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e o «país desordenado»: percepções sobre governança e planeamento

urbano em Portugal*

Introdução

O discurso actualmente vigente sobre políticas urbanas e de cidade destaca o papel fundamental da competitividade das cidades para o de- senvolvimento regional (e nacional) no contexto da globalização. Face à dominância desse discurso e à pressão da opinião pública, que pede mais e melhor dos reduzidos orçamentos públicos, os governos – quer nacionais, quer locais – acabam por procurar desempenhar um papel facilitador de transformações urbanas capazes de tornar as cidades mais atractivas e empreendedoras.1 Todavia, esta perspectiva é por vezes

* Versões anteriores deste capítulo foram apresentadas, mas não publicadas, em duas conferências internacionais, a saber, no World Planning Schools Congress (México, Julho de 2006) e na 47.ª Conferência Anual da Association of Collegiate Schools of Planning (EUA, Novembro de 2006). O presente capítulo conta com várias correcções e alterações aos artigos originalmente apresentados nos referidos encontros. A tradução para a língua portuguesa é da exclusiva responsabilidade da autora.

1A competitividade das cidades e regiões tem tido, na última década, um tratamento

crescente por parte da comunidade científica. São disso exemplos: os estudos sobre as cidades globais/mundiais [e. g., Saskia Sassen, The Global City: New York, London, Tokyo (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1991), e Paul J. Taylor, World City Network:

A Global Urban Analysis (Londres, UK: Routledge, 2004)]; os estudos da vantagem

competitiva das cidades e regiões [e. g., Annalee Saxenian, Regional Advantage: Culture

and Competition in Silicon Valley and Route 128 (Cambridge, MA: Harvard University

Press, 1994)]; a utilização de projectos emblemáticos como forma de promoção internacional e global de cidades [e. g., Hedley Smyth, Marketing the City: The Role of

Flagship Developments in Urban Regeneration (London, UK: Spon Press, 1997), e Jean-Paul

abordada de uma forma simplista, pouco atenta à complexidade e à in- terdependência, que contribuem para moldar a paisagem real das cidades.

Em Portugal foram várias as políticas urbanas e de ordenamento do território desenvolvidas nas últimas três décadas pelo governo central, numa tentativa de ordenar e promover um desenvolvimento equilibra- do do território. Todavia, permanece entre nós a percepção de que o país foi deixado à mercê de um processo de crescimento algo casuísti- co, levando assim à emergência de um «país desordenado». Neste con- texto, a complexidade de relações entre os vários agentes sempre se so- brepôs aos desígnios formais das políticas governamentais. Este capítulo utiliza o caso do Programa POLIS2como uma janela sobre a complexi-

dade do sistema português de planeamento e governança urbana, de forma a investigar quais as percepções vigentes sobre o seu funciona- mento e as dificuldades em transformá-lo. Para isso, o capítulo procura identificar as condições que facilitam ou dificultam a eficácia e a capa- cidade de implementação de um programa governamental que visou re- produzir noutras cidades do país aquilo que se entendeu ser a expe- riência positiva de planeamento e governança decorrida em Lisboa no âmbito da Expo 98.

Neste capítulo argumenta-se que, na sua concepção, o Programa POLIS foi activamente moldado pela percepção do «país desordenado», sendo a sua implementação influenciada por um conjunto de práticas profundamente enraizadas no sistema de planeamento e governança ur- bana, as quais sofreram níveis de transformação diferenciados em resul- tado de circunstâncias diversas.

A composição deste argumento resulta da análise preliminar da primeira fase da investigação de doutoramento levada a cabo pela au- tora sobre a implementação do Programa POLIS no período de 1999 a 2006. A investigação de doutoramento toma como ponto de partida dez das dezoito intervenções inicialmente apresentadas no lançamento

lessons from EXPO 98, Lisbon», Planning Practice & Research, vol. 17, n.º 1 (2002): 69- -79]; ou os estudos sobre o marketing de cidades [e. g., Philip Kotler et al., Marketing

Places: Attracting Investment, Industry, and Tourism to Cities, States, and Nations (Nova

Iorque, NY: The Free Press, 1993), e Paulo Peixoto, «Gestão estratégica das imagens das cidades: análise de mensagens promocionais e de estratégias de marketing urbano»,

Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 56 (2000): 99-122].

2O Programa POLIS – Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental

de Cidades foi iniciado em 2000 pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território.

do Programa POLIS.3As dez intervenções objecto de análise apresen-

tam uma estrutura de governança distinta das restantes oito inter- venções (as dez intervenções vieram a ser geridas pela empresa Parque Expo, SA), sendo esse o motivo que levou à sua escolha.4Para este capí-

tulo procurou-se desenvolver um historial genérico da implementação do Programa a nível nacional com base na análise preliminar de um conjunto de sessenta entrevistas semiestruturadas e da análise de con- teúdo de documentos e de artigos de imprensa. As entrevistas versaram diversos tipos de agentes, incluindo decisores políticos, técnicos da administração pública, gestores de projecto, consultores e projectistas, membros de ONGs, representantes de interesses locais e académicos. Por se tratar de uma análise preliminar dos resultados de uma investi- gação que ainda está em curso e que tem por análise menos de um quar- to das intervenções abrangidas pelo Programa POLIS, devem ser acaute- ladas as generalizações sobre o sucesso do Programa a nível nacional. Aliás, para a autora é mais importante proceder à identificação e com- preensão do conjunto de mecanismos subjacentes à implementação do Programa POLIS, mesmo que num número reduzido de cidades, do que uma análise dos sucessos ou insucessos do mesmo.

O capítulo encontra-se organizado noutras quatro secções, para além desta secção introdutória. A segunda secção apresenta uma revisão das abordagens teóricas com relevância para a compreensão dos resultados desenvolvidos até ao momento. A terceira secção apresenta uma carac- terização das percepções vigentes em Portugal face ao sistema de planea- mento e governança urbana. A quarta secção dedica-se à apresentação do historial de desenvolvimento e implementação do Programa POLIS a nível nacional no período de 1999 a 2006. A quinta secção conclui o capítulo com um resumo das principais observações e algumas consi- derações finais.

3O Programa POLIS inclui ainda outras vinte e duas intervenções. Estas inter-

venções não serão objecto de análise quer neste capítulo, quer no âmbito da inves- tigação de doutoramento.

4A comparação entre diferentes estilos de gestão das intervenções permitiria analisar

qual dos modelos teria obtido uma melhor performance. Contudo, o objecto da investigação de doutoramento centra-se essencialmente em compreender quais as condições que facilitam ou dificultam a implementação de uma determinada política e da estrutura operacional que lhe está associada. Daí optar-se por manter constante o modelo de gestão. A investigação de doutoramento inclui, assim, a análise genérica das dez cidades geridas pela Parque Expo, bem como uma análise detalhada da imple- mentação do Programa POLIS na Costa de Caparica e em Viana do Castelo. A análise destas duas cidades não está contemplada no presente capítulo.