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CAPÍTULO 1 – Pressupostos teóricos

1. O Interacionismo Sociodiscursivo

1.2. A linguagem e os textos para o ISD

Para Bronckart (2007 [1999]), que se baseia na noção de atividade de Léontiev (1979), é através das atividades que os organismos vivos se organizam funcionalmente e conseguem construir uma representação interna sobre o ambiente em que vivem. As atividades, das quais

18 Na seção 2, voltaremos a falar sobre esse autor, pois abordaremos o ensino de línguas e os gêneros textuais e,

para isso, trataremos da noção de instrumento para Vigotski.

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« La démarche de l’interactionnisme socio-discursif ne constitue en fait qu’une tentative de prolongement et

de développement du projet de l’interactionnisme social qui avait émergé dans les premières décennies du

os organismos vivos fazem uso para se organizar, têm um aspecto mais biológico e cooperativo, tendo um objetivo mais prático, ligado às atividades necessárias para fins de sobrevivência e manutenção da espécie. É o que vemos no caso dos animais, o que já foi estudado por vários autores, como, por exemplo: i) Benveniste (1976), que faz alusão ao estudo sobre a comunicação entre as abelhas, em que se observa que elas comunicam para sinalizar a outras do grupo sobre a proximidade do alimento a ser buscado; ii) e Vigotski (2008) que aborda a comunicação entre os chimpanzés, na qual a comunicação na espécie tem fins puramente práticos, de sobrevivência; entre outros. É, portanto, comprovado, que uma comunicação entre os indivíduos da espécie existe, até mesmo em hierarquia, como no caso da comunicação entre as abelhas, mas não há uma comunicação facilitadora na medida em que determinados atos ligados a funções de sobrevivência, como para a nutrição, reprodução, fuga do perigo etc (BRONCKART, 2007 [1999]) sejam abstraídos e transmitidos a outros seres da espécie, quando não no ato imediato ou estreitamente ligado a esse ato. Não há um sistema simbólico criado por eles do qual possam fazer uso para a transmissão de uma vivência a seres da espécie ou para facilitar algum ato posterior, ligado à sobrevivência da espécie, como a utilização de instrumentos20 que facilitem a busca de um alimento por exemplo.

Os animais não dispõem de um sistema complexo de comunicação; contrariamente aos humanos, que podem se comunicar através de “um modo de comunicação particular” segundo Bronckart (2007 [1999]), a linguagem. Somente ela permite ao homem guardar e transmitir informações já vividas para outros indivíduos que não tiveram as mesmas experiências.

Dessa forma, o ISD se interessa por esse sistema complexo de comunicação, em que o homem revela seu poder de criação e transmissão de informações através dos tempos, ou seja, o poder de guardar na consciência e de transmitir, pela linguagem, suas vivências no curso de sua evolução histórica.

Os seres humanos têm, portanto, a capacidade de se organizar através da linguagem já que, de acordo com Bronckart (2007 [1999]), suas manifestações são organizadas em discursos e esses, em textos. Nesse processo, as atividades humanas são propulsoras de ações, às quais os humanos respondem a partir de uma necessidade advinda de uma situação social em particular, organizando-as em textos.

A teorização de Bronckart a respeito de texto também vai ao encontro das noções expressas por Saussure a respeito de signo. Para Bronckart, o texto seria um produto da ação

20 A noção de instrumento e, mais propriamente, a de instrumento psicológico, no caso dos seres humanos, será melhor explicitada no item 2.2. deste capítulo, intitulado “ O ensino de gêneros como instrumento”.

de linguagem atribuída a um indivíduo singular, agente ou autor dessa ação. Os textos, ainda segundo Bronckart (2007 [1999]; 2009), seriam oriundos de domínios da ordem do sociológico e do psicológico, pois a produção textual é advinda da escolha do autor/agente por um modelo de organização textual significativa em sociedade e é o reflexo das representações disponíveis no autor/agente dos textos.

Se compararmos a noção de texto para Bronckart à noção de signo de Saussure, há uma certa intersecção, já que o signo só existe porque depende de uma representação ancorada na sociedade para existir; é um elemento que tem uma dupla essência, uma representação psicológica e outra física, de caráter arbitrário, e que existe somente porque uma sociedade o adota e faz uso dele para se comunicar. O texto, na perspectiva de Bronckart,

também. Assim, tanto signo quanto texto só podem existir a partir da existência de “acordos sociais” existentes sócio-historicamente e tomados para uso em comunicação por uma

comunidade de falantes. Tratamos aqui muito rapidamente desses complexos conceitos, já que não é nosso intuito tratar a fundo a teorização de Saussure, mas comentar a visão de linguagem que está na origem do ISD. Assim, mostramos que essas reflexões e associações fazem parte da conceituação de base do ISD.

Segundo Bronckart (2007 [1999]), como já comentamos, em uma situação de ação de linguagem, o autor do texto, seu agente-produtor, escolhe dentre os textos aos quais foi exposto em sua vivência em sociedade, um modelo que corresponda à situação através da qual necessita se comunicar. E ele não poderá ser compreendido se não fizer uso de signos que façam parte da sociedade em que vive, nem de textos ou discursos21, que não sejam partilhados por essa mesma sociedade ou mesmo comunidade. Em relação aos textos/discursos, esse partilhamento com o qual o agente do discurso têm de dialogar, ele

denomina “sous-espace théorique du monde des oeuvres humaines"22

(BRONCKART, 2008), que também é denominado em seus textos através da noção de intertexto. Trata-se, portanto, de toda a produção cultural humana existente e através da qual o produtor de um novo texto deve fazer referência, para poder se comunicar através da linguagem, fazendo uso de uma dimensão social sincrônica e também histórica dos grupos sociais que o precederam.

Podemos novamente aproximar as noções de signo em Saussure e de texto em Bronckart pelo fato de que os dois são considerados instituições sociais, na medida em que sempre fazem referência a construções coletivas existentes em sociedade e em sua história.

Assim, podemos citar Bronckart quando define esse caráter histórico de signos e textos: “toda

21 Bronckart (2007) utiliza as duas palavras como sinônimas neste momento de sua explanação. 22 Subespaço teórico das obras humanas (tradução nossa)

língua apresenta-se como uma acumulação de textos e de signos nos quais já estão cristalizados os produtos das relações com o meio, elaborados e negociados pelas gerações

precedentes. Os mundos representados já foram “ditos” bem antes de nós e os textos e signos

que os constituíram continuam trazendo os traços dessa construção histórica permanente” (BRONCKART, 2007 [1999], p. 38).

Uma importante diferença na noção de signo, entre Saussure e Bronckart é que o segundo autor ressalta o caráter movente dos significados veiculados pelos signos, pois eles não somente existem em referência a um mundo social e histórico, mas também só podem continuar a existir a partir do que ocorre nesse mundo, sendo portanto, de certa maneira dependente dele, em como ele se constrói e é representado. Assim, o signo só pode existir de modo sincrônico, dependente do uso pelos falantes, em sociedade e em interação social (BRONCKART, 2007 [1999])

Faz-se interessante também trazer uma dimensão explicitada por Bronckart sobre os signos a qual ele denomina transindividual. Esse conceito é importante para podermos entender outros conceitos relativos à arquitetura textual para o ISD, que serão explicitados na próxima subseção. Bronckart (2007 [1999]) agrega conceitos de Popper23 (1972/1991 apud Bronckart, 2007) e Habermas no que se refere às representações coletivas do meio, que são chamadas de mundos representados. Os signos fazem primeiramente referência a elementos físicos, que constituem os conhecimentos coletivos acumulados e que fazem parte do chamado mundo objetivo. Eles fazem referência necessariamente sobre a maneira de organizar a tarefa, no quadro da atividade, o que compreenderia as modalidades convencionais de cooperação dos membros de um grupo. Esses conhecimentos acumulados constituiriam o mundo subjetivo. Já os conhecimentos humanos coletivos que se referem a processos de cooperação interindividual e que se estruturam em um subconjunto, constituem um mundo representado, formando, assim, o mundo social. “Como esse mundo social regula as modalidades de acesso dos indivíduos aos objetos do meio, ele condiciona as formas de

estruturação do mundo objetivo e do mundo subjetivo” (BRONCKART, 2007 [1999], p. 34).

O mundo social faz-se, portanto, agregador dos dois outros mundos, tendo sua importância ampliada. Os signos veiculam, assim, representações coletivas do meio, tendo um duplo aspecto, um mais psicológico, do psiquismo humano, e outro social, que emerge nos atos comunicativos.