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2 ASPECTOS DA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL

2.3 LIMITAÇÕES DA PARTICIPAÇÃO POPULAR NA GESTÃO DOS

2.3.3 A política nacional de recursos hídricos e os grandes usuários

No item 2.2.4 foi tratado do papel dos usuários junto à política nacional de recursos hídricos e das iniciativas legais de envolvimento dos diversos setores de usuários junto à gestão de tais recursos. Contudo, a relação entre estes setores historicamente no Brasil foi marcada pela falta de eqüidade quanto o atendimento dos interesses de cada grupo (PNRH, 2006). É o caso do setor hidroelétrico em relação aos moradores das áreas inundadas que foram obrigados, estes últimos, a se organizarem na segunda metade da década de 1970 em movimentos sociais destinados a atender os seus interesses então agredidos (VAINER, 1996, p. 185). Outro setor que se utiliza em larga escala dos recursos hídricos, no caso brasileiro, é o agropecuário uma vez que recorre à irrigação despendendo grandes quantidades de água, influenciando a disponibilidade para os demais setores de usuários (PNRH, 2006, p. 80). É de grande relevância a necessidade de produção de alimentos para suprir a população de um País como o Brasil que dispõe de mais de 180 milhões de habitantes, e, como conseqüência, há a pressão sobre o setor agropecuário que, conforme dados do Mapa – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dispõe de 388 milhões de hectares de terras férteis donde 90 milhões de hectares ainda não foram explorados, e, ainda, não recorreram ao recurso da irrigação (PNRH, 2006, p. 77).

Outro setor relevante no consumo de recursos hídricos é o da indústria que durante o processo de industrialização nacional, e o conseqüente adensamento urbano, principalmente na década de 1970, se apossou dos espaços urbanos sem um canal de negociação envolvendo os diversos interesses dos setores ali inseridos, o resultado foi a baixa qualidade de vida de populações como no caso de Cubatão

onde o foram registradas grandes concentrações de chumbo e mercúrio nos corpos aquáticos (BARBOSA, 1995, p. 197). Sônia Regina da Cal Seixas Barbosa identificou a incidência de doenças neste município associadas à contaminação do ambiente, principalmente da água utilizada para o abastecimento público. Ao estudar o município de Paulínia, a mesma autora constatou que num período de 15 anos aumentou a mortalidade dos seus habitantes, justamente no mesmo período em que se iniciou o processo de industrialização da cidade (BARBOSA, 1995, p. 200). No caso brasileiro, as indústrias de pequeno e médio porte, que representam 90%, utilizam as redes públicas para captação e lançamento de seus efluentes, já para as grandes empresas a disponibilidade de recurso hídrico, embora de caráter estratégico, é de pouca relevância pelos grupos empresariais quando das suas decisões corporativas, que se preocupam mais com questões ligadas à isenção de impostos e obtenção de mão-de-obra barata para determinar seus investimentos em dada região (PNRH, 2006, p. 78).

Estes dois grandes setores ligados à produção estão dependentes de um terceiro que além de relevante também dispõe de grande estrutura para negociar seus interesses. O território brasileiro dispõe de uma grande capacidade de geração de energia através do uso de usinas hidrelétricas (UHE), que, em associação com fontes renováveis ligadas à biomassa, representam 80% da oferta de energia elétrica nacional capaz de estimular o crescimento do PIB, no período de 1990 a 2003, na chamada elasticidade-renda do consumo de energia elétrica, em 1,73 (PNRH, 2006, p. 78).

A criação da Lei Federal n. 9.433/97 pode colaborar na formação de diretrizes de desenvolvimento urbano onde os corpos aquáticos possam garantir a subsistência das comunidades vizinhas, a fim de se evitarem casos como os do manancial de Guarapiranga que está sujeito à contaminação, dado desenvolvimento urbano excludente e da especulação imobiliária irregular que leva famílias de baixa renda a alocaram-se nas suas proximidades, gerando, assim, a sua degradação (MARCONDES, 1999, p. 209). A criação do Comitê de Bacias Hidrográficas, previsto na Lei Federal n. 9.433/97, ainda não é uma garantia de aproximação dos interesses dos diversos setores ao se discutir o uso da água, pois Daniela Nogueira ao estudar a composição e atuação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas identificou que o Comitê foi criado de forma “artificial”, onde os representantes oriundos do pode público submetiam com maior influência seus interesses sobre os

demais membros, que participavam do Comitê apenas formalmente. Neste caso estudado restou demonstrado que “[...] a existência de uma política de caráter descentralizador e participativo não é condição suficiente para o engajamento de amplos setores envolvidos com a questão” (NOGUEIRA, 2006, p. 09). Para Machado a gestão pública descentralizada e participativa dos recursos hídricos encontra um grande desafio na cultura política do Brasil, que está historicamente fundamentada na centralização do processo decisório em torno do poder público e dos seus técnicos. Ressalta-se que a elite política em atividade no País representa determinados interesses, e os técnicos, na condição de funcionários públicos, reproduzem uma cultura arraigada de “saber o quê é melhor para todos”, mesmo diante das constantes mudanças das condições e interações sociais (MACHADO, 2003, p. 130).

Indagar-se qual o modelo de sociedade é almejada no atual modelo de desenvolvimento das cidades, mas fica explícita a necessidade de se criarem novos instrumentos de mediação das relações setoriais a fim de atender as transformações sócio-ambientais vinculadas aos processos urbano-industriais (BARBOSA, 1995, p. 207). O Plano Nacional de Recursos Hídricos identificou a necessidade de desenvolver o aparelhamento institucional capaz de corrigir e compatibilizar as demandas dos diversos usuários da água. A histórica disputa destes setores de consumidores refletiu a desarticulação institucional dos órgãos do poder público, nas diversas instâncias federativas, no tocante à formulação e implementação de políticas públicas voltadas aos recursos hídricos (PNRH, 2006, p. 80). Para Barbosa (1995, p. 207) a consolidação de um modelo de gestão que privilegie a participação de diversos atores apenas será possível quando for atendida a melhoria da qualidade de vida da população urbana, sendo que este fator por si só é capaz de impulsionar o processo de resgate da cidadania participativa voltada a atender os problemas existentes na realidade local.