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2 ASPECTOS DA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL

2.3 LIMITAÇÕES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DOS

2.3.1 A elite nacional como detentora histórica do poder

Segundo Ataliba Nogueira as municipalidades brasileiras se desenvolveram no período Imperial gravitando ao redor de uma capela religiosa. O mesmo autor ensina que nestes aglomerados eram decididas questões apenas de interesse local, uma vez que estavam distantes do universo político existente na Metrópole, mas

com o advento da República a estrutura política sofreu mudanças sem qualquer participação das diversas comunidades existentes da época (NOGUEIRA apud TEMER, 2000, p. 104). Para Raymundo Faoro a transição da fase pré-capitalista para a capitalista propriamente dita representou a consolidação de um “Estado burguês de direito” sustentado numa estrutura administrativo-burocrático, em substituição ao modelo aristocrático da fase anterior. Segundo este, o Brasil foi originariamente estruturado no modelo escravocrata e colonial estrativista, e com o advento do período republicano firmou-se uma sociedade hierarquizada que desenvolveu a sua estrutura institucional-burocrática sem definir os limites do patrimônio privado dos seus mandatários com os do poder público. Diante deste cenário, Raymundo Faoro irá constatar que “[...] o patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, que adota o mercantilismo como a técnica de operação da economia” (FAORO, 1995, p. 736), dando, conclui o autor, margem à exclusão crescente da grande maioria de indivíduos dos processos decisórios. Para o economista Luiz Carlos Bresser Pereira o patrimonialismo é “[...] a incapacidade ou a relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio público e seus bens privados” (PEREIRA, 1998, p. 26).

Na primeira fase da República (1889-1930) o Estado Brasileiro enquanto instituição política permitiu a hegemonia do poder nas mãos daqueles grupos com maior capacidade de convergir as suas ações numa mesma linha de conduta, em detrimento dos demais que estavam fragmentados ao longo do território nacional: “[...] à medida que o estamento9 se desaristocratiza e se burocratiza, apura-se o sistema monocrático, com o retraimento dos colégios de poder” (FAORO, 1995, p. 739). É fortalecido o “mandonismo local” através de “redes clientélicas” destinadas a prestar favores pessoais aos representantes do líder político (MORAES, 1997, p.15). Para Pereira (1998) a corrupção e o nepotismo são “[...] dois traços inerentes à administração patrimonialista”.

De acordo com o historiador Sérgio Buarque de Holanda não bastou desenvolver um sistema jurídico onde estiveram expressamente reconhecidos os direitos civis, mas também era necessário educar a população analfabeta e recém adaptada no espaço urbano. O mesmo autor identificou que a ideologia liberal,

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Estamento: “os donos por direito próprio de meios materiais para a empresa, de caráter militar, ou importantes para a administração, ou então de poderes senhoriais pessoais” (WEBER, 1999, p. 531).

representada pelas palavras “Igualdade”, “Liberdade” e “Fraternidade”, não encontrou definição no interior do meio social que adaptou o novo ideário aos velhos conceitos da cultura patriarcal e colonialista (HOLANDA,1987, p. 134). Raymundo Faoro ensina que a burocracia centralizou-se nos executivos federal e estadual que formava uma relação de paternalismo com os serviços públicos, que eram "sorteados" em favor dos principais colaboradores do líder político, por outro lado, em resposta aos seus inimigos eram destinados todos os tipos de malogros e má vontade do poder público. O mesmo autor trata que esta situação contribuiu para a desorganização da administração municipal uma vez que a prática conhecida como “filhotismo” concedia cargos e poderes aos funcionários sem capacidade, inclusive intelectual, de desempenhar as funções vitais da administração pública, como conseqüência desta estrutura corrompida surgiu a conduta identificada como "mandonismo" onde o chefe local, valendo-se dos favores concedidos, hostilizava seus adversários políticos minando-os dentro do município, negando-lhes qualquer tipo de benfeitoria ou favor. O poder centralizou-se no interior da república brasileira de modo vertical e conexo com os chefes político-econômicos locais que detinham grande autonomia no seu território, mas que respeitavam os interesses de um lider político hierarquicamente superior mesmo que distante da sua base territorial (FAORO, 1995, p. 738). A população neste sistema corrompido ocupava uma posição subalterna uma vez que o projeto de construção de uma nação brasileira limitava-se apenas em dominar o território, conduta influenciada nas práticas coloniais, e não de atender o bem estar do povo (MORAES, 1997).

Segundo o economista Celso Furtado o subdesenvolvimento econômico e social de um país não constitui uma etapa necessária do processo de expansão do capitalismo, mas se trata de um aspecto particular de cada nacionalidade que na sua trajetória histórica criou instrumentos de manutenção desta condição. O mesmo autor, ao tratar do caso brasileiro, identifica as empresas estrangeiras atuando no interior do país apenas com o interesse de produzir poucas mercadorias para a exportação tendo o grande foco de atuação no mercado interno de subsistência, sem que haja uma absorção de mão-de-obra proporcional ao crescimento populacional. Como resultado, o país mantém a sua dependência externa dada a incapacidade de ampliar a sua competitividade no mercado internacional (FURTADO, 2002, ps. 31-32). Em 1942, ensina Thomas Skidmore, desembarca no Brasil uma missão técnica Norte-Americana, chefiada por Moris Llewellyn Cooke,

encarregada de auxiliar o governo no processo de industrialização que, logo após a II Grande Guerra, serviu para consolidar o Estado de Bem Estar Social (SKIDMORE, 1982). A adoção do chamado Welfare State foi um projeto político-econômico encarregado de deter o avanço do fascismo e do bolchevismo fazendo com que os seus princípios garantissem a ampliação da “segurança do emprego”, quebrando com a lógica liberal fundamentada unicamente no mercado (ESPING-ANDERSEN, 1995, p. 73). Ao longo da década de 1950 o Estado brasileiro associado às empresas estrangeiras, principalmente Norte-Americanas, promoveu a expansão do parque industrial nacional e no plano da administração pública adotou-se um modelo burocrático-estatal amparado nas várias corporações capitalistas coordenadas e integradas de modo vertical e burocratizado, permitindo ao Estado intervir diretamente na economia (SANTOS, 2001, p. 166). Para Max Weber a burocracia “[...] não é, de modo algum, a única forma moderna de dominação” (WEBER, 1999, p. 540), mas, complementa o mesmo autor, é a melhor estrutura de dominação dado os aspectos de condicionamento dos seus funcionários (WEBER, 1999, p. 542).

O jurista Michel Temer ensina que durante o Golpe Militar de 1964 o Brasil enfrentou o agravamento da intervenção política, principalmente nas suas principais cidades. No texto da Constituição Federal de 1967, então em vigência, foi tolhida a autonomia municipal no Artigo 14 que conferia aos Estados-membro interferir na organização dos seus respectivos municípios (TEMER, 2000, p. 108). Este texto constitucional concedeu aos governadores (Artigo 15, §1º, Letras “a”, e “b”) o poder de nomear prefeitos de capitais, de municípios com estância hidromineral, e, ainda, com a aprovação do Presidente da República, os prefeitos de municípios considerados de “Segurança Nacional”. A questão sobre a eleição de governador manteve-se controversa o longo do regime militar, pois houveram emendas constitucionais que ora tornavam-na direta e noutras indireta, fazendo com que o executivo federal detivesse amplo controle sobre questões de interesse municipal (FERREIRA FILHO, 1983, p. 126). Para o economista Celso Furtado o isolamento político de um grupo majoritário, que se cristalizou no poder tecnocrático do Estado, serviu para distanciar por quase duas décadas as classes mais excluídas no processo de formulação das agendas políticas que, naquele momento, estavam mais interessadas num crescimento econômico desconexo com a realidade nacional, que, como conseqüência, agravou a dívida externa do Brasil (FURTADO, 2002, p. 32).

Para Carlos S. Arturi a transição da fase do autoritarismo militar à Democracia deu-se de modo lento com o controle excessivo sobre toda a instituição Estado, não se permitindo consideráveis reformas econômicas ou sociais. Este autor percebeu que mesmo o cidadão gozando de alguns direitos civis, o País ainda enfrentava os problemas com desigualdade social e casos onde o Estado não conseguia exercer o monopólio legítimo da violência, como meio de imposição da ordem social. Tal cenário permitiu a existência de casos de trabalho escravo nas regiões mais afastadas dos centros urbanos; a disputa violenta pela terra entre trabalhadores rurais, grileiros, jagunços, e latifundiários; e o grande aumento da violência urbana (ARTURI, 2001, p. 26). De acordo com Samira Kauchakje os movimentos sociais brasileiros, em ascensão desde a década de 1970, desenvolveram-se dentro de um cenário de exclusão social num país onde a sua história recente demonstra a ausência dos canais de mediação entre as políticas públicas e os direitos civis (KAUCHAKJE, 2002, p. 174). Vicente Palermo ao analisar as relações recentes entre os poderes do Estado Brasileiro no âmbito federal, já no período da redemocratização (1985-...), identificou que há grande concentração de poder decisório no Executivo, fazendo com que o Legislativo trabalhe por meio de “barganhas” destinadas a atender os interesses setoriais. Este autor identificou que o Executivo depara-se com um ambiente parlamentar fragmentado, dada a diversidade de siglas partidárias, onde diversos setores, principalmente de base econômica, procuram atender aos próprios interesses, tendo como resultado a condução dos trabalhos desta Casa Legislativa mais na direção de “vetos” que para decisões ou mudanças (PALERMO, 2000). Outro resultado negativo, segundo o mesmo autor, é o desvio do Executivo que é levado a trabalhar por meio de Medidas Provisórias que, de certo modo, subtrai para si a competência do poder de legislar. Este cenário serve para distanciar a população brasileira da discussão sobre os temas de interesse nacional fragilizando a Democracia então instituída. Este processo é observado no Brasil e em toda a América Latina, onde “[...] as constituições são feitas para não serem cumpridas, as leis existem para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias” (HOLANDA, 1987, p. 136- 137).