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A embriaguez ao volante na Lei n 12.760/12

Logo após a aprovação do Projeto de Lei que propôs nova alteração no artigo 306 do CTB, Gomes (2012, p. 01) relatou o seguinte:

Depois que o STJ determinou, em março deste ano, que o exame de sangue e o bafômetro (etilômetro) eram as únicas provas aceitáveis no delito de direção embriagada do artigo 306 do Código de Trânsito, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei (de autoria de Hugo Leal) para acabar com a exigência dos 6 decigramas de álcool por litro de sangue e resolver o problema probatório, aceitando outro meio permitido em direito. O projeto foi para o Senado e acaba de ser aprovado, sem alterações. A presidente o sancionou antes do

final do ano. Trata-se de uma nova lei seca. Vai funcionar?[...]

Novamente com a intenção de reduzir o número de vitimados no trânsito e corrigir os erros cometidos com a entrada em vigor da Lei n. 11.705/08 (Lei Seca), o legislador apresenta a Lei n. 12.760/12, que, ao seu ver, acabará com os problemas de penalização dos condutores que insistem em dirigir embriagados, bem como irá regular os questionados meios de prova para a confirmação do crime em testilha.

Cabette (2013, p. 50-51) faz comentários sobre o fracasso da Lei 11.705/08 (Lei Seca), mencionando que a Lei 12.760/12 (Nova Lei Seca) veio para “consertar” os equívocos cometidos pelo legislador em ocasião anterior. Para ele

Ao erigir a concentração etílica em elemento do tipo o legislador, fez com que o dispositivo ficasse sob o controle não das agências estatais de repressão e prevenção; mas do próprio infrator. [...] É nesse contexto que surge a iniciativa do legislativo de aprovar a Lei 12.760/12, a fim de consertar, pelos meios adequados, os equívocos cometidos na edição da Lei 11.705/08. [...] Com uma dicção mais sofisticada o legislador tenta disfarçar a vergonha de ter de retomar a antiga redação de 1997 do artigo 306, CTB. Na verdade é isso mesmo, retomou-se a sistemática da velha, simples e boa “influência” de álcool ou outras substâncias, sem necessidade nenhuma de referência a índices de alcoolemia, que somente trouxeram dificuldades, senão inviabilidade em determinados casos, de aplicação do dispositivo.

Mais uma vez, tem-se necessária a transcrição da íntegra do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro que, em menos de cinco anos de vigência, é novamente alterado. Assim, com base na Lei n. 12.760/2012, apresentada agora como a “Nova Lei Seca”, mostram-se as alterações ocorridas no artigo que segue:

Artigo 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência (Caput com redação

determinada pela Lei n. 12.760, de 20-12-2012).

Penas: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1.º – As condutas previstas no caput serão constatadas por: (§ 1.º ,

caput, acrescentado pela Lei n. 12.760, de 20-12-2012).

I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou (Inciso I acrescentado pela Lei n. 12.760, de 20-12-

2012).

II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran,

alteração da capacidade psicomotora. (Inciso II acrescentado pela

Lei n. 12.760, de 20-12-2012).

§ 2.º – A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida

mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova (§ 2.º acrescentado pela Lei n. 12.760, de 20-

12-2012).

§ 3.º – O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos

testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo (§ 3.º acrescentado pela Lei n. 12.760, de 20-12-2012).

Pela transcrição do novo dispositivo regulador do crime de embriaguez ao volante, verifica-se que ocorreram várias mudanças no dispositivo legal, além da

inclusão de três parágrafos, sendo o primeiro deles parágrafo caput com dois incisos.

Analisando-se o teor da referida norma, constata-se de imediato que houve a exclusão dos índices referentes à concentração alcoólica, haja vista que a nova norma considera como crime o simples fato de o condutor “dirigir sob a influência de álcool ou qualquer outra substância que cause dependência”, independente da concentração.

Mesmo ciente da fiscalização deficitária, o legislador manteve a figura do perigo, estabelecendo punição ao agente que somente tenha probabilidade de causar risco à outrem, não exigindo, por consequência, a efetivação de um dano.

Cabette, (2013, p. 53-55), refere que o perigo causado pelo condutor que dirige veículo automor sob a influência de álcool é algo “indiscutível”. Assim, o crime de embriaguez ao volante em sua concepção

[...] não é nem de perigo abstrato, mais especificamente, de perigo notório [...] não há índices seguros de álcool e direção. Não cabe ao indivíduo decidir se está ou não em condições de dirigir após beber.

Nessa linha de pensamento, Gomes (2012, p. 1) enfoca que o rigor presente na norma em nada mudará os índices de violência no trânsito se não houver forte fiscalização, relatando que

Sem severa fiscalização e persistente conscientização de todos, motoristas e pedestres, nada se pode esperar de positivo na nova lei.

Em sequência, no tocante às provas, o condutor que se submeter ao etilômetro (bafômetro) será analisado de acordo com os índices previstos no inciso I do parágrafo primeiro, os mesmos que faziam parte do caput da redação antiga do artigo, quais sejam, concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar.

Por outro lado, em havendo a negativa ao bafômetro, poderá o agente fiscalizador se utilizar dos meios de prova constantes no parágrafo segundo do

mencionado artigo, (teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos), observado, porém, o direito à contraprova que, para Cabette (2013, p. 72), veio disposto com a intenção de respeitar o contraditório e a ampla defesa, observando o devido processo legal.

Nesse aspecto, Cabette (2013, p. 52) indica como o novo dispositivo deve ser utilizado:

Segundo a normativa enfocada, tal constatação se dará por duas vias alternativas. É preciso ressaltar sempre que os incisos I e II são ligados pela conjunção alternativa “ou”, de modo que devem ser interpretados separadamente, sem qualquer necessidade de integração, a não ser diretamente com o “caput”. Ou seja, não há necessidade, para a comprovação da alteração da capacidade psicomotora, que o agente incida nos incisos I e II, mas, sim, que incida no inciso I “ou” no inciso II. É claro que, se houver no caso concreto, incidência dupla, tanto melhor, mas isso não é exigível e, muito menos, imprescindível para a caracterização do crime.

Paulo José Rezende Borges (2012, p. 1) traz a ideia de que a Nova Lei Seca continua conflituosa, ainda mais quando o assunto é focado aos meios de prova, para ele

O problema é a nova brecha criada pelo legislador. A redação dada ao CTB exige que a capacidade psicomotora do motorista esteja alterada para a ocorrência do crime. Por um lado, a lei estabeleceu um patamar máximo de alteração da capacidade psicomotora que é admitido e não configura crime [...] Por outro lado, a mesma lei garante, em qualquer hipótese, o direito à contraprova. Assim, os limites máximos de consumo de álcool previstos na lei estabelecem presunções relativas de alteração da capacidade psicomotora, admitindo contraprova pelo motorista, que poderá demonstrar que a quantidade de álcool que consumiu não altera sua capacidade psicomotora mais do que o permitido [...]

Albeche (2012, p. 2-5) relata que

A novidade no tipo penal está na retirada do caput da concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. [...] Não bastasse isso, a alteração legislativa fez questão de frisar o alargamento dos meios de prova que poderão ser utilizados para a comprovação da embriaguez ao volante. [...] O fato é que não é mais necessária a realização do bafômetro ou exame de sangue para que haja a prisão em flagrante por crime de embriaguez ao volante. Se antes bastava a negativa pelo condutor em se submeter a tais exames, diante do

princípio de que ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo, hoje basta a incidência de prova testemunhal para que haja, no mínimo, a condução do indivíduo até a Delegacia de Polícia para deliberação pela Autoridade Policial.

Sobre a exclusão dos índices de concentração alcoólica, Gomes (2013, p. 1) relata que

O Brasil, com a política da “tolerância zero” de álcool no sangue, se tornou um dos 12 países do mundo mais rigorosos em matéria de embriaguez ao volante. Dentre os 82 países pesquisados pela International Center for Alcohol (EUA) (Folha de S. Paulo de 25.06.08, p. C3), 11 deles adotavam a tolerância zero de forma absoluta: Armênia, Azerbaijão, Colômbia, Croácia, República Tcheca, Etiópia, Hungria, Nepal, Panamá, Romênia e Eslováquia. A esse rol agora temos que acrescentar o Brasil, 12º país a se incorporar ao restrito grupo da tolerância zero.

Ainda sobre as provas, Albeche (2012, p. 3, grifo nosso) faz referência à Resolução 206, de 20 de Outubro de 2006, do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), relatando que a mesma

[...] em seu anexo, elenca diversas diretivas para tal aferição. Citando algumas, exemplificativamente, estão aspectos quanto à aparência (sonolência, olhos vermelhos, vômitos, soluções, desordem nas vestes, odor de álcool no hálito), atitude (agressividade, arrogância, exaltação, ironia, dispersão), orientação (se o condutor sabe onde está, sabe a data e a hora), dentre outros. Desta forma, já se tem diversos aspectos que devem ser sopesados para aferição da alteração do estado psicomotor.

Por sua vez, Cabette, (2013, p. 59), na oportunidade em que tece comentários sobre a maneira em que deve ocorrer a utilização dos meios de prova, (Resolução CONTRAN 432/13), elencados na nova redação do artigo 306, relata que, ao seu ver, a Nova Lei Seca é de perigo abstrato (quando a prova ocorre pela aferição dos índices de alcoolemia constantes no parágrafo 1º, inciso I) e de perigo concreto (quando a prova recai no inciso II, do referido parágrafo, que trata dos sinais indicativos da alteração psicomotora), segundo ele

Neste inciso II, caberá à acusação indicar quais são os sinais indicativos de perigo concretamente existente, porque demonstram a alteração da capacidade psicomotora do condutor. Não há aqui uma taxa que já nos oferta resposta pronta. É preciso perquirir esses

sinais que podem ser: o andar cambaleante, a fala pastosa, a agitação, a depressão, o sono ao volante, a falta de concentração, a consciência alterada, a direção em descontrole, a falta de coordenação motora ou sua deficiência etc. (vide artigo 5º., e Anexo II da Resolução Contran 432/13 que indicam, não somente a forma de aferição, mas em que consistem os sinais de alteração da capacidade psicomotora do condutor).

Acerca da exclusão dos índices de alcoolemia, e acompanhando o raciocínio de Gomes (2013, p. 1-2) ao citar reportagem da Folha de São Paulo (31.01.13, p. C), devidamente autorizada pela Polícia Militar, o autor exemplifica como a lei é rigorosa citando o seguinte teste:

[...] uma pessoa comeu um bombom com licor, outra usou um enxaguante bucal e a terceira bebeu 200 ml de cerveja (menos de meio copo de cerveja). Em seguida passaram pelo etilômetro (bafômetro). Resultado: 0,08 mg, 0,34 e 1,31 mg, respectivamente. A primeira situação teria sido enquadrada na infração administrativa e

as duas últimos no crime do artigo 306.

Nessa linha de entendimento, Gomes (2013, p. 3, grifo nosso), afirma que

Uma legislação tão rigorosa como a que temos agora acaba desestimulando até mesmo a colaboração do motorista, que certamente vai raciocinar da seguinte maneira: é melhor não fazer nenhum tipo de teste e deixar que tudo seja julgado pelos “sinais indicadores da embriaguez”, que implicam uma valoração subjetiva fluida e lotérica. Soprando o etilômetro, com certeza vai haver punição e até mesmo injustiça. Não soprando, pode ser que sim, pode ser que não. Logo...

Já Cabette, (2013, p. 59), ao tratar da possibilidade de negativa ao meios de prova pelo condutor, refere que

Agora, se o condutor se nega, usando de um direito constitucional seu, a submeter-se a exames de sangue ou de etilômetro, nada impede sua prisão em flagrante, seu processo e condenação, com base em outras provas, dentre as quais se destaca aquela que sempre foi a protagonista nestes casos, qual seja, o exame clínico de

embriaguez levado a efeito pelo Médico – Legista. [...] Não é mais o

próprio suspeito que irá decidir se haverá produção de provas contra si. São as agências estatais que irão produzir as provas necessárias, através de exames, testes ou outros meios legais que independem da colaboração do indigitado.

Considerando o exposto, apesar do forte rigor apresentado pela nova redação do artigo 306, os meios de prova ainda não são capazes de garantir a efetiva punição/condenação dos condutores que infringirem a norma. Isso porque, o condutor que se negar a realizar o teste do bafômetro ou o exame de sangue, embora possa ser enquadrado nas sanções do artigo 306 pelos demais meios de prova aceitos, não tem garantida sua condenação se as provas apresentadas pelo agente fiscalizador não forem robustas, confirmando os sinais indicativos da embriaguez do motorista, razão pela qual podem ser consideradas inaptas a comprovar o crime pelo julgador, não restando outro caminho que não o da absolvição do condutor.

Cabette, (2013, p. 60), estabelece que as provas devem ser analisadas de forma cuidadosa pelo magistrado sentenciante, observando-se o Princípio Processual Penal do “in dubio pro reo”, assim

[...] cada caso concreto deve ser cuidadosamente analisado pelo julgador, de modo que se, embora havendo indicação positiva de ebriedade, através de um dos meios de prova dispostos, também houver, de acordo com o conjunto probatório, uma dúvida razoável sobre a embriaguez, se impõe a absolvição.

Por conseguinte, Gomes, (2013, p. 1-2), novamente faz comentários sobre o contínuo aumento do número de vitimados no trânsito mesmo após a entrada em vigor da Nova Lei Seca, indicando, ainda, o programa Parada, lançado pelo governo em 2011, para conscientizar os condutores acerca da importância do respeito das normas de trânsito, para ele

Como se vê, a nova lei seca, apesar das promessas e esperanças de que poderia solucionar o problema, tem tudo para dar em nada, em termos de diminuição de acidentes e mortes no trânsito. [...] De 2009 para 2010, logo depois de passada a ressaca da lei seca de 2008, aconteceu o maior aumento de óbitos no trânsito de toda nossa história: 13,96%. Aumento notável na frota de veículos, sobretudo de motocicletas (hoje com 75 milhões no total), frouxidão na fiscalização, morosidade na punição e erros crassos na lei, tal como a exigência de comprovação de 6 decigramas de álcool por litro de sangue: foi dessa maneira que chegamos em 2010 a 42.844 mortes (dados do Datasus). [...] As prisões, depois da lei nova, explodiram. Mas as mortes não diminuíram. No ano de 2011 aconteceram 8.600 óbitos nas rodovias federais. Isso levou o governo a lançar (maio de

2011) o Pacto Nacional pela Redução de Acidentes (Parada). Mesmo assim as mortes não pararam.

Finalizando, verifica-se que a Nova Lei Seca, apesar de reconhecidamente rigorosa, está com novos interesses e disposições para que ocorra a punição dos condutores que desobedecerem o novo texto legal, uma vez que se tentou remodelar a redação do artigo 306 atentando-se aos princípios constitucionais. Desse modo, apesar das críticas levantadas pelos doutrinadores da área, nos resta esperar a real efetividade da norma, com a devida diminuição nos índices de violência no trânsito ou somente mais um fracasso do legislador, que dominado pelo populismo penal mais uma vez pode ter posto em vigor uma norma que não trará resultados.

2.3 A embriaguez ao volante no anteprojeto de reforma ao código penal

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