• Nenhum resultado encontrado

Aspectos penais da conduta de embriaguez ao volante

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Aspectos penais da conduta de embriaguez ao volante"

Copied!
58
0
0

Texto

(1)

GRANDE DO SUL

JARDEL JÔNATAS JULIANI

ASPECTOS PENAIS DA CONDUTA DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Ijuí (RS) 2013

(2)

JARDEL JÔNATAS JULIANI

ASPECTOS PENAIS DA CONDUTA DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2013

(3)

Dedico este trabalho aos meus pais, Vicente e Ivete, bem como às minhas irmãs, Lucélia e Luciana, e ao meu sobrinho, Vicente, a quem tanto amo e estimo.

(4)

AGRADECIMENTOS

À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança nas batalhas da vida e com quem aprendi que os desafios sempre devem ser encarados com garra, até mesmo quando desconhecemos que estamos preparados, pois a persistência é nossa principal ferramenta para obtermos êxito na carreira que escolhemos.

À minha orientadora Ester Eliana Hauser, com quem eu tive o privilégio de conhecer o Direito Penal, assistindo suas magníficas aulas, e contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

Aos professores do curso, responsáveis pelos conhecimentos angariados ao longo dos anos de faculdade, em especial aos professores Luiz Paulo Zeifert e Anna

Paula Bagetti Zeifert, responsáveis pelo auxílio na parte técnica do presente

trabalho.

Aos meus colegas de trabalho do Fórum de Coronel Bicaco, em especial:

Ao Exmo. Juiz de Direito, Dr. Ruggiero Rascovezski Saciloto, que acreditou em meu desempenho, me aceitando como estagiário do gabinete;

A exemplar Assessora e Amiga, Rosângela Wohlenberg, que me impulsionou a perseguir meus objetivos, estando sempre disposta a contribuir na solução das dificuldades enfrentadas durante a jornada acadêmica e de estágio;

(5)

A acessível Juíza de Direito Substituta, Dra. Laura Ruschel Anes Lira, que sempre valorizou meu potencial e que vem me incentivando a aprimorar os meus estudos na carreira jurídica;

Aos colegas das Promotorias de Justiça de Santo Augusto e Coronel Bicaco, em especial:

A Exma. Promotora de Justiça, Dra. Marlise Cordenonsi Bortoluzi, pelo grande exemplo passado aos estagiários em suas grandiosas manifestações em plenário, bem como por ser uma promotora acessível e conhecedora das dificuldades enfrentadas pelos estudantes e estagiários ao longo da caminhada acadêmica;

Ao Assessor, Amigo, e agora Defensor Público do Estado, Dr. Dany Zart, pelas orientações jurídicas e manifestações de crédito acerca do meu desempenho acadêmico e profissional.

Todas as pessoas acima referidas colaboraram, de uma forma ou outra, sempre que solicitadas, com boa vontade e generosidade, enriquecendo o meu aprendizado, razão pela qual merecem o meu agradecimento.

(6)

“Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, lute pela Justiça.”

(7)

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise pormenorizada do artigo 306 da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), que trata do crime de embriaguez ao volante, e do papel do direito penal na contenção da violência no trânsito. Relata, de forma sucinta, alguns dos princípios constitucionais penais orientadores da intervenção punitiva do Estado, analisando a adequação da norma supramencionada a tais princípios. Analisa o conflito das leis que propuseram alterações no mencionado artigo, em especial as leis n. 11.705/08 (Lei Seca) e n. 12.760/13 (Nova Lei Seca), fazendo comparativos entre as alterações legislativas e a norma originária. Investiga os principais problemas contidos na redação do artigo 306 do CTB, tentando diagnosticar os motivos da inexistência de uma aplicação efetiva e igualitária da presente norma de trânsito. Faz uma breve análise do projeto de alteração ao Código Penal na parte que trata do crime de embriaguez ao volante e tece considerações sobre o mesmo. Por fim, faz uma análise crítica do tratamento punitivo da conduta de embriaguez ao volante, demonstrando que o legislador deve priorizar os princípios constitucionais penais (garantias constitucionais do indivíduo/condutor) no momento de criação e/ou modificação das normas, a fim de evitar conflitos e garantir a plena efetividade do texto legal.

(8)

This final project is a detailed analysis of the article 9.50397 of law number 306 (Brazilian traffic code/ BTC), which deals with the offence of drunkenness at the wheel and the role of criminal law in the containment of violence in traffic. Reporting, briefly some of the constitutional principles guiding criminal punitive state intervention by examining the adequacy of the abovementioned standard to such principles. Examines the conflict of laws proposed changes in that articles, of the laws n. 11.70508 (former law) and n. 12.76013 (new law), making comparisons between the legal changes and the original regulation. Investigates the key issues contained in the article 306 of the BTC, trying to diagnose the reasons for the lack of an effective and equitable application of this regulation transit. Making a brief analysis of the amendment to the Criminal Code in the part which deals with the offence of drunkenness at the wheel and weaving the same considerations. Finally, makes a critical analysis of the punitive treatment of drunkenness at the wheel. In this situation, demonstrating that the legislature should prioritize constitutional principles (guarantees of individual-conductor) at the time of creation or modification of the rules in order to avoid conflicts and to ensure the full effectiveness of the legal text.

(9)

INTRODUÇÃO ... 9

1 SOCIEDADE DE RISCO: VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO E DIREITO PENAL ... 11

1.1 Sociedade contemporânea como sociedade de risco ... 12

1.2 Violência no trânsito ... 14

1.3 O Controle da violência no trânsito e o papel do direito penal ... 18

1.3.1 Crimes de dano e de perigo ... 18

1.3.2 Princípios da ofensividade e da proporcionalidade frente aos crimes de perigo ... 20

2 O TRATAMENTO LEGAL DA CONDUTA DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE ... 25

2.1 O tratamento do crime de embriaguez ao volante sob a égide da Lei n. 9.503/97 e as alterações trazidas pela Lei n. 11.705/08 ... 26

2.2 A embriaguez ao volante na Lei n. 12.760/12 ... 37

2.3 A embriaguez ao volante no anteprojeto de reforma ao código penal brasileiro ... 44

2.4 O tratamento punitivo da embriaguez ao volante e o papel do direito penal na contenção da violência no trânsito ... 46

CONCLUSÃO ... 52

(10)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da redação do artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, que trata do crime de embriaguez ao volante, e das alterações legislativas que, nos últimos anos, alteraram o mencionado dispositivo, em especial as trazidas pelas Leis n. 11.705/08 (Lei Seca) e n. 12.760/12 (Nova Lei Seca). Essa análise se faz necessária a fim de diagnosticar a eficácia da norma, a obediência aos parâmetros constitucionais, além de verificar a eventual redução nos índices de violência no trânsito e da existência de uma educação voltada ao respeito das normas viárias, bem como com o intuito de averiguar as razões das constantes modificações na redação do artigo 306 do CTB.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando-se também a proposta legislativa de inclusão da matéria em debate no novo Código Penal, a fim de engrandecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento maior do tema, enfocando, ainda, a necessidade de criação, interpretação e alteração das normas com vistas aos princípios constitucionais penais existentes.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem sobre a violência no trânsito e o papel do Direito Penal na contenção dos índices de violência. Para isso, foram retomadas algumas tendências da política criminal contemporânea, com o intuito de demonstrar o que embasa a chamada Sociedade de Risco, que implica, de forma direta, na atuação do legislador que, ao elaborar ou alterar as normas penais, deve observar, em regra, os anseios e carências dos grupos sociais a que a norma se destina. Nesse caminho, foram analisados, também, conceitos sobre os crimes de Dano e de Perigo, que se fazem necessários para a análise e

(11)

compreensão do texto legal, que será amplamente abordado no segundo capítulo. Também foram apresentados alguns princípios penais limitadores da intervenção penal, que devem ser conhecidos antes da análise do artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, a fim de ser diagnosticado se a norma penal em estudo respeita os parâmetros constitucionais.

No segundo capítulo é realizada uma análise mais aprofundada do artigo 306, que trata do crime de embriaguez ao volante, desde a sua primeira redação, com a entrada em vigor da Lei n. 9.503/97, que introduziu em nosso sistema o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, além das alterações trazidas pelas Leis n. 11.705/08 (Lei Seca) e n. 12.760/12 (Nova Lei Seca). É realizado um comparativo entre a norma penal originária do artigo 306, e as suas alterações, com a finalidade de se diagnosticar os acertos e erros do legislador ao criar e modificar o texto legal, especialmente no que diz respeito aos meios probatórios para a configuração do crime de embriaguez ao volante. A fim de aprofundar o estudo sobre a temática, são feitos comparativos do artigo 306 com as normas que integram o anteprojeto de reforma ao Código Penal, no que diz respeito aos crimes de trânsito. Por fim, apresenta-se diversos posicionamentos doutrinários que indicam como deve ocorrer o tratamento punitivo do crime de embriaguez ao volante, visando à efetiva e igualitária aplicação das sanções que a norma penal prevê e a redução dos índices de violência no trânsito.

A partir desse estudo se verifica a importância da Legislação de Trânsito, em especial da norma do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, que coíbe a direção em condições de embriaguez, na contenção da nefasta violência viária que, de ano em ano, vem apresentando índices de morte alarmantes, razão pela qual merece maior atenção do legislador, e demais operadores do direito, na construção de uma norma dotada de eficácia e na valorização de campanhas voltadas à educação no trânsito.

(12)

1 SOCIEDADE DE RISCO: VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO E DIREITO PENAL

A violência no trânsito é resultado da constante evolução da sociedade e do próprio desenvolvimento do país uma vez que, ano a ano, significativamente o número de veículos automotores em circulação nas vias urbanas e também nas estradas. Assim, em contrapartida, há o surgimento de níveis cada vez maiores de violência no trânsito, pelos mais diversos fatores, dentre os quais se destacam o excesso de velocidade e o uso incontrolado de substâncias alcoólicas, ou qualquer outra que cause dependência, com ato de dirigir veículos automotores.

Acompanhando a concepção de Fabiano Augusto Valente (2012, p. 10), o processo de criação do Código de Trânsito Brasileiro se dá diante do aumento de acidentes de trânsito no país, o qual é resultado do próprio processo de globalização e desenvolvimento da sociedade, que passa a ter a necessidade de locomoção, somado ao aumento da circulação de veículos, incluídos os de carga e transporte, e das próprias manifestações naturais.

Em suma, diante dos danos e do sofrimento causado às vítimas e familiares, surge a Lei n. 9.503/97, que introduziu o Código de Trânsito Brasileiro em nosso sistema, na tentativa de regular a conduta em vias públicas, exigindo, por consequência, uma educação voltada ao respeito das normas viárias. A intenção do legislador foi minorar os índices de violência no trânsito e estabelecer regras para o fiel cumprimento das normas de circulação viária.

Ocorre que, na tentativa de se reduzir ainda mais o número de acidentes e vitimados no trânsito, surge a Lei n. 11.705/2008, mais conhecida como Lei Seca, alterando de forma brusca os dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, em especial o artigo 306, que trata do crime de embriaguez ao volante, trazendo consigo uma série de conflitos que passaram a implicar na sua real aplicabilidade ao caso concreto, frente ao desrespeito dos princípios constitucionais penais, que deveriam ter sido observados no momento de modificação da referida legislação. Posterior a isso, tem-se também o surgimento da Lei n. 12.760/12 (Nova Lei Seca) criada para corrigir os fracassos explícitos trazidos pela Lei n. 11.705/08 (Lei Seca).

(13)

E assim, a importância do estudo da temática ganha relevo, sendo cada vez mais necessário e importante o entendimento e constante interpretação das normas penais que passam a surgir no ordenamento jurídico, levando-se em consideração os princípios constitucionais penais. Atualmente são várias as causas e circunstâncias que provocam os acidentes de trânsito, sendo que as penas devem, em regra, ser proporcionais a conduta e o dano praticados pelo agente, a fim de evitar flagrante inconstitucionalidade da norma reguladora, diante do desrespeito aos referidos princípios que devem prevalecer quando colidirem com as normas.

Tendo como referência esta realidade, neste capítulo serão abordados alguns tópicos de grande relevo para a posterior análise e compreensão da temática que, de alguma forma, influenciaram o processo de criação e modificação da legislação de trânsito, com o intuito de reduzir os níveis de violência no trânsito, em especial os provocados pela conduta de embriaguez ao volante.

1.1 Sociedade contemporânea como sociedade de risco

Diego Romero (2006, p. 2), quando apresenta considerações sobre a sociedade contemporânea, relata que

[...] o extraordinário desenvolvimento da sociedade da era industrial, não obstante ter sido responsável pelo incremento da qualidade de vida e pela satisfação de inúmeras necessidades humanas, trouxe consigo uma aceleração, nem sempre positiva. […] Os avanços da humanidade acabam por criar novos riscos, e, dada sua gravidade, estes assumem proporções capazes de colocar em xeque a vida no nosso planeta. São características desta sociedade pós-industrial em que estamos inseridos: globalização, integração supranacional, predomínio do poder econômico sobre o político, imprevisibilidade, risco ou aparecimento de novos riscos, insegurança, identificação da maioria social com a vítima, descrédito nas instâncias de proteção, reforço da criminalidade organizada e o consequente surgimento de um direito penal hipertrofiado e essencialmente preventivo.

Romero (2006, p. 2, grifo do autor) também se posiciona acerca da sociedade de risco, fazendo relação desta com a criação de normas de perigo abstrato, para ele

(14)

Estamos envoltos em uma sociedade de risco, na qual o homem e o planeta vivem cercados pelo perigo decorrente do exacerbado avanço tecnológico desprovido da consciência da finitude dos recursos naturais. Riscos oriundos da crença de uma tecnologia perfeita capaz de resolver todos os problemas do homem e do lugar onde ele habilita. Riscos vindos do pensamento forjado da crença apresentada pela esperança na capacidade humana, pois, carregamos conosco o dogma: o que é errado hoje será corrigido amanhã ou depois pela nossa capacidade criativa e inventiva. O certo é que vivemos numa sociedade em que a percepção e a reflexão do risco aumentaram, e a consequência óbvia desta constatação é a tentativa desenfreada de redução destes riscos que, por sua vez, debruça sua confiança no conhecimento técnico.

Diante do exposto, e acompanhando o pensamento de Rogério Maia Garcia (2005, p. 77-88), a evolução tecnológica e o processo de globalização são os principais desencadeadores da chamada sociedade de risco, uma vez que se torna impossível calcular todas as possibilidades de consequências de nossas próprias ações. Os chamados riscos e perigos de hoje são diversos aos que se faziam presentes na Idade Média, em decorrência da globalidade e do processo industrial. Com isso, há o surgimento de uma profunda sensação de insegurança, a qual é fruto dos diversos acontecimentos que passam a integrar o nosso cotidiano, como é o caso dos acidentes de trânsito, amplamente divulgados pela mídia.

Ester Eliana Hauser (2010, p. 27) ao citar Ulrich Beck (2008), quando trata da sociedade contemporânea como sociedade de risco

[...] observa que esta nasce a partir do vertiginoso desenvolvimento da sociedade industrial moderna em que, paralelamente aos avanços produzidos, também foram criados novos riscos, que assumem proporções que ameaçam a vida do planeta. Com a emergência desta moderna sociedade de risco, que acentua os medos e as inseguranças, também se vislumbra o surgimento de um Direito Penal do risco e do medo, que, longe de manter seu caráter subsidiário, tem se convertido em um direito penal expansivo, marcado pelo acolhimento de novos bens jurídicos e pelo rompimento com as garantias penais clássicas.

Por tais razões, conforme os ensinamentos de Garcia (2005, p. 78), o direito penal aparece como uma “tábua de salvação”, pois há o entendimento que quanto maior e mais rigorosa a intervenção estatal, menor será a frequência e a intensidade dessas lesões que passam a ameaçar a coletividade.

(15)

Mas isso, na prática, nem sempre ocorre de forma exitosa, sendo que, em muitos casos, a intervenção máxima estatal, embora extremamente rigorosa, não consegue dar conta do exacerbado índice de violência no trânsito, o qual, para sua redução, também carece de uma educação voltada ao respeito das normas de trânsito pelos próprios condutores.

Mas o alto rigor punitivo, adotado pelo legislador, nem sempre obtém a eficácia almejada se a lei modificada continua apresentando lacunas que, por vezes, implicam na real e igualitária aplicação das sanções, uma vez que, diante dos conflitos que surgem, muitos sujeitos infringem as normas, mas se isentam de pena.

1.2 Violência no trânsito

A evolução da sociedade, como já referido, faz com que apareçam problemas que antes não eram existentes, mas que, diante das necessidades que passam a atingir os cidadãos, se tornam frequentes, necessitando de uma resposta imediata do Estado, para que ocorra a devida contenção de determinadas condutas, com a criação ou modificação de normas jurídicas que assegurem, de forma efetiva, a segurança da sociedade em geral.

A violência no trânsito é, então, fruto da própria evolução do país, que passa a ter mais condutores, a produzir uma demanda maior de veículos automotores, a construir rodovias para a aproximação e ligação de cidades e capitais. Tudo isso em prol do desenvolvimento, que, sem a imposição de regras de controle, só surge para afetar a segurança viária.

Essa violência também está ligada ao total desrespeito das normas de trânsito, bem como em decorrência do uso de substâncias tóxicas pelos condutores, como é o caso do álcool e das drogas, as quais implicam, de forma direta, na capacidade motora do condutor.

Nesse sentido, acerca dos efeitos do álcool, João Marcelo Jr. Araújo (1997, p. 97) relata que

(16)

A intoxicação alcoólica produz no indivíduo transtornos primeira psíquicos, depois físicos. A primeira manifestação do álcool, de regra, e a loquacidade. O indivíduo sente uma extrema necessidade de falar supervalorizando a própria capacidade e desejando manifestá-la. Por outro lado a autocrítica diminui, gerando atitudes inconvenientes. Os motoristas sob pequena influência alcoólica são mais velozes e descuidados, e, por isso, perigosos. Com o aumento da quantidade de álcool no organismo outros fenômenos se manifestam, como desaceleração da voz e defeitos na articulação das sílabas e palavras. Há de regra, uma maior demora na resposta a estímulos complexos.

No mesmo caminho, Arnaldo Rizzardo (2004, p. 491) salienta que

[...] o efeito catastrófico do álcool vem reforçando os países a reduzir continuamente os limites de alcoolemia na condução de veículos, como na Inglaterra e Estados Unidos, onde é zero o nível máximo tolerado.

Porém, na concepção de Aury Lopes Jr. (2001, p. 1-2, grifo do autor)

O modelo de tolerância zero é fruto de uma equivocadíssima política repressivista norte-americana, chamada de movimento do law and

order (movimento da lei e da ordem). O law and order prega a

supremacia estatal e legal em franco detrimento do indivíduo e seus direitos fundamentais. [...] A idéia de que a repressão total vai sanar o problema é totalmente ideológica e mistificadora. Sacrificam-se direitos fundamentais em nome da incompetência estatal em resolver os problemas que realmente geram a violência.

Por outro lado, tem-se, também, o conceito de trânsito proposto pelo autor Eduardo Vasconcelos (1985, p.41):

[...] o trânsito é uma disputa pelo espaço físico, que reflete uma disputa pelo tempo e pelo acesso aos equipamentos urbanos, é uma negociação permanente do espaço, coletiva e conflituosa. E essa negociação, dadas as características de nossa sociedade, não se dá entre pessoas iguais: a disputa pelo espaço tem uma base ideológica e política; depende de como as pessoas se vêem na sociedade e de seu acesso real ao poder.

A partir desse conceito, verifica-se que, além do desrespeito às regras de trânsito, também existe uma grande disputa pelo espaço nas rodovias, a qual está inteiramente ligada à questão de poder. Assim, o melhor e mais potente carro é o sonho de consumo da maioria dos condutores, embora a velocidade máxima

(17)

permitida nas vias terrestres não exija carros tão velozes, uma vez que a principal necessidade dos veículos automotores é, em regra, a simples locomoção.

Diante disso, os condutores se esquecem da real finalidade dos veículos automotores, passando a usá-los como mero objeto de status social e infringindo as normas trânsito, que se apresentam, justamente, para propiciar o controle e a segurança da coletividade nas vias terrestres.

Desse modo, constata-se que a violência no trânsito, não é unicamente causada pelo crime de embriaguez ao volante, que é objeto de estudo do presente trabalho. Conforme aponta Gomes (2013, p. 1) existem outro fatores que implicam nessa violência, quais sejam:

Aumento notável na frota de veículos, sobretudo de motocicletas (hoje com 75 milhões no total), frouxidão na fiscalização, morosidade na punição e erros crassos na lei.

Nesse contexto, cumpre-se indicar os dados relativos ao aumento da frota de veículos, oriundos do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN.

(18)

Da análise do dados do DENATRAN, constata-se que o Brasil teve grande evolução no que diz respeito à frota de veículos no período compreendido de 1995 a 2010, haja vista que de 26.609.232 (vinte e seis milhões, seiscentos e nove mil e duzentos e trinta e dois) veículos, em 1995, passou para 64.817.974 (sessenta e quatro milhões, oitocentos e dezessete mil e novecentos e setenta e quatro) veículos no ano de 2010.

Número que chegou ao patamar de 75.179.955 (setenta e cinco milhões, cento e setenta e nove mil e novecentos e cinquenta em cinco) veículos no ano de 2012. Assim, de acordo com os dados do DENATRAN, o Brasil cresceu 143%, em relação a sua frota de veículos automotores, só período de 1995 a 2010. Índices tão gigantescos, que chegam a ser assustadores.

Acompanhando a evolução automobilística, o número de óbitos em acidentes ocorridos no trânsito também apresentou índices preocupantes após o ano de 2000, haja vista que, de acordo com o Banco de Dados do Sistema Único de Saúde, DATASUS, houve um crescimento de 40% nos índices de acidentes de trânsito com vítimas fatais no período compreendido de 2001 a 2010. Assim, o Brasil registrou 30.524 (trinta mil, quinhentos e vinte e quatro) óbitos no ano de 2001, passando para 42.844 (quarenta e dois mil, oitocentos e quarenta e quatro) o número de mortos em acidentes de trânsito no ano de 2010. E como causa, o fator humano mostra-se presente em quase todos os sinistros ocorridos no trânsito.

De igual maneira, o número de feridos também cresceu, uma vez que, só no ano de 2012, o número de feridos hospitalizados em decorrência de acidentes de trânsito, indicados pelo DATASUS (dados revisados em 10/05/2013), foi de 179.000 (cento e setenta e nove mil).

Cumpre-se informar, ainda, o constante aumento nas indenizações realizadas pelo seguro obrigatório DPVAT, que passaram de 175.000 (cento e setenta e cinco mil) no ano 2005, para 507.900 (quinhentos e sete mil e novecentas) no ano de 2012. Desse último numerário, 60.700 (sessenta mil e setecentos) foram indenizações por morte; 352.500 (trezentos e cinquenta e dois mil e quinhentos)

(19)

indenizações por invalidez e 94.700 (noventa e quatro mil e setecentos) indenizações por despesas com assistência médica.

1.3 O Controle da violência no trânsito e o papel do direito penal

Conforme abordado no tópico anterior, a violência no trânsito vem se agravando, gerando, como consequência, aumentos significativos nos acidentes de trânsito, em especial os praticados por embriaguez ao volante. Nesse sentido, embora a sociedade invoque a pior das penas, é imprescindível que o legislador busque a melhor forma de punição dos sujeitos, que acabam se envolvendo ou dando causa a acidentes de trânsito, visando a não reincidência, bem como a diminuição dos índices de violência no trânsito, sem, no entanto, infringir os princípios constitucionais penais.

Nesse contexto, Hauser (2010, p. 30-31) relata que

Diante dos medos e da insegurança gerada por novas formas de conflitividade social, o Direito Penal é empregado como instrumento para produzir tranquilidade, mediante o mero ato de promulgação de normas que, em geral, sequer serão aplicadas. Assim, o legislador responde produzindo normas penais que, em oposição ao sentimento de insegurança que se alastra na sociedade, gerarão uma sensação de segurança e tranquilidade na população.

Diante disso, o direito penal surge na tentativa de coibir determinadas condutas, com o fim exclusivo de garantir segurança e reduzir os níveis de violência no trânsito. Ocorre que não é tarefa fácil a observância dos direitos e garantias pessoais do sujeito no processo de criação ou modificação das normas.

Assim, se o legislador se utilizar do caminho mais fácil, criando normas jurídicas em desacordo com os princípios constitucionais penais, com certeza terá que, em um momento breve, realizar alterações na norma posta em vigor, em decorrência da possível ineficácia do texto legal.

(20)

Para que se possa aprofundar o entendimento acerca do papel do direito penal, com vistas ao combate da violência no trânsito é de grande relevo a análise do conceito e das principais diferenças entre os chamados crimes de dano e crimes de perigo, uma vez que parte das condutas tipificadas no Código de Trânsito Brasileiro, são condutas de perigo, não exigindo qualquer espécie de dano ao bem jurídico para sua configuração.

Fernando Y. Fukassawa (1998, p. 39, grifo do autor) faz a seguinte definição:

Os tipos de crimes de perigo devem ser analisados paralelamente com os tipos de crimes de dano. Importante perceber que a classificação é feita segundo a intensidade do ataque ao bem jurídico tutelado pela norma. [...] a) crimes de dano (ou crimes de lesão). O tipo pressupõe que haja dano do objeto da ação delituosa, não havendo necessidade que, faticamente, tal ocorra. b) crimes de perigo. O tipo pressupõe que haja apenas perigo de dano do bem jurídico. Há necessidade de ocorrer esse perigo de lesão de interesses.

Por sua vez, Romero (2006, p.10, grifo nosso) apresenta a seguinte distinção:

Crime de perigo é, pois, aquele que, sem destruir ou diminuir o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, representa uma ponderável ameaça ou turbação à existência ou segurança de ditos valores tutelados, uma vez existir relevante probabilidade de dano a estes interesses. [...] Com esta medida pretende a lei penal realmente proteger o bem ou interesse jurídico que entende relevante para determinado grupo social, circunscrevendo todo seu âmbito com a proteção do Estado, prescrevendo crimes de perigo somente nos casos em que o bem jurídico necessita eminentemente de proteção. [...] os delitos de perigo concreto são aqueles que requerem, para sua verificação, a produção de um resultado, individualmente verificável no caso fático, de real perigo de dano ao objeto protegido pela norma.

Fernando Capez (2004, p. 245, grifo do autor), quando trata dos crimes de dano e de perigo, faz a seguinte contribuição:

Crime de dano: exige uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido para a sua consumação (homicídio, furto, dano etc). Crime de perigo: para a consumação, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano [...] Subdivide-se em a) crime de perigo concreto, quando a realização do tipo exige a existência de uma situação de efetivo perigo; b) crime de perigo abstrato, no qual a situação de perigo é presumida, como no caso da quadrilha ou

(21)

bando, em que se pune o agente mesmo que não tenha chegado a cometer nenhum crime; [...]

Com as definições acima, resta claro a distinção entre os crimes de dano e de perigo, os quais se auto-explicam com a simples nominação, uma vez que um exige a ocorrência de um dano efetivo, enquanto o outro se consuma com a simples ameaça ao bem jurídico tutelado. Porém, diferentemente dos crimes de perigo concreto, os quais exigem “um resultado”, os crimes de perigo, conforme propõe Romero (2010, p. 10), têm um caráter mais excepcional, devendo ser tipificados, apenas, quando o bem jurídico carecer de eminente proteção.

Verifica-se, portanto, que os crimes de perigo são aqueles que se consumam com a simples exposição do bem jurídico a perigo, não sendo exigido o resultado de dano para sua consumação, bastando a realização da conduta causadora do risco. Estes dividem-se em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstrato.

Nos crimes de perigo concreto exige-se a real comprovação do perigo ao bem jurídico tutelado, ou seja, deve-se verificar a direção anormal (condutor que dirige em zigue zague, invadindo a pista contrária ou subindo em canteiros e calçadas, etc...).

Por sua vez, nos crimes de perigo abstrato a exigência da comprovação do perigo ao bem jurídico é descartada, haja vista que presume-se que a conduta praticada pelo agente seja perigosa. Assim, não é preciso demonstrar (provar) que a conduta é concretamente perigosa ou defender-se sob a alegação de que não houve uma ofensa danosa. A exemplo disso, tem-se o fato de o sujeito dirigir sob a influência de álcool e o próprio crime de porte ilegal de arma que, uma vez executados, independente da prova da ocorrência de um dano efetivo, presumem-se atividades perigosas e, consequentemente, enquadram-se em normas de perigo abstrato.

1.3.2 Princípios da ofensividade e da proporcionalidade frente aos crimes de perigo

(22)

Com o surgimento de normas que, cada vez mais, passam a penalizar condutas de perigo abstrato, como é o caso do artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, que trata da embriaguez ao volante, é necessária a análise dos princípios contrários a esse tipo de punição, em especial o princípio da ofensividade e o princípio da proporcionalidade.

Luiz Flávio Gomes (2002, p. 28), conceitua o princípio da ofensividade da seguinte forma:

O princípio da ofensividade está encartado na idéia de “lesividade”, e pode ser expresso, sinteticamente, pela idéia de que não só existe delito sem lesão, ou perigo de lesão, ao bem jurídico protegido, senão também que, em casos de lesão escassa ou potencialidade lesiva ínfima, não se justifica a intervenção penal. Tal princípio vem ganhando protagonismo nos últimos anos e é um dos fundamentos do direito penal moderno.

Capez (2004, p. 25-26), quando trata do princípio da ofensividade estabelece que

Na ofensividade, somente se considera a existência de uma infração penal quando houver efetiva lesão ou real perigo de lesão ao bem jurídico. [...] só se considera existente o delito quando o interesse já selecionado sofrer um ataque ou perigo efetivo, real e concreto. [...] A função principal da ofensividade é a de limitar a pretensão punitiva estatal, de maneira que não pode haver proibição penal sem um conteúdo ofensivo a bens jurídicos.

Cabe-se destacar a indicação feita por Capez (2004, p. 25) ao tecer considerações sobre os motivos da tese de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato defendida por Gomes:

A atuação repressivo-penal pressupõe que haja um efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, isto é, o surgimento de, pelo menos, um real perigo ao bem jurídico. O princípio da ofensividade considera inconstitucionais todos os os chamados “delitos de perigo abstrato”, pois [...] não há crime sem comprovada lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico.

Já o princípio da proporcionalidade, segundo Luiz Regis Prado (2002, p. 122), pode ser definido do seguinte modo:

(23)

O princípio da proporcionalidade, exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo, gravidade do fato, e o bem de que possa alguém ser privado, gravidade da pena. Toda vez que nessa relação houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em conseqüência, uma inaceitável desproporção.

Com os conceitos acima, é possível se ter clareza sobre a incidência dos referidos princípios, os quais devem ser observados no momento de criação ou modificação de determinadas normas jurídicas, em especial as que pretendem penalizar uma conduta de perigo abstrato, ou seja, apenas de risco.

Assim, de acordo com a previsão de tais princípios, em destaque o princípio da ofensividade, é necessária a real e concreta afetação ao bem jurídico tutelado, não bastando a mera possibilidade de lesão, pois a mesma, em regra, não é capaz, por si só, de ensejar uma punição, uma vez que sequer há a existência de crime, ante a inexistência de dano no concreto.

De mais a mais, e sob o mesmo patamar, o princípio da proporcionalidade prevê que a pena atribuída ao sujeito que infringe determinada norma jurídica não pode ser contrária ao fato praticado, não devendo ser inferior nem superior, mas em padrão aceitável pela gravidade do fato e os danos causados. Dessa forma, diante da ausência de dano, resta impossível a aplicação de sanção penal, pois se ausentes o dano e, por consequência, a prática criminosa, inexiste a possibilidade de punição.

Romero (2006, p. 3, grifo do autor), discorre sobre o conflito que surge quando tratamos dos crimes de perigo abstrato frente aos princípios constitucionais penais, conforme suas palavras:

[...] a resposta do estado tem sido a da concepção de um Direito Penal cada vez mais punitivo, preventivo e hipertrofiado. Um desses efeitos traduz-se na abundante utilização dos tipos penais de perigo abstrato, em contraposição aos de lesão e perigo concreto do Direito Penal Clássico. Essa técnica legislativa e político-criminal das últimas décadas, mormente das duas últimas, quando a sociedade global tomou consciência dos riscos e ameaças que caracterizam o processo de evolução da tecnologia, suscita não só conflitos com

(24)

princípios fundamentais da ciência penal, senão também sérios e graves problemas de legitimação do ius puniendi, de sua fundamentação e de seus limites, já que a criminalização com uso do modelo dos tipos de perigos abstratos trata-se de flagrante antecipação da punição criminal.

Diante disso, há o nascimento de um conflito frente aos princípios constitucionais penais, em especial, o princípio da ofensividade e da proporcionalidade, que preveem a punição do sujeito somente quando ele, efetivamente, causar dano a alguém, sendo que a sua pena deverá ser proporcional com a atividade praticada, o que não permite a figura do risco porque, conforme já dito, ele pode não se concretizar, havendo, por consequência, a ilegalidade na punição de um sujeito que sequer produziu ou deu causa a um dano.

Nesse caminho, com base no princípio da lesividade ou ofensividade, Cezar Bitencourt (2006, p. 22), afirma que

[...] são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato. [...] somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado.

No mesmo sentido, é o posicionamento de Celso Delmanto (2007, p. 43) quando trata dos crimes de perigo abstrato:

Quanto aos crimes de perigo abstrato, entendemos que em um Estado Democrático de Direito são eles de questionável constitucionalidade, em face dos postulados constitucionais da intervenção mínima, da ofensividade e da proporcionalidade ou razoabilidade entre a conduta e a resposta penal (ínsitos ao conceito de substantive due process of law). Verifica-se, assim, que a mera subsunção do fato ao tipo penal – antijuricidade formal – não basta à caracterização devendo-se sempre indagar acerca da antijuricidade material, a qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem juridicamente protegido, requisitos esses que constituem verdadeiro pressuposto para a caracterização do injusto penal.

Na mesma linha de entendimento, Victor Eduardo Rios Gonçalves (2010, p. 20-21, grifo do autor) ao tecer comentários sobre os crimes de perigo abstrato indica o posicionamento de Gomes, relatando que

(25)

[...] Luiz Flávio Gomes alega haver inconstitucionalidade nessa modalidade de infração penal por afronta ao princípio da

ofensividade (ou lesividade), segundo o qual a existência de um

delito pressupões efetiva lesão ao bem jurídico ou, ao menos, um risco efetivo de lesão, o que não ocorre nos crimes de perigo abstrato.

Em tempo, com uma abrangência maior dos princípios frente à Lei Seca, Tiago Augusto de Macedo Binati (2008, p. 1), relata que

[...] ainda que pesem as boas intenções da nova lei, parece que o legislador ou seus intérpretes, vêm se esquecendo dos princípios constitucionais seculares, entre eles, o do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência.

Não menos importante, cabe-se destacar, ainda, o princípio da não auto-incriminação que, conforme indica Gomes (2010, p. 1),

[...] possui várias dimensões: (1) direito ao silêncio, (2) direito de não colaborar com a investigação ou a instrução criminal; (3) direito de não declarar contra si mesmo, (4) direito de não confessar, (5) direito de declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros, (6) direito de não apresentar provas que prejudique sua situação jurídica. A essas seis dimensões temos que agregar uma sétima, que consiste no direito de não produzir ou de não contribuir ativamente para a produção de provas contra si mesmo. Esse genérico direito se triparte no (7) direito de não praticar nenhum comportamento ativo que lhe comprometa, (8) direito de não participar ativamente de procedimentos probatórios incriminatórios e (9) direito de não ceder seu corpo (total ou parcialmente) para a produção de prova incriminatória.

Por fim, com a finalidade de evitar o conflito das normas jurídicas com os princípios constitucionais penais, é de relevante importância a extrema e profunda análise da conduta que se pretende regular, bem como dos possíveis danos que poderão ser provocados, para que a norma jurídica não extrapole os limites constitucionais e não sofra consequências no momento da sua real aplicação ao caso concreto, sob pena de não alcançar a eficácia almejada frente aos problemas que deram ensejo à intervenção punitiva.

(26)

2 O TRATAMENTO LEGAL DA CONDUTA DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

É de conhecimento notório que o sistema penal brasileiro está com frequência tipificando novas condutas em decorrência da constante evolução da sociedade. Evolução essa que passa a exigir uma maior atenção do legislador sobre novos atos que passam a causar riscos à coletividade, os quais podem vir a serem considerados como infração (menor potencial lesivo) ou até mesmo crime (maior potencial lesivo).

Nessa perspectiva, com relação ao Código de Trânsito Brasileiro, reconhece-se a preocupação do Estado em controlar determinados delitos, mas também em fornecer uma norma capaz de controlar condutas ameaçadoras, como é o caso do crime de embriaguez ao volante. Ocorre que o legislador, na maioria das vezes, não dispõe do tempo necessário para, de uma forma rápida, solucionar o problema que se apresenta e adequar a norma que está sendo criada e/ou modificada aos parâmetros constitucionais.

Diante do exposto, surgem novos conflitos, uma vez que, para uma solução adequada, a própria população é posta em “exame”, com a finalidade de se descobrir qual norma é capaz de alcançar a eficácia pretendida quando do momento de sua elaboração e ou modificação.

Exemplificando, tem-se a redação do artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito, que tenta coibir a prática da conduta de embriaguez ao volante estabelecendo parâmetros legais que devem ser obedecidos pelos condutores, a fim de não serem penalizados na esfera criminal. Em síntese, e considerando o que propõe Arnaldo Rizzardo (2004, p. 790), pune-se o sujeito que venha a dirigir sob a influência de álcool ou de outras substâncias entorpecentes que possam causar dependência.

Há, também, a existência da figura do perigo que, como já mencionado no primeiro capítulo, pode ser abstrato ou concreto. Dessa forma, informa-se que a norma prevista na primeira redação do artigo 306 estabelecia que o perigo, para a

(27)

confirmação do crime, era concreto, ou seja, o sujeito era penalizado se realmente provocasse um dano, não bastando o risco. Porém, conforme os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 1032), a penalização do indivíduo também poderia ocorrer se houvesse comprovação de que ele estivesse dirigindo de forma anormal, “de modo a colocar em perigo pessoas em geral”.

Com isso, verifica-se que o tipo penal estabelece figuras de dano (perigo concreto) ou somente risco de dano (perigo abstrato), as quais são somadas a conduta que proíbe a ingestão de bebidas ou demais substâncias que alterem a capacidade do condutor com o ato de dirigir.

2.1 O tratamento do crime de embriaguez ao volante sob a égide da Lei n. 9.503/97 e as alterações trazidas pela Lei n. 11.705/08

Para melhor compreensão das alterações trazidas pela Lei n. 11.705/08, é importante a retomada da primeira redação apresentada pela Lei n. 9.503/97, que introduziu o Código de Trânsito Brasileiro em nosso sistema com o intuito de regulamentar as condutas praticadas pelos agentes em vias terrestres, em caráter público.

Naquela ocasião, o artigo 306, que tipificou o crime de embriaguez ao volante, estabelecia a seguinte regra:

Artigo 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Acompanhando as lições de Nucci (2007, p. 1032-1034), constata-se que o sujeito era penalizado, na época, se dirigisse sob a influência de álcool ou qualquer outra substância de efeitos análogos, gerando perigo concreto de dano.

Assim, não bastava o agente estar sob a influência de álcool ou outra substância com efeitos semelhantes, haja vista que deveria ser demonstrado o perigo concreto de dano, que devemos entender como o dirigir anormal,

(28)

extrapolado. O dispositivo, por sua vez, não exigia uma concentração de álcool mínima que pudesse aferir que o indivíduo estivesse embriagado com exatidão.

Ao comentar a redação original do artigo 306 do CTB, Fernando Y. Fukassawa (1998, p. 156, grifo nosso), apresenta dois requisitos que deveriam estar presentes para a configuração do crime de embriaguez ao volante, na mesma oportunidade em que esclarece o que quer dizer a expressão “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”

Evidente, assim, não bastar que a pessoa tenha ingerido álcool ou substância de efeitos análogos, que poderá ser em maior ou menor quantidade, e maior ou menor influência no comportamento do condutor. Necessário, para configurar o crime em análise, é que tal ingestão tenha influído no condutor do veículo, de tal sorte que com seu estado (de embriaguez) exponha a perigo a incolumidade pública. Assim, são dois requisitos: 1) o estado da pessoa influenciada, pelo álcool ou substância de efeitos análogos, e 2) o perigo de dano à incolumidade pública, que pode a qualquer momento perder o autocontrole e, portanto, incapaz de dirigir com o cuidado objetivo exigido no trânsito de veículos, expondo a perigo a segurança pessoal e pública. [...] O perigo para a incolumidade pública já é patente quando o condutor do automotor, sob a influência do álcool ou substância de efeitos análogos, não mais tem o necessário controle pessoal para dirigir. Para caracterizar o delito é necessário apenas que tal seja comprovado (o que se comprova, então, é a desestabilização do condutor e não o quase dano a qualquer pessoa).

Confirmando tal entendimento, transcreve-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça à época em que vigorava a primeira redação do artigo 306:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA

DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DO CTB). PERIGO CONCRETO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO DANO POTENCIAL. A simples transcrição de ementas dos acórdãos paradigmas, sem que se evidencie a similitude das situações, não se presta à demonstração do dissídio jurisprudencial, para fins de conhecimento do recurso. O crime de embriaguez ao volante, definido no art. 306 do CTB, é de perigo concreto, necessitando, para sua caracterização, da demonstração do dano potencial o que, in casu, segundo a r. sentença e o v.acórdão ora recorrido, não aconteceu. Recurso não conhecido. (BRASIL, 2004, grifo nosso).

(29)

O primeiro texto legal do artigo 306, em uma primeira análise, mostra-se adequado quando falamos da capacidade individual dos sujeitos (condutores), defendendo-se o posicionamento indicado por Luiz Flávio Gomes (2013, p. 3) de que cada um reage de uma forma diferente quando se trata do consumo de bebidas alcoólicas ou outras substâncias químicas, considerando que o organismo humano não é homogêneo.

Nesse sentido, convém apresentar o que afirma Gomes (2009, p. 1) quando trata dos índices de alcoolemia para a caracterização do estado de embriaguez, para ele

Não há que se falar em taxa de alcoolemia (que é absurda porque cada pessoa reage de uma forma frente ao álcool). Cada um tem mais ou menos resistência ao álcool. Logo, o que importa é a embriaguez + direção anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária).

Ademais, o dispositivo apresenta a figura do perigo concreto, ou seja, exige-se a verificação da direção anormal ou até mesmo de um sinistro, somado claro à influência de álcool ou substância análoga ou de semelhantes efeitos, para a penalização do individuo. O legislador não estabelecia pena para a ocorrência de mero risco.

Posteriormente a isso, em junho de 2008, a norma prevista no artigo 306 (embriaguez ao volante), do Código de Trânsito Brasileiro, sofreu alterações em sua redação. Processo que, conforme relata André Abreu de Oliveira (2008, p. 1-2), se efetivou em decorrência do contínuo aumento dos índices de violência no trânsito, entre os quais marcava presença o crime de embriaguez ao volante, pela excessiva combinação de álcool e/ou demais substâncias análogas, por parte dos condutores, com o ato de dirigir.

Para Oliveira (2008, p. 1) “em resposta ao assustador aumento dos acidentes de trânsito, parte considerável resultante da infeliz combinação de álcool e direção veicular, foi promulgada a Lei nº. 11.705.”

(30)

Assim, no intento de reduzir o número de acidentes envolvendo veículos automotores, o legislador apresenta à população brasileira a Lei n. 11.705/08, de 16 de junho de 2008, conhecida como “Lei Seca”, que, na concepção de grande parte dos doutrinadores, foi o início de uma série de erros que só fortaleceram a impunidade diante da impossibilidade igualitária de aplicação das regras que modificaram o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

Para a análise das referidas alterações, impõe-se novamente a transcrição do inteiro teor do artigo 306 do CTB após as modificações trazidas pela Lei n. 11.705/08 (Lei Seca):

Artigo 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº

11.705, de 2008).

Penas: detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo único – O Poder Executivo federal estipulará a

equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº

11.705, de 2008).

Com a leitura do dispositivo acima transcrito, e conforme leciona Oliveira (2008, p. 1-2), verifica-se que houve a inclusão de um teor mínimo para a aferição da possível embriaguez do condutor, qual seja, quantidade superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue. Também ocorreu a exclusão da figura do perigo concreto presente na norma geradora, que foi substituída pela inclusão do perigo abstrato, ou seja, pune-se o agente que causar mero risco, afastando tão somente a hipótese da direção anormal (dano potencial) anteriormente presente na norma.

Para Gomes (2009, p. 2, grifo do autor) o legislador produziu um péssimo texto legislativo:

Logo que entrou em vigor a Lei Seca (Lei 11.705/2008), que alterou a redação do artigo 306 do CTB (que cuida do crime de embriaguez ao volante), escrevemos que o legislador tinha cometido erro crasso ao fazer o que não devia ter feito (ele passou indevidamente exigir

(31)

0,6 decigramas de álcool por litro de sangue para a caracterização do crime) e não fazer o que devia ter feito (só exigir a embriaguez do condutor do veículo e a direção anormal: direção em zig-zag, por exemplo). Fez o que não devia e não fez o que devia (ter feito) [...].

Tiago Augusto de Macedo Binati (2008, p. 1) afirma que

A ‘Lei Seca’ reveste-se de um excessivo intervencionismo estatal sobre a liberdade individual, pondo em risco o direito de ir e vir, cláusula pétrea na Constituição da República Federativa do Brasil.

Em análise das reformas, constata-se que foi estabelecido um índice de alcoolemia capaz de configurar o crime de embriaguez ao volante. Houve mudança na figura do perigo, que deixou de ser concreto e passou a ser abstrato, caminhando em desacordo com os princípios constitucionais penais, que deveriam prevalecer às normas, desencadeando, assim, uma série de equívocos que implicaram de forma direta na eficácia que a norma visava assegurar frente aos meios de prova aceitos.

Acerca da inclusão dos índices de alcoolemia, Gomes (2013, p. 1-4), ao mencionar matéria publicada em “O Globo de 14/8/11, p. 40”, reforça que

Cientificamente se sabe que o álcool afeta as pessoas de maneira distinta. Cada uma tem sua singularidade e reage de forma diferente frente ao álcool. É por isso que as generalizações nessa área se apresentam “procustamente” aberrantes. Por exemplo: “A bebida afeta o sexo feminino mais rapidamente do que o masculino. O consumo de uma dose por um homem de 70kg produz uma concentração de 0,2 gramas de álcool por litro de sangue (g/l), em média. Numa mulher de 60kg, a mesma dose resulta em 0,3 g/l. Não que todas sejam fracas para beber. É que, normalmente, a mulher tem menos água no corpo (o etanol se dilui em água) e o fígado feminino demora mais para metabolizar o álcool. Elas, ademais, [com o mesmo peso] têm percentual de gordura maior que os homens.

Com a inclusão dos índices de alcoolemia para aferição da embriaguez ao volante, conforme menciona Gomes (2009, p. 1), o legislador passou a exigir o teste do bafômetro e o exame clínico para a comprovação do crime.

Assim, o crime de embriaguez ao volante, analisado sob a égide da Lei n. 11.705/08 (Lei Seca), apresenta uma série de irregularidades, em decorrência dos

(32)

meios de prova aceitos, que caracterizam o descuido do legislador no processo de alteração da norma. O teste do bafômetro e o exame de sangue são exemplos de prova que trazem alto rigor à norma, mas que carecem de eficácia, pois infringem os direitos individuais dos condutores.

Ambos os exames não podem ter caráter obrigatório, pois “ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.” Nesse contexto, acompanhando os estudos de Gomes (2009, p. 1), o dispositivo apresenta uma lacuna, haja vista que a negativa aos meios de prova previstos na nova norma não pode, sequer, configurar o crime de desobediência, pois estamos frente a um direito para o qual não se pode atribuir pena.

Sobre a recusa ao bafômetro, Gomes (2009, p. 1) se manifesta da seguinte maneira:

Se a recusa ao bafômetro é um direito constitucional e internacional (por força da Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8º, que encontra amparo no art. 5º, § 2º, da CF), quem exerce um direito pratica um ato lícito e quem pratica ato lícito não comete crime. Não há que se falar no delito de desobediência.

De igual maneira, Binati (2008, p. 2, grifo do autor) é desfavorável aos meios de prova apresentados pela Lei Seca

Jamais um sujeito que recusa se submeter ao teste do bafômetro, ou ainda, a ceder sangue para exame clínico, pode ser detido como criminoso fosse. A nossa Carta Magna prega a presunção de inocência e o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova

contra si mesmo – “Nemo tenetur se detegere”, o que deve ser

respeitado inexoravelmente.

Percebe-se, portanto, que a Lei Seca, embora extremamente rigorosa, não se mostrou adequada para a realidade do país, uma vez que a norma alterada exigiu forte fiscalização para a aferição do descumprimento do crime de embriaguez ao volante. Outrossim, mesmo que houvesse maior fiscalização, deve-se considerar a hipótese de que muitos condutores foram abordados e não penalizados, porque os meios de prova não se tornaram obrigatórios em decorrência dos princípios constitucionais penais e garantias individuais do sujeito (condutor).

(33)

Dessa maneira, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.111.566 (2009/0025086-2), manteve o teste de bafômetro e o exame clínico, como os únicos meios capazes de comprovar a embriaguez ao volante, reconhecendo que

[...] a legislação brasileira concede ao cidadão o direito a negar qualquer tipo de exame que possa produzir provas contra si [...]

Portanto, segundo o entendimento do STJ, “obrigar o motorista a soprar o bafômetro contraria a Constituição”.

Thiago Solon Gonçalves Albeche (2012, p. 1-5, grifo nosso), ao analisar a redação do artigo 306, sob à égide da Lei 11.705/08, comentou que

[...] o crime de embriaguez ao volante estava caracterizado toda vez que fosse constatada a concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Era necessário que esta concentração numérica fosse devidamente comprovada. Para que isto fosse possível, apenas o exame de sangue e o bafômetro eram considerados meio de prova adequado para alcançar a conclusão exigida pelo tipo penal. Esta foi a posição que prevaleceu na jurisprudência, superando a divergência inicial diante do entendimento de que a prova testemunhal também poderia demonstrar a embriaguez. Prevaleceu a interpretação restritiva do tipo penal e, efetivamente, os 6 decigramas de álcool por litro de sangue somente com exame de sangue ou teste de etilômetro poderiam ser constatados [...]

Em seguimento, conforme indicado por Albeche (2012, p. 2), a jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça era a seguinte:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL PENAL.

EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N.º 9.503/97. DOSAGEM ALCÓOLICA. AFERIÇÃO. AUSÊNCIA DE SUJEIÇÃO AO BAFÔMETRO. INEXISTÊNCIA DE EXAME DE SANGUE.

ÍNDICE APURADO DIANTE DOS SINAIS CLÍNICOS E

MANIFESTAÇÕES FÍSICAS E PSÍQUICAS DO AVALIADO. IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE. AUSÊNCIA. 1. Com a redação conferida ao art. 306 do CTB pela Lei 11.705/08, tornou-se imperioso, para o reconhecimento de tipicidade do comportamento de embriaguez ao volante, a aferição da concentração de álcool no sangue. Ausente a sujeição a etilômetro ou a exame de sangue, torna-se inviável a responsabilização criminal. Entendimento

(34)

consolidado pela colenda Terceira Seção deste STJ, no julgamento do REsp 1.111.566/DF, representativo de controvérsia, nos moldes do art. 543-C do Código de Processo Civil. 2. Agravo regimental improvido. (BRASIL, 2012, grifo nosso).

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 109.269, oriundo do Estado de Minas Gerais, ao enfrentar a alegação de inconstitucionalidade do artigo 306, por ser norma de perigo abstrato, manifestou-se, em decisão unânime, pela constitucionalidade da norma com a mera defesa do texto legal, que, conforme sabido, não exige a prova de dano para sua efetivação.

Nessa linha, transcreve-se a ementa da decisão que denegou a ordem:

HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I - A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas.

II - Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente.

III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o

acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime. IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal.

V – Ordem denegada. (BRASIL, 2011, grifo nosso).

Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, quando do julgamento do Habeas Corpus n. 0034780-15.2010.8.19.0000, reconheceu que a redação do artigo 306, modificado pela Lei 11.705/08 (Lei Seca) realmente infringe os princípios constitucionais penais, indicando a possibilidade de interpretação do texto legal

(35)

conforme os parâmetros estabelecidos na Carta Maior, usando-se as técnicas de hermenêutica.

Portanto, a Lei Seca configura-se como uma norma deficitária, pois além de não conseguir reduzir os níveis de violência no trânsito, não foi capaz de penalizar de forma igualitária os indivíduos que foram autuados pela fiscalização e incorreram nas penalidades do artigo 306 (embriaguez ao volante). Constata-se assim uma flagrante fragilidade de aplicação das sanções cominadas frente aos meios de prova até então admitidos.

Em tempo, com base nas ideias de Binati (2008, p. 1-7), menciona-se que a alteração da figura do perigo, que passou a ser abstrato, só aumentou os níveis de impunidade. Até porque é sabido que muitos condutores foram absolvidos pelos Tribunais de Justiça, mas deve-se levar em consideração aqueles condutores que se submeteram ao teste de alcoolemia e incorreram nas sanções do supramencionado dispositivo, que talvez foram condenados, mas que não apresentaram risco qualquer à sociedade, pois mesmo tendo ultrapassado os índices estipulados pela legislação de trânsito, talvez nem estivessem dirigindo de forma anormal ou tenham sido afetados pelo estado de embriaguez.

Nessa linha de entendimento, os condutores que foram abordados e se negaram a realizar o teste do bafômetro, mesmo que estivessem realmente embriagados, causando forte risco aos demais condutores, podem ter se eximido de pena. Até porque faltaria embasamento na sentença judicial, algo que realmente aferisse a embriaguez ao volante. De outro lado a obrigatoriedade ao teste do bafômetro também restava afetada, ocorrendo a dúvida entre a existência de um direito (não obrigatoriedade na produção de provas desfavoráveis a si mesmo) ou o cometimento do crime de desobediência (incorrer em crime por não obedecer à ordem legal).

Binati (2008, p. 3, grifo do autor) entende que

Sujeitar-se ou não ao teste do bafômetro, é uma faculdade concedida ao indivíduo, e não uma imposição. E mais, não se pode admitir a

(36)

prisão de alguém que não realizou o teste exigido pelos agentes de trânsito. O verdadeiro crime vem sendo cometido pelos fiscais da lei, que fazem blitz em lugares estratégicos, como se o objetivo principal fosse multar e prender o maior número possível de cidadãos, acarretando em risco latente ao Estado Democrático de Direito.

Eduardo Luiz Santos Cabette (2013, p. 29), é categórico ao afirmar que

É interessante notar que o discurso de rigor do legislador, tão alardeado pela primeira Lei Seca, embora bem aplicado na seara administrativa, não seguiu a mesma senda no âmbito criminal. Afinal de contas, a partir da alteração legal, na verdade, por direção sob efeito de álcool, só seria preso em flagrante e, principalmente, condenado, quem quisesse ! Como já mencionado, é notório o conhecimento de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo. Assim sendo, os exames e testes sobreditos só seriam realizados se o suspeito decidisse livremente colaborar. Quando ele se negasse, a prova seria impossível, já que ninguém, nem mesmo um médico ou policial mais experimentado, é capaz de determinar taxas de alcoolemia por meio de um mero exame clínico ou de uma simples passada de olhos sobre o suposto infrator.

Acompanhando tal posicionamento, frisa-se que a Lei Seca pode ter penalizado condutores de forma irregular, uma vez que o condutor poderia ter ingerido algum tipo de bebida e/ou substância de efeitos semelhantes sem estar causando risco algum. Assim, em sendo abordado e aceitado se submeter ao teste do bafômetro, se ultrapasse os índices previstos pela legislação poderia ser processado e até mesmo condenado criminalmente por um crime que sequer se materializou.

No tocante à prisão em flagrante do condutor embriagado, Cabette (2013, p. 29) refere o seguinte:

[...] com relação à prisão em flagrante, mesmo ante a colaboração do suspeito, esta só seria possível, quando fosse procedido o teste do etilômetro, o qual fornece resultado imediato. No caso de coleta de sangue, mesmo com a autorização do condutor, é sabido que o exame químico-toxicológico demanda procedimentos de pesquisa laboratorial, cujos resultados não são imediatos. Aliás, nem um pouco imediatos. Por vezes, passam-se meses para o retorno de um laudo químico-toxicológico. [...] a Autoridade Policial não teria condições de formar seu convencimento seguro para lavratura de um flagrante e, caso o fizesse, seria facilmente relaxado, por ser desprovido de um mínimo de lastro probatório ou indiciário (art. 304, § 1º, CPP).

(37)

Dessa forma, acompanhando as palavras de Cabette (2013, p. 29-30), o único meio de realizar a prisão em flagrante seria a atuação conjunta dos IMLs (Institutos Médicos Legais) com os agentes fiscalizadores do trânsito, a fim de procederem na realização imediata dos exames de sangue, com a divulgação dos respectivos resultados, mesmo que provisórios. Porém, “a Prisão em Flagrante e a produção da prova ficam a critério da boa vontade do suspeito!”, que não é obrigado a colaborar. Ademais, “os IMLs continuam com suas precariedades e lentidões, assim como, nem sempre há um etilômetro à disposição”.

Do exposto, verifica-se que a Lei n. 11.705/2008 (Lei Seca) restou fadada ao retrocesso, pois não atingiu a eficácia almejada pelo legislador. Dessa maneira, em comparação com a legislação originária, tem-se que a primeira redação do artigo 306, que trata da embriaguez ao volante, apesar de não ter sido tão rigorosa, era mais garantidora de uma futura condenação do condutor infrator e de uma possível redução nos níveis de acidentes automobilísticos em decorrência da embriaguez ao volante.

Ademais, a ineficácia da norma comprovou-se pelo contínuo aumento dos índices de violência no trânsito que, apesar de ter ocorrido uma pequena redução no número de vitimados (óbitos) em acidentes de trânsito logo após a entrada em vigor da Lei Seca, voltaram a crescer de forma assustadora e incontrolada.

É o que se comprova através dos dados do Ministério da Saúde (DATASUS), banco de dados do Sistema Único de Saúde, que, de fonte segura, informam que no período de 2001 a 2010, os índices de violência no trânsito com óbitos tiveram um aumento de 40% (quarenta) por cento. Índices que se agravaram no ano de 2010, uma vez que passaram de 38.273 (trinta e oito mil, duzentos e setenta e três) para 42.844 (quarenta e dois mil, oitocentos e quarenta e quatro) mortos.

Referências

Documentos relacionados

Para avaliar a taxa de secagem e a qualidade da madeira, 30 tábuas de Hovenia dulcis com dimensões de 2,5 × 15,0 × 280,0 cm foram submetidas à secagem ao ar e em estufa solar.. Para

Foucault (2002) mostrou como a Psiquiatria ampliou seu poder e se generalizou, através do controle dos pequenos comportamentos da infância e do modo da família gerir a infância.

98 variáveis dependentes relacionadas com o tema propriamente dito, consumo ou não de suplementos alimentares, com ou sem aconselhamento especializado, duração da toma, efeitos

bit; — sinal dc clock mestre habilitador do divisor bit; — sinal de clock escravo habilitador do divisor bit; — sinal de clock mestre para dividendo bit; — sinal de clock

suspensão temporária do processo até o julgamento definitivo da ação penal ou, subsidiariamente, suspensão do julgamento apenas dos fatos atualizados pela

Atribuições típicas: Coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de serviço social;

Em 2008, o estabelecimento de um sistema financeiro moderno complexo após diversas inovações por parte das instituições financeiras, permitiram a supervalorização

(exame do etilômetro) ou por exame de sangue. Ocorre que, necessitava-se da colaboração da vítima. Houve também mudança no conteúdo do art. 306 do CTB, ou seja, doravante