo de trabalho, bem como para definir as tipologias de planos estratégicos e projectos a procurar noutras cidades do país.

À medida que essa busca foi progredindo, o restrito lote inicial de cidades31foi-se alargando e outras cidades foram sendo consideradas de

modo a alcançar uma certa dispersão territorial. De certa forma, esse alargamento permitiu ainda evitar alguma tendência de favorecimento político, dado que as cidades inicialmente consideradas eram lideradas maioritariamente pelo Partido Socialista (quatro em sete).

Quando o programa é oficialmente apresentado, a 14 de Abril de 2000, como Programa POLIS – Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Cidades (MAOT, 2000), dezoito cidades (figura 4.2) acabariam por estar contempladas numa primeira fase do Programa.32Depois de estimados os custos genéricos das intervenções,

31Segundo uma acta da reunião do executivo municipal de Coimbra datada de 10

de Abril de 2000, eram sete as cidades em consideração: Almada (Costa da Caparica), Castelo Branco, Coimbra, Leiria, Sintra (Cacém), Viana do Castelo e Viseu.

32Esta primeira fase correspondia à chamada linha 1 da componente 1. A estrutura

do Programa POLIS contemplava quatro componentes: componente 1, «Operações integradas de requalificação urbana e valorização ambiental» (linhas 1 e 2), onde se incluíam as primeiras 18 cidades (linha 1) e outras a definir (linha 2); componente 2,

avaliadas as disponibilidades financeiras dos fundos comunitários e de investimento por parte dos municípios e do governo central, o Pro- grama POLIS estabelecia uma engenharia financeira orçada em 800 milhões de euros, dos quais mais de dois terços seriam aplicados nas de- zoito cidades iniciais.33

O processo de elaboração dos objectivos e conteúdos do Programa POLIS, de carácter técnico, incremental e negocial, revela-se um proces- so algo centralizado, quer pela forma como foram montados os objec- tivos de combate ao «país desordenado», quer pelo papel que o MAOT reservou para si na implementação do Programa. Disso mesmo se dá conta seguidamente.