• Nenhum resultado encontrado

A Elisão Fiscal a partir das idéias de Flusser e Luhmann

PARTE III – APLICAÇÃO DAS PREMISSAS AQUI FIRMADAS NA ANÁLISE DOS

VII.II A Elisão Fiscal a partir das idéias de Flusser e Luhmann

Entendemos, como já expomos retro, a elisão fiscal como um dos mecanismos utilizados pelo indivíduo, diante dos espaços de não regulação (lacunas) deixados pelo legislador, capaz de evitar a ocorrência do fato ensejador do nascimento da obrigação tributária ou pelo menos, que leve a uma exigência fiscal menos onerosa que as demais possíveis para o caso, todos eles praticados dentro da legalidade.

Portanto, é justamente a presença ou ausência da legalidade, o único traço distintivo entre a elisão e evasão fiscal, esta entendida em seu sentido estrito.

A partir da analogia que Flusser criou entre tradução e interpretação, tomando como pressuposto que em ambos os casos se está a lidar com sistemas lingüísticos, podemos dizer que a elisão fiscal é instituto que pode ser interpretado tanto pela econômica como pelo Direito, ou em outras palavras pode ser traduzida tanto pelo “economês”, como pelo “juridiquês”. Porém, apesar de se tratar de um mesmo instituto, se se tratam de línguas diferentes, tais traduções/interpretações gerarão objetos diferentes.

Para o Direito, a elisão deve ser traduzida como uma prática não defesa em lei, lícita, por conseguinte, irrepreensível por qualquer autoridade legal, seja administrativa, seja judiciária. Já para economia, a elisão deve ser interpretada como algo que leva à redução de custos para o contribuinte.

Vê-se que são línguas distintas, com regras e estruturas diversas, entre as quais é plenamente possível uma conversa, porém uma não pode ser traduzida pela outra com o intuito de transmudá-las, melhor dizendo, não se pode olhar para o Direito com os óculos da economia, se se pretende ver uma

183

realidade jurídica, pois aquele não é capaz disso, ele só tem olhos pra uma realidade econômica.

Ao nosso ver, é esse o equívoco que a interpretação econômica pretende nos impor: traduzir a elisão a partir de elementos que só têm significado dentro do universo econômico e que não foram legitimados pelo nosso Sistema Jurídico, logo não fazem parte deste sistema lingüístico e, se não o fazem, não podem ser adotados para interpretar uma situação que a este interessa. Para o Direito, não interessa o efeito econômico de um ato jurídico, mas exclusivamente os seus efeitos legais. São realidades construídas a partir de sistemas lingüísticos distintos.

Sob a ótica luhmanniana, não há como negar que a elisão fiscal é importante instrumento de irritação recíproca entre o Direito e a Economia, vez que gera comunicações relevantes para ambos os sistemas. Porém, isso não pode levar à conclusão de que se deva dar realce aos efeitos econômicos ao interpretarmos os dispositivos legais atinentes à matéria. E, desconsiderar um ato jurídico por questões econômicas é realizar tal prática.

O jovem autor Cristiano Carvalho reconhece essa interferência entre os sistemas: “determinadas mensagens jurídicas podem estimular o sistema econômico a adotar certas estratégicas, com o fim de reduzir custos. É o caso do planejamento tributário ou elisão fiscal.”

Mas, em seguida adverte: “Assim, mesmo que o sistema econômico influencie o sistema jurídico, este não produzirá atos comunicativos econômicos, mas sim jurídicos, consoante os seus próprios critérios de produção.”237

Não é diferente a brilhante lição do mestre Paulo de Barros:

Luhmann aponta para os vários subsistemas como sistemas que não se interpenetram, isto é, o subsistema econômico não interfere no subsistema jurídico, não interfere no sistema político. Todos passam informações, e essas informações são processadas peculiarmente por cada um desses subsistemas. […] Com isso a economia passa informações para o direito e o direito as submete, ou não, ao seu filtro, e vai produzindo as suas unidades; e, com isso, os sistemas vão se integrando, sendo abertos, em termos cognoscentes, mas fechados em termos operacionais.238

Não se pode esquecer que somente o Direito tem o poder de lançar mensagens prescritivas, contando com o aparato coercitivo do Estado. Embora outros sistemas, como o religioso e o moral, prescrevam normas, só aquele interfere forçosamente, se necessário, na liberdade e no patrimônio do indivíduo. O nosso Direito Tributário está amparado pelo princípio da estrita legalidade, como mencionamos retro; em razão dele, diz-se que tudo o que não é proibido é permitido por lei (permissão débil).

Portanto, se o dispositivo legal em estudo não trata de elisão fiscal, e, sim, evasão, e se não há qualquer previsão jurídica que vede a prática elisiva, e nem poderia existir, já que não se pode proibir a licitude, provado está que as informações econômicas acerca da redução de custos quando da realização de práticas tributárias não foram absorvidas pelo sistema jurídico, por conseguinte não foram produzidos elementos jurídicos com tal espécie de comunicação, valorando negativamente tal prática, isto é, considerando-a ilícita. Por conseguinte, demonstrado está que o nosso ordenamento jurídico é plenamente receptivo ao planejamento tributário, desde que dentro da licitude, como o é a atividade elisiva.

Tentar aplicar a interpretação econômica, a qual enxerga o abuso de forma ou de direito ou a prática de negócio indireto, como práticas

238 CARVALHO, Paulo de Barros. Medidas provisórias em matéria tributária. Revista de

Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, n. 75, 1999, p. 163 apud CARVALHO, C.,

185

reprováveis pelo ordenamento jurídico nos moldes alemães, estendendo-a para a análise das condutas elisivas, o que justificaria o não acolhimento desta figura pelos que defendem tal forma de interpretação, não é ao nosso ver uma solução jurídica.

Ao Direito não interessa a razão que levou um sujeito a agir de forma A ou B, mas, sim, se tal conduta é licita ou não. Tais preocupações são de ordem moral ou ética, logo, embora louváveis, não servem para vedar uma prática lícita dentro de um Estado democrático de Direito como é o nosso.

Também não vemos como se fazer uma interpretação econômica dentro do ordenamento jurídico de modo que ela gere normas jurídicas, vez que somente elas são capazes de gerar seus pares, a menos que este a tenha adotado, o que não é o nosso caso.

Em linhas anteriores, deixamos claro que os Sistemas Econômico e Jurídico não se comunicam diretamente, o máximo que pode acontecer é que um provoque perturbações no outro, fazendo com que eles próprios reajam, alterando seus próprios sistemas. Mas, as evoluções insertas no ordenamento jurídico só podem ser fruto de operações jurídicas, as quais se dão a partir do código lícito/ilícito. Nunca, em tempo algum, uma comunicação jurídica pode tomar em conta o código ter/não ter, próprio da economia. Tal manobra, como dissemos, em princípio, pode levar ao bloqueio das comunicações do sistema e, em casos extremos e repetitivos, ocasionam a alopoiese, em razão da corrupção sistêmica, como defende Marcelo Neves.

Luhmann nos ensina:

el derecho no adquiere realidad por alguna idealidad estable, sino finalmente por aquellas operaciones que producen y reproducen el sentido especifico del derecho. Adicionalmente partimos de que estas operaciones deben siempre pertenecer al sistema de derecho (y

naturalmente pueden ser observadas de fuera). Esto y no otra cosa es lo que afirma la tesis de la clausura operativa.239

Destarte, não negamos que seja viável uma interpretação econômica do Direito, isto é, tendo por objeto o Ordenamento Jurídico, dentro do sistema econômico. Mas, não aceitamos uma interpretação econômica no Direito, ou seja, uma construção de sentido econômico, capaz de criar normas jurídicas, vez que no âmbito jurídico só o que pode ser produzido é a interpretação jurídica, em observância às regras impostas por ele próprio, já que comunicação jurídica só gera comunicação jurídica. Assim, uma análise econômica nunca ingressará no mundo jurídico, nunca terá normatividade. Até porque vimos que o que faz de uma interpretação jurídica não é o simples fato de ter o Direito como objeto.

Portanto, sempre que o Direito interpreta um fato, outro não será seu interesse senão valorá-lo como lícito ou ilícito, e, para isso, o código ter/não ter não tem qualquer relevância.