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2 ASPECTOS DA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL

2.3 LIMITAÇÕES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DOS

2.3.2 O plano diretor e a realidade urbana

Segundo a orientação do Ministério das Cidades (2005), o Plano Diretor é um instrumento de planejamento destinado ao desenvolvimento dos municípios brasileiros, principalmente no tocante ao ordenamento da ocupação do solo diminuindo, assim, os impactos na paisagem urbana, tendo como um dos seus pressupostos o envolvimento comunitário. Respeitando os preceitos do Estatuto da Cidade, Lei Federal n. 10.257/01, é esperado que “[...] todos os municípios brasileiros conheçam a sua realidade, que se dediquem a reduzir as desigualdades, a prevenir a degradação ambiental, a melhorar a qualidade de vida e a buscar o pleno desenvolvimento sustentável de suas potencialidades” (CIDADES, 2005, p. 17).

Mesmo diante deste posicionamento do governo federal, para o arquiteto e urbanista Flávio Villaça, ao estudar o caso de São Paulo, o Plano Diretor se mantém “letra morta” quanto aos instrumentos de repreensão dos proprietários de imóveis não edificados. E quanto à participação popular, o mesmo autor salienta que a mesma não se efetiva nos moldes propostos pela Lei Federal n. 10.257/01 pela falta de articulação das diversas classes inserida no meio urbano, pois:

[...] não existe “a população”. O que existe são classes sociais ou setores ou grupos da população. A classe dominante sempre participou seja dos planos diretores seja dos planos e leis de zoneamento. Quem nunca participou foram – e continuam sendo – as classes dominadas, ou seja, a maioria (VILLAÇA, 2005, p. 50):

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Esta mesma situação pode ser observada no caso de Curitiba onde a elite direcionou a elaboração e implementação das políticas urbanas no sentido de atender seus próprios interesses, principalmente os de especulação imobiliária (OLIVEIRA, 2000, ps. 162-163). No estudo de Sônia Nahas de Carvalho que analisou o caso da cidade portuária de Santos, foi constatado que a elite ligada ao setor imobiliário participou ativamente na discussão e implementação do planejamento urbano da cidade desde 1968. A autora analisou a atuação recente da gestão do Partido dos Trabalhadores, ligados à uma linha política progressista, que

empreendeu iniciativas de envolvimento dos demais setores da sociedade santista, principalmente os historicamente excluídos, mas resultou que as ações do governo municipal não foram suficientes para articular os interesses destes setores no sentido de influenciar a política urbana local (CARVALHO, 2001, p. 132), pois, como identificou Klaus Frey, os instrumentos do governo municipal petista no caso de Santos limitaram-se nos conselhos populares e no orçamento participativo. O mesmo autor observou que surgiram dificuldades no envolvimento comunitário também pelo afrontamento da elite local, uma vez que as estratégias de envolvimento comunitário da prefeitura foram desenvolvidas “[...] visando criar um contrapoder diante de instituições tradicionais dominadas pela elite local – sobretudo a Câmara Municipal e a mídia local” (FREY, 2004, p. 125).

Como apontou Villaça (2005) o termo “população” não reflete um grupo específico capaz de gerar qualquer influência no meio social. Este questionamento também é visto em Reis (2002) para o qual o centro da questão está na “[...] ligação entre a autonomia individual e coletiva no caso de diferentes tipos de coletividade, dada sua relevância também diferente para a identidade” (REIS, 2002, p. 20). O mesmo autor reconhece que várias identidades podem convergir numa convivência harmoniosa num mesmo agrupamento social, desde que organizadas e respeitadas suas respectivas características, pois, seguindo na orientação de Tocqueville e William Kornhauser, um possível modelo ideal de sociedade se fundamenta no “pluralismo” (REIS, 2002, p. 23). Este respeito à diversidade de idéias não é uma cultura desenvolvida no caso brasileiro que, segundo Santos Júnior (2005) e Chauí (2005), traz na sua formação uma sociedade escravista e colonial que bloqueou as liberdades civis e políticas do seu povo. Existiram outras formas de envolvimento comunitário no Brasil fora da esfera política: “[...] grandes festas, da religião e da assistência mútua, que reuniam ex-escravos, imigrantes, classe média e proletária em torno de uma esfera de reconhecimento que não estava sendo produzida no âmbito da política” (SANTOS JÚNIOR, 2005, p. 45). Para Marilena Chauí (2005) na atualidade o cidadão é comparado à figura do consumidor uma vez que a “indústria política”, amparada pelos meios de comunicação de massa, difundem às demais classes sociais um espetáculo informacional que representam os interesses e privilégios da classe dominante. Mesmo quando alguns grupos, fora da elite, se mobilizam para reivindicar determinados interesses suas ações de contestação ao modelo social instaurado são difundidas como “de perigo e desordem” (CHAUÍ,

2005, p. 27). Conclui a mesma autora que a prática democrática participativa, apesar dos diversos interesses existentes na sociedade, é um desafio e uma conquista. Mais que um desafio é uma necessidade uma vez que as demandas no meio urbano crescem num ritmo superior à capacidade da administração pública em atendê-las, como propõe o Ministério das Cidades (2005) cada municipalidade deve identificar a sua própria realidade para direcionar as ações de planejamento valendo-se, neste processo, da colaboração comunitária. Como salienta Rattner (1999), a exclusão no meio urbano colabora com o surgimento de pressões no seu interior, e o caminho para a harmonização das relações entre governantes e governados é identificar, e dialogar, os anseios de todos os grupos inseridos no meio urbano. Neste sentido, Rattner (1999, p. 151) observa que:

“[...] o problema central das sociedades contemporâneas é lançar as bases para um sistema de governabilidade democrática sustentável, criando relações de confiança recíproca entre poder público e os cidadãos, em todas as esferas e níveis da sociedade, desde as relações interpessoais e até as institucionais”.

Para Betânia Alfonsin (2006) há, na mesma base territorial, uma cidade formal e uma outra informal, sendo que esta última é o resultado da segregação social imposta às classes mais pobres, que, na ausência de programas governamentais de habitação, contribuem com a degradação ambiental ao recorrerem ao mercado imobiliário ilegal, alocando-se em áreas ambientalmente vulneráveis. Desde a Constituição Federal de 1988 os municípios brasileiros vêm gozando de uma maior autonomia, mas a transferência de poder do federal e estadual para o municipal acaba sendo de modo abrupto e inconseqüente, uma vez que o município é obrigado a arcar com responsabilidades sem a devida estrutura capaz de absorvê- las, pois, do modo que está sendo feito, há um “[...] claro esforço por parte do Governo central de transferir os custos políticos do processo de descentralização para os estados e municípios” (MELO, 1996, p. 19). Deste modo, há na esfera local o distanciamento das esferas de poder que contribui para o enfraquecimento da instituição política local (FREY, 2000), mesmo porque os instrumentos de planejamento existentes não são suficientes para arcar com as demandas crescentes no meio urbano (VILLAÇA, 2005). A alternativa à desordem iminente vem sendo propagada por Tocqueville a mais de um século, ou seja, fazer com que as

instituições políticas locais ensinem ao cidadão “o uso responsável da liberdade” para que o mesmo desenvolva maior comprometimento com o meio em que vive (TOCQUEVILLE apud FREY, 2000, p. 93). Neste sentido, Hereth identificou que “[...] só quem experimentou a liberdade prática poderá desenvolver o gosto pela discussão e pela ação política e perceber a liberdade de ação como um valor almejável” (HERETH apud FREY, 2000, p. 93).