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A elaboração do modelo didático do gênero fait divers

CAPÍTULO 2 Metodologia da pesquisa

1. A elaboração do modelo didático e da sequência didática

1.2. A elaboração do modelo didático do gênero fait divers

Segundo Di Pietro e Schneuwly (2003), o modelo didático do gênero baseia-se na prática social de referência, sobre a literatura existente e sempre é o produto de práticas históricas precedentes.

Procurando basear-nos na literatura existente do gênero, encontramos poucos textos de referência, procurados, primeiramente, internacionalmente e, posteriormente, nacionalmente, a partir de buscas no banco de dados de bibliotecas e de revistas específicas na internet. Estudos linguísticos são raros, encontramos um caderno que reunía diversos estudos que abordavam o gênero em uma revista canadense45. Um dos textos desta revista foi encontrado on-line e faz parte da bibliografia desta pesquisa, como o artigo de Vandendorpe (1992). Nesse texto e no de outros estudiosos que encontramos, há frequentemente referência ao artigo de Barthes (1966), em que o autor fala da representação existente à época desse gênero, além de comentar sobre sua estrutura, e que será comentado no próximo capítulo, em que o gênero será caracterizado mais detidamente.

A falta de literatura científica do gênero é inversamente proporcional à popularidade percebida na venda de jornais que publicam os fait divers (LITS, 2001). Justamente por ser

considerado “popular”, há um certo desprezo pelo gênero, tido como inferior no universo

jornalístico, por vezes sendo escrito por jornalistas iniciantes. Esses fatores podem contribuir para a falta de interesse em estudos científicos sobre o gênero. Ainda segundo o autor, o fait divers tem essa denominação francesa, não utilizada nos outros idiomas, mesmo no grupo de línguas românicas. O gênero foi atestado como rubrica jornalística pelo Trésor de la langue française desde 1859, o que é significativo desta particularidade lexical francesa (LITS, 2001). Pode-se ainda citar o autor, retomando-se o que foi explicitado acima:

44

O manual de ensino Alter Ego 2 Plus (BERTHET, A. et al., 2012) procura mostrar o gênero de maneira mais discursivamente contextualizada para o ensino, mas não se trata de um estudo sistemático sobre o gênero.

45 Assinalando o interesse em aquisição desse número por mensagem eletrônica, não houve resposta da editora,

ligada à universidade. Trata-se da Revista Tangence, no.37 da Universidade de Ottawa. Atualmente as publicações desta revista fazem-se pela internet, mas na época em que o número com artigos científicos sobre o gênero fait divers foi publicado, não havia essa difusão. Até este momento não foram encontradas suas formas digitalizadas.

« [...] cet objet impur, ce mauvais genre n'est guère étudié par les chercheurs, comme en atteste la relative pauvreté de la littérature scientifique sur le genre. Une série de thèses ont été réalisées par des historiens, souvent sur des journaux des siècles antérieurs, comme si le

passé légitimait en quelque sorte l'objet, mais rares sont les études de

linguistes, sémiologues ou analystes des médias. » 46(grifo do autor)

Para nossa pesquisa, baseamo-nos, portanto, no texto de Barthes, sobre a estrutura do fait divers, e em alguns estudos encontrados realizados por alguns estudiosos como: Constant (1999), Dion (2007), Létourneau (1992), Lits (2001) e Vanderdorpe (1992). Nota-se também que, ao tratar de textos jornalísticos, frequentemente estudiosos do discurso como Bronckart (2007) e principalmente Maingueneau (2002) referem-se a textos do gênero fait divers, como se este fato atestasse também a legitimidade e representatividade do gênero na mídia jornalística, podendo ser tomado, portanto, como uma referência em relação ao texto jornalístico.

Nacionalmente, também são raros os estudos linguísticos que tratam do fait divers no ensino e aprendizado da língua francesa. Encontramos um estudo recente que fez uso do gênero para procurar entender a enunciação no passado em francês, em contexto institucional (GARCIA, 2010). Esse estudo teve como corpus textos de alunos da habilitação de francês da FFLCH, no nível 4, segundo ano de estudos de língua e estudou a enunciação de seus textos. Há também estudos de uma especialista canadense radicada no Brasil e que atualmente compõe corpo docente de universidade brasileira. Um de seus textos sobre nosso gênero de estudo fez parte de nossa consulta bibliográfica (DION, 2007). Também consultamos o único texto baseado em nossa corrente teórico-metodológica que aborda características do gênero e propõe atividades para seu ensino (LOUSADA, 2012).

Utilizamos também alguns textos de referência para a produção do texto jornalístico, aproximando o gênero fait divers ao da notícia. Não há seções que levem o nome fait divers na imprensa brasileira, mas o gênero existe inserido em diversas seções, em geral nas que tratam de notícias mais localizadas, como na de “Atualidades”. Assim, levamos em conta, para nosso estudo, os manuais de redação jornalísticos brasileiros, como o do O Estado de São Paulo (1997) e da Folha de São Paulo (2001) e ainda, a obra de um especialista brasileiro (LAGE, 2010), também referência para a análise da estrutura do gênero notícia.

46“[...], este objeto impuro, esse gênero ruim raramente é estudado por pesquisadores, como atesta a escassez da

literatura científica sobre o gênero. Uma série de teses foram realizadas por historiadores, frequentemente sobre jornais dos séculos anteriores, como se o passado legitimasse de alguma forma o objeto, mas raros são os

Não encontramos literatura especializada que trate da inserção do gênero fait divers nos livros didáticos para o ensino de língua francesa. A presença do gênero nesses livros desencadeou a curiosidade dos alunos em melhor conhecer o gênero, como já comentado anteriormente. Como é um gênero recorrente nos manuais de ensino da língua, podemos supor que seja um gênero instituído, pois atestado por sua presença pelo universo cultural da língua em estudo.

Já em termos de prática social de referência, - outro elemento de relevância para a elaboração do modelo didático do gênero - analisamos textos coletados de sites jornalísticos franceses na internet. Em vista do fácil acesso aos textos produzidos nesse domínio pela internet e da possibilidade de encontrar certa variedade de textos desse gênero, esse meio foi o escolhido para a coleta dos textos analisados.

É interessante notar que, na atualidade, a informação veiculada na Internet parece ser de um acesso muito mais frequente e facilitado para a leitura de informações cotidianas. O público leitor parece ser cada vez maior; não raras vezes esse público se informa apenas com os dados veiculados na internet. Por conta disso, percebe-se uma decadência mundialmente vigente de veículos impressos que se extinguem por falta ou redução do público leitor.

Em relação à localização dos textos do gênero nos periódicos on-line, não necessariamente havia rubricas específicas, de nome fait divers ou “Insolite” para sua publicação. Os textos não aparecem somente na seção específica que leva o seu nome, mas podem estar presentes, muitas vezes, nas seções Actualités ou Société do jornal em questão. Esse fato vem confirmar o que Constant (1999) afirma sobre a localização do fait divers: « [...] ceux [os jornais] à caractère populaire concentrent le fait divers dans une rubrique quand ceux dits ‘‘intellectuels’’ l’éparpillent au vent de leurs paginations. C’est la seule opposition constante qui existe entre les quotidiens.»47 Os jornais mais intelectualizados, portanto, dissimulariam o fait divers, ao passo que os mais populares, conservariam uma seção específica para sua divulgação.

Os textos foram coletados a partir dos temas que abordavam, de forma a retratar a variedade de temas que representam o gênero, como raptos, estelionatos, acidentes, roubos, incidentes, violência, todos com um uma abordagem insólita, típica do gênero. Essa escolha partiu, também, de alguns aspectos apontados por uma prévia do modelo didático elaborado para esta pesquisa feita para a elaboração de um primeiro artigo científico sobre o fait divers,

47 “Aqueles [os jornais] de caráter popular concentram o fait divers em uma seção, enquanto que os ditos

« intelectuais » distribuem-no ao vento de suas páginas. É a única oposição constante que há entre os

a partir da análise de alguns exemplares de fait divers. Esses aspectos visaram a uma melhor didatização do gênero, como por exemplo, o uso frequente de modalizações apreciativas (texto 4 do quadro 8, que será apresentado em seguida), para que em seu ensino, pudéssemos ressaltar sua forte presença; ou no uso da voz passiva, elemento que também compõe textos do gênero e está bastante presente em um de seus textos, o de número 2. Esses textos também foram escolhidos a partir do grau de curiosidade que suscitariam em relação aos conteúdos apresentados, pensando-se no ensino a um público brasileiro (como no texto 2, em que a situação apresentada se passa no Brasil).

Esses textos foram coletados em sites48 de notícias populares, como o Le Dauphiné (aproximadamente um milhão de leitores de oito departamentos franceses) e em sites de notícias nacionais como o Le Parisien – Aujourd’hui en France (dois milhões e meio de leitores) – que tem sua versão impressa veiculada em sua versão regionalizada em Île-de- France e em dez de seus departamentos. Ainda foram fonte de nossas buscas jornais bastante populares, como o jornal Métro France (três milhões de leitores – versão impressa e 9 milhões de leitores – incluindo os meios digitais), e os sites Le Post e Yahoo francês. Essa variedade de suportes para a coleta de textos nos pareceu interessante para melhor conhecer a representatividade do gênero em jornais populares de média a grande circulação, como o Métro France; com um perfil mais nacional e também regional, como o Le Parisien (mais regional)/Aujourd’hui en France (mais nacional)”, além de outro bastante regional, como o Le Dauphiné, que tem sua divulgação em oito departamentos do sudeste francês. O site Le Post tem um perfil bem diferente dos outros, pois seus textos tem como autores internautas, um ‘blogueur’ convidado ou a redação do jornal. Todos os textos passam por apreciação de

sua equipe de redatores, mas o que é alvo de publicação parece de fato representar o que vem a ser de interesse do público leitor. Atualmente o site é hospedado pelo grupo Huffington Post, pois a equipe do Le Post deixou de publicar seus textos sem essa parceria em janeiro de 2012.

Textos com assuntos mais violentos, como os sobre morte e violência, que têm um conteúdo mais negativo não foram priorizados em nosso corpus de textos, pois tínhamos a intenção de trabalhar com textos que agradassem ou interessassem a um maior número de alunos; por isso, temos um médio número de textos sobre esses assuntos, já que sabemos que seu uso em sala de aula pode causar certa aversão, repugnância ou mesmo ser polêmico.

Dessa forma, como comentamos, preferimos selecionar textos que pudessem levar em conta temas comumente abordados pelos faits divers, constituindo um corpus representativo deles.

A coleta ocorreu em dois períodos, o primeiro, no do 2º.semestre de 2010, quando da elaboração de um primeiro estudo da pesquisadora sobre o ensino do gênero através de SDs, e o segundo, no início do 1º.semestre de 2012, quando da elaboração da SD destinada aos alunos do curso de férias dos cursos extracurriculares.

Alguns dos textos selecionados suscitaram o interesse da pesquisadora em ver como esse mesmo assunto poderia ser publicado em outros jornais, o que permitiu a descoberta de novos textos sobre o mesmo assunto que, como procediam de contextos de produção diversos, também traziam na estrutura de seus textos elementos diferentes. Isso ocorreu, sobretudo, com o texto de número quatro (T4), que foi escolhido em duas versões, em suportes diferentes, para fazerem parte da sequência didática elaborada. A numeração dos textos, no quadro seguinte, não tem a pretensão de elencar os textos em ordem crescente por algum motivo específico, mas apenas apresentá-los com finalidade organizacional. No capitulo seguinte, de número 3, analisaremos os textos aqui elencados com base na teorização da arquitetura textual de Bronckart (2007), explicitada no Capítulo 1, item 1.3.

Núme- ro dos

textos

Site Seção Título do fait divers

Assunto predominante T1. Le Parisien Faits divers

Israël : le bebé tue un serpent d’un coup de dents Atualidade insólita T2. Yahoo Actualités Brésil : Il falsifie sa carte d’identité avec une photo

de... Jack Nicholson !

Estelionato T3. Le

Parisien

Actualité Trois mois de prison ferme pour avoir insulté des gendarmes sur Facebook

Prisão/Policial T4. Le

Dauphiné

Faits Divers

Pour récupérer ses clés, il joue à Spiderman sur la façade de son immeuble

Atualidade insólita T5. Le

Parisien

Actualité Paris : un architecte simule son enlèvement Rapto/sequestro T6. Le

Parisien

Actualité Elle faisait tourner la tête des vieux messieurs Estelionato T7. Le Post/

Act.Médic ales

Actualités La vache s’échappe de l’abattoir... mais une voiture l'écrase

Acidente T8. Le Post Faits-

Divers

Pendant le cambriolage, la victime fait un malaise et les voleurs alertent... le SAMU

Roubo T9. Metro

France

Société Excédé par le bruit, un homme poignarde deux jeunes

Violência T10. Metro

France

Monde Fou de rage, il arrache la tête du chat Violência Quadro 8 - Os fait divers selecionados e analisados no modelo didático