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Este meu último ponto coloca uma questão importante: em que me- dida é que podemos juntar esta pluralidade de posições num quadro su- ficientemente coerente que nos permita falar de «escola»? Isto depen- derá da rigidez dos nossos critérios. As discussões entre os urbanistas e os cientistas sociais de Chicago são cíclicas. Apesar de não contarmos com o fervor moralista do marxismo ou do feminismo, somos, ainda assim e decididamente, uma família, valorizando a especificidade do nosso legado e perspectivas.

Em primeiro lugar, conceptualizamos a cidade explicitamente como sendo

plural, diversa e composta de subculturas em competição. O governo actua em

áreas tão diversas como a habitação e a cultura, que variam tanto quan- to os bairros. Vemos o mundo mais como uma Gesellschaft, uma ecolo- gia de jogos e cenas. Já os neomarxistas invocam o Kapital, o Estado e os negócios como os grandes condutores da política pública; Michael Dear e outros falam de Kinko Capitalism e desenham cartoons ao mais puro estilo Disney. Andam à procura de uma única e simples imagem, uma aspiração Gemeinschaft por parte de uma comunidade pequena e in- tegrada; uma forma errada de procurar compreender a vida urbana con- temporânea.

As múltiplas subculturas distribuem-se pelos diferentes bairros, com distintas regras e particularidades muito ricas, tal como se pode obser- var pela profusão de grupos cívicos e políticos. A nosso ver, este plura- lismo cultural é absolutamente legítimo em Chicago. Já os autores de Los Angeles, pelo contrário, preferem falar de fragmentação, como se tal coisa fosse ilegítima – certamente um produto da sua angústia «gemeinschaftiana».

Em segundo lugar, nenhuma cidade representa o país ou o mundo.

Middletown não existe. Contestando a pretensão de Michael Dear de que

Los Angeles é a «cidade do futuro», a nossa perspectiva mais relativista a nível cultural propõe, em alternativa, que nenhuma cidade é «o futuro». Estendemos esta ideia à gigantesca literatura produzida em Chicago sobre os bairros, incluindo, por exemplo, W. L. Warner, que cons- truiu um quadro comparativo nacional a partir de localizações conscien- temente distintas, seleccionadas para ilustrar as distintas subculturas dos EUA: a cultura WASP de Nova Inglaterra, a cultura afro-americana de Chicago, o Sul e a sua sociedade de castas, o Midwest e as suas pequenas cidades, etc. Warner, claro, deu os primeiros passos como antropólogo, mas quando começou a estudar a América contemporânea criou uma

combinação ecléctica de estudos de «casos únicos» tradicionais. Pro- curando conciliar a dificuldade de aplicar um caso para interpretar uma so- ciedade complexa e multicultural, acrescentou casos de outras grandes sub- culturas. Outros autores continuaram esta tarefa ao estudarem os bairros e subculturas. Banfield e Wilson, e os seus estudantes, actualizaram a pro- posta de Warner com uma abordagem mais política em monografias sobre temas de bairro ou étnicos em grandes cidades dos EUA em City Politics,

Big City Politics e outras obras. Peter Rossi ajudou a lançar a pesquisa ur-

bana comparada a nível nacional no NORC (National Opinion Research

Center) em 1967 (Clark e Ferguson 1983, 263 e segs.).

O terceiro ponto axial leva-nos de novo a Warner: as características do consumo. Este autor definiu a especificidade da «estrutura de classes norte-americana». Escrevendo durante a depressão da década de 30, era muito sensível ao marxismo e à problemática geral do trabalho e da pro- dução. Estes elementos constituíam o núcleo do best-seller e ícone da pesquisa urbana dos anos 30, Middletown in Transition, de Robert e Helen Lynd (escrito depois da sua mudança para Nova Iorque, acres- centando o marxismo ao anterior Middletown). No entanto, contrarian- do grande parte das teorias das ciências sociais anteriores e também o senso comum, Warner redefiniu a estratificação social como uma reali- dade não assente no emprego ou no local de trabalho. Pelo contrário, apostou no consumo e no estilo de vida como critérios-chave para (a construção da identidade/identificação/autoconstrução) a classe social, passando assim por cima da tradição marxista. Hoje trabalhamos com esta perspectiva do consumo, com o turismo, a qualidade de vida e o conforto como as principais preocupações dos cidadãos de Chicago e, desde a década de 90, como elementos explícitos da política autárquica. Textos recentes de Costas centram-se no conforto, tal como os de Judd (por exemplo, Judd e Fainstein 1999) no turismo, os de Costas e Bennett (2003) nos estádios desportivos e os meus no entretenimento. Este não é um tema novo ou único nas cidades norte- -americanas, mas diferencia-se em Chicago pela sua forte implemen- tação, onde se demonstra como se pode reconstruir uma cidade, re- definir a sua imagem e conduzir a sua economia. Esta perspectiva en- caixa nos temas desenvolvidos por Florida, Glaeser e por mim em The

City as an Entertainment Machine (Clark 2004). Os pontos nos quais

Chicago se distingue de outras cidades são: (1) a herança da antiga hie- rarquia política, que encoraja uma postura mais passiva por parte dos cidadãos; (2) depois de 1995, quando Daley percebeu que o Campeo- nato do Mundo e a exposição de Monet eram grandes eventos, a cidade

inteira acolheu árvores e rosas nas suas ruas e passeios, o Millenium Park (com ópera, teatro, ballet e companhias de música folk e de câmara), etc.; (3) a relativa ausência de eventos culturais deste tipo em Chicago até muito recentemente implica que se trata de uma transformação mais dramática ainda, comparada à Fun City, de John Lindsay, nas tradições de praia, surf e Hollywood de Los Angeles. Os líderes cívicos de Chicago sempre apoiaram as anteriores actividades culturais; todavia, o compro- misso sério por parte da Câmara com estas questões culturais e de lazer remonta apenas a meio da década de 90. O nosso pluralismo analítico salienta a diferenciação entre os líderes cívicos e políticos de forma mais declarada do que o faria uma escola neomarxista ou de Los Angeles.

Quarto ponto: os bairros culturalmente fortes permanecem separados do

local de trabalho. A complexidade cultural dos bairros de Chicago difere

da tradição social-democrática da Europa, onde os trabalhadores resi- diam em casas construídas perto das fábricas e onde a vida social era li- derada pela produção. Em vários locais dos EUA, como Chicago, os orgulhosos, inicialmente não anglófonos, imigrantes viviam, natural- mente, em bairros onde pudessem falar, comer, relaxar e partilhar os cul- tos religiosos com pessoas de contextos nacionais, linguísticos e cultu- rais semelhantes. Preferiam até deslocar-se a empregos em fábricas longínquas para poderem preservar esta herança étnico-cultural do bair- ro. Isto provocou uma dinâmica diferenciada na esfera do consumo, onde se podiam desenvolver padrões distintos daqueles que surgiriam se as pessoas trabalhassem e vivessem no mesmo local, como acontecera inicialmente na Alemanha ou, no seguimento da tradição socialista, na Rússia e na China do século XX.

Em quinto lugar, apoiamos métodos de pesquisa múltiplos: estudos de caso, história oral, análise de conteúdo, história de arquivo, voto, en- trevistas a líderes, qualitativo, quantitativo, etc.

Em sexto lugar, na perspectiva aqui apresentada, incluímos a área metro-

politana. O modelo metropolitano de Chicago é cooperativo, volun-

tário, nascido de acordos específicos entre governos locais e vários gru- pos privados para diferentes serviços. Los Angeles, por exemplo, apostou no chamado «Plano de Lakewood», uma privatização com con- tratação, a partir da segunda metade do século XX. Este modelo, no en- tanto, generalizou-se e os novos acordos são característicos das organi- zações suburbanas e intergovernamentais numa escala global. Este facto é importante numa perspectiva internacional, à medida que as áreas metropolitanas pelo mundo fora estão igualmente a afastar-se do mo- delo centralizado de «governança» urbana.

Os tradicionais igualitaristas do «Estado-Providência» poderiam acusar as soluções políticas descentralizadas e as abordagens «a partir dos bairros» de ignorarem preocupações mais alargadas pelo bem públi- co, como, por exemplo, a redistribuição de rendimentos ou a integração racial por via de políticas nacionais. Esta é uma posição claramente nor- mativa. Quando conduzida ao seu extremo lógico, como apontou John Rawls, esta também implicaria a abolição da família para poder oferecer a cada criança igualdade de oportunidades. Sem apoiar uma posição normativa, sugerimos que a centralização fomenta os bens públicos, enquan-

to a descentralização gera bens separados. Neste sentido, sistemas políticos

nacionalmente centrados, como o britânico, deveriam ter mais capaci- dade para implementar políticas nacionais de forma consistente ao longo do seu território. A nível local, a forte máquina do presidente de câmara Daley I era a solução para o problema dos «1400 governos» da área metropolitana de Nova Iorque. O facto de os intelectuais de Nova Iorque e Los Angeles favorecerem a centralização não implica que as suas cidades (ou habitantes das suas cidades) estejam a promover essa linha: são tradicionalmente mais descentralizadas do que Chicago, já que sempre dispuseram de uma liderança política e administrativa mais fraca do que nesta última.

Em sétimo lugar, defendemos uma reconceptualização da raça, da etni-

cidade e dos conflitos subculturais. Trata-se de tentar perceber como o de-

clínio no antagonismo racial e o relativo aumento na tolerância abrem espaço para novos tipos de acordos políticos e intergovernamentais entre os subúrbios e os bairros, os quais eram anteriormente impen- sáveis. Esta linha de observação contradiz directamente a previsão da es- cola de Los Angeles quanto a um aumento no antagonismo social e conflito racial. Grande parte dos dados para Los Angeles, Chicago e para o país documentam tendências para a tolerância. Como é que isto afecta outros elementos dos nossos subparadigmas?

O oitavo elemento-chave corresponde ao olhar para a globalização como uma fonte de mudança em muitas dinâmicas urbanas. Chicago era, há uma ou duas décadas, uma das mais conscientemente localistas das grandes cidades dos EUA, e muitos dos seus bairros continuam a sê- -lo. Mas os principais líderes cívicos e políticos e respectivos consultores são muito sensíveis às mudanças verificadas na China, Paris e a outras forças globais. Em 2005, o presidente Daley, num discurso proferido perante representantes oficiais de todos os EUA, lamentava-se pelo facto de precisar de dez anos para construir uma via rápida para o aero- porto de O’Hare, o mesmo tempo que os chineses demoraram a cons-

truir 6 aeroportos inteiros. Muitos chineses estão a aprender inglês; por isso, acrescentava, como primeiro passo, foram convidados 16 chineses para as escolas públicas de Chicago para ensinar mandarim.

A escola de Los Angeles adoptou uma parte das teses sobre a globa- lização, nomeadamente a versão mais mediática do debate sobre o conflito cultural lançada por Samuel Huntington. O principal pro- blema com este tipo de posição é que muitos imigrantes chegaram aos EUA para adquirir as suas versões de igualdade e sucesso. Apesar de isto já não implicar um único carácter «americano», também não é apropriado defender apenas a ideia de «guerras culturais», o imobilis- mo, ou uma posição puramente conflitual. Encontramo-nos numa posição intermédia, que varia de cidade para cidade, de bairro para bairro e de área temática para área temática. Yi (2004) aborda esta questão com dados de Los Angeles e de Chicago, explorando o de- senvolvimento de uma etnicidade cosmopolita com a globalização, através das artes marciais, do budismo internacional, entre outros. A maior mudança em várias décadas nos itens NORC-GSS colocados aos afro-americanos a nível nacional é o aumento do número de pes- soas que afirmam frequentar cultos religiosos inter-raciais. As pessoas identificam-se mais com estatutos múltiplos e tornam-se cada vez mais cosmopolitas com a globalização.