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A Emenda Constitucional n 45/2004 e a “Reforma do

2.2 CRISE DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

2.2.2 A Emenda Constitucional n 45/2004 e a “Reforma do

A Emenda Constitucional n. 45/2004 promoveu o que se convencionou denominar de “Reforma do Judiciário”.452 Com

uma série de alterações em dispositivos constitucionais453 e inspirada no afã de conferir maior celeridade aos processos, a Emenda constitui um marco importante sob o ponto de vista processual, em especial no que concerne à atuação dos tribunais superiores.

Desde já, oportuno destacar que a Emenda Constitucional n. 45/2004 foi sobremaneira criticada no âmbito doutrinário, seja pelos termos em que foi redigida, seja pelo seu conteúdo propriamente dito.

José Carlos Barbosa Moreira, por exemplo, foi bastante enfático ao destacar a falta de precisão terminológica na redação da citada Emenda Constitucional, chegando a dizer que foi escrita em “linguagem censurável do ponto de vista gramatical”.454

Roberto Rosas não escondeu sua postura cética ao expressar que

452 Já na exposição de motivos da Emenda Constitucional n. 45/2004,

expunha-se o objetivo de promover uma nova organização do Poder Judiciário brasileiro: “as proposições sugeridas servem, portanto, quando mais não seja, como tema de um debate fecundo sobre uma nova organização da justiça no Brasil” (BRASIL. Emenda Constitucional n.

45, de 2004 – Exposição de motivos. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/2004/emendaconstitucion al-45-8-dezembro-2004-535274-exposicaodemotivos-149264-pl.html>. Acesso em: 20 ago. 2016).

453 A Emenda Constitucional n. 45/2004 alterou os dispositivos dos

artigos 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescentou os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A (BRASIL.

Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc4 5.htm>. Acesso em: 20 ago. 2016).

454

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Emenda Constitucional n. 45 e o processo. Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, v. 102, n. 383, p. 181-191, jan/fev. 2006. p. 184.

nada melhoraria porque “a reforma é de organograma, e não de fundo, de estrutura”.455

Adroaldo Furtado Fabrício também teceu severas críticas à Reforma, a começar pelo fato de ter centrado suas atenções nos tribunais superiores e não nos juízos de primeiro grau, onde, a seu ver, situam-se os verdadeiros problemas da jurisdição. Em razão disso, o autor atribuiu à EC n. 45/2004 a alcunha de “Reforma dos Tribunais Superiores”456 e sustentou que nem mesmo a

455 ROSAS, Roberto. Pontos e contrapontos da reforma do judiciário.

Revista dos Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 94, v. 840, p. 79-83, out. 2005. p. 79. Impende reproduzir a crítica feita pelo autor à EC n. 45/2004, com base nas várias tentativas de superação da crise engendradas até então. Aduz que “em 1947 já se falava em crise do Supremo Tribunal Federal, angústia na demora das decisões. Criou-se o Tribunal Federal de Recursos. Em 1957 discutiu-se o recurso extraordinário para o STF, e grande solução – o acesso não mais era livre, e sim criado o juízo de admissibilidade pelo presidente do tribunal, o despacho presidência de admissão ou não do recurso, reduziu-se o RE aumentou o agravo para o STF. Em 1967 veio a Constituição, e trouxe novidades para o STF, como a possibilidade de restrições recursais, via regimento interno, e a expressão „negar vigência‟, como forma restritiva de admissão do recurso extraordinário. Em 1977 houve o chamado „pacote de abril‟ com a instituição da arguição de relevância, isto é, as restrições regimentais de acesso ao STF, seriam abrandadas com o entendimento da Corte, de ser relevante a questão federal. Ocorreu essa solução até 1987, com o projeto constitucional, criador do Superior Tribunal de Justiça e tribunais regionais federais, e agora, dez anos após, a presente reforma. Vai melhorar? Não! Ficará tudo como antes, porque a reforma é de organograma, e não de fundo, de estrutura [Grifos do autor]” (Idem).

456

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Os equívocos da reforma do Judiciário. Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, v. 378, p. 3-9, mar/abr. 2005. p. 5. Diz o autor que “nada exarou a reforma constitucional no sentido de fortalecer e prestigiar a jurisdição ordinária, em especial a de primeiro grau, que atua em direto contato com o cidadão, conhece-lhe como ninguém as necessidades e aspirações, mercê da diuturna convivência, e representa, para o homem comum, a única verdadeira referência de avaliação. O juiz da terra, intimamente ligado à comunidade onde distribui justiça, mais sensível que qualquer outro às mutações sociais e às exigências dos novos tempos, receptivo ao ínsito sendo de Justiça do homem da rua, deveria ser o primeiro alvo da atenção de quem quer que se debruce sobre os problemas e questões ligados à qualidade da prestação jurisdicional. Foi, entretanto, quem

função dessas cortes de vértice justificaria a ênfase que lhes foi conferida na dita Reforma:

É enganosa qualquer tentativa de explicar isso pela intrínseca importância que assumiriam os recursos extraordinários, na medida em que – como se costuma ensinar em todas as Faculdades de Direito – estes servem ao interesse público da pureza e uniformidade de aplicação do Direito Federal, não ao interesse privado das partes. Mas essa assertiva afronta a lógica mais elementar, na medida em que, como se sabe, às partes e só a elas pertence a escolha de utilizar-se ou não do recurso. A suposta tutela de um interesse público está confiada ao alvedrio dos litigantes! Mais: como é notório, os Tribunais erigidos como guardiões da pureza e uniformidade de aplicação do Direito dedicam o maior de seus esforços a descobrir modos e meios de não conhecer dos recursos que lhes são endereçados.457

A crítica se afigura precipitada quanto ao fato de se condicionar a apreciação da questão de direito à iniciativa das partes. De fato, é a interposição do recurso (especial ou extraordinário) que insta o tribunal a analisar e se pronunciar sobre a matéria, explicitando a interpretação que se lhe afigura mais adequada. Mas essa constatação não inviabiliza nem prejudica o desempenho da função precípua dos tribunais superiores; pelo contrário: malgrado o recurso seja interposto

menor cuidado e preocupação inspirou no legislador da reforma – salvo quando cuidou de reprimir ocasionais desvio de conduta e combater os males do corporativismo [Grifos do autor]” (Idem). Na visão do autor, a reforma do judiciário “nunca deixou de ser, na verdade, uma „reforma dos Tribunais Superiores‟ porque a miopia da visão centralista nunca permitiu a percepção de que os verdadeiros problemas da jurisdição situam-se na atividade judicante de primeiro grau [Grifo do autor]” (Idem).

457

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Os equívocos da reforma do Judiciário. Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, v. 378, p. 3-9, mar/abr. 2005. p. 5.

com fulcro no interesse particular da parte , sua análise objetiva resguardar o interesse público subjacente – isto é, a corretude da aplicação da lei.

Agora, razão assiste ao autor quando se refere aos subterfúgios empregados pelos magistrados para se furtarem ao julgamento dos recursos. Entre rigorismos formais e cobranças de produtividade, desenvolveu-se a “jurisprudência defensiva” – ou “ofensiva”, como denomina Pedro Miranda de Oliveira459 – como

forma de driblar o excesso de casos submetidos à apreciação dos tribunais superiores.

Ocorre que a solução para o excesso de demandas não perpassa essas evasões comumente engendradas pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Embora a contenção de litígios que ascendem aos órgãos de superposição seja uma tarefa árdua – que há muito desafia a doutrina e os operadores do direito, estando na base de sucessivas investidas legislativas –, por certo, valer-se de questões acessórias, não concernentes ao mérito, constitui verdadeira negativa de prestação jurisdicional.

Malgrado as divergências instauradas em razão do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, é inegável que perpetrou mudanças significativas na estrutura judiciária brasileira. Especificamente sob o ponto de vista processual, a Reforma se

458 Evita-se falar em “parte sucumbente” tendo em vista que “a utilidade

[um dos feixes em que se decompõe o interesse recursal] ultrapassa os limites naturais que lhes impõe a sucumbência formal. Ela se configura em qualquer caso de melhoria por força da interposição do recurso próprio” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, p. 203).

459

MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro. Novíssimo sistema recursal

conforme o CPC/2015. 3. ed. Florianópolis: Empório do direito, 2016. p. 67. Explica o autor que, “aquilo que se convencionou chamar de „jurisprudência defensiva‟, [...] é, na verdade, jurisprudência ofensiva: ofende o princípio da legalidade; ofende o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional; ofende o princípio do contraditório; ofende o princípio da boa-fé; ofende o princípio da cooperação. Enfim, ofende o bom senso, a segurança jurídica e o princípio da razoabilidade. É ofensivo ao exercício da advocacia, pois coloca em xeque a relação cliente/advogado. E, dessa forma, ofende a cidadania. A jurisprudência

ofensiva escancara uma lógica perversa: a primazia do checklist sobre a matéria de fundo, ou seja, a prevalência da forma em detrimento do mérito [Grifos do autor]” (Idem).

caracteriza, sobretudo, pela alteração de hipótese de cabimento de recurso especial (artigo 105, inciso III, alínea “b”); pela criação do requisito da repercussão geral – em substituição à antiga arguição de relevância (artigo 102, § 3º); pelo advento da súmula vinculante no direito brasileiro (artigo 103-A); e pela criação do Conselho Nacional de Justiça (artigo 103-B). Eis as mudanças sobre as quais se passa a discorrer, considerando o propósito que subjaz o presente trabalho.

De início, destaca-se que a Emenda Constitucional n. 45/2004 alterou a hipótese de cabimento do recurso especial originalmente consubstanciada no artigo 105, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal – qual seja, os casos em que a decisão recorrida julgasse “válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal”.460 Assim, a competência para

julgar recurso especial interposto contra decisão que repute válida lei local contestada em face de lei federal foi subtraída do Superior Tribunal de Justiça e atribuída ao Supremo Tribunal Federal – tendo em vista se tratar de questão eminentemente constitucional.461

460 BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República

Federativa do Brasil. Publicação original. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5- outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 20 ago. 2016.

461

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A Emenda Constitucional n. 45 e o processo. Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, v. 102, n. 383, p. 181-191, jan./fev. 2006. p. 184. Explicita o autor que a EC n. 45/2004 cindiu a hipótese de cabimento prevista, na redação original, no artigo 105, inciso III, alínea „b‟: “transferiu para o âmbito do recurso extraordinário a hipótese de julgamento de validade de lei local contestada em face de lei federal (art. 102, nº III, d), deixando remanescer na área do recurso especial a de julgamento de validade de

ato de governo local contestado em face de lei federal (art. 105, nº III,

b). Pode entender-se a inovação como medida consentânea com o papel do Supremo Tribunal Federal: com efeito, ao menos em regra, eventuais conflitos entre leis locais e leis federais resolvem-se em questões de invasão de competência legislativa da União por Estados ou Municípios. Ora, essas são questões de ordem constitucional, e por isso é natural que se haja considerado mais próprio atribuir competência para o julgamento do recurso ao Supremo Tribunal Federal, ao qual incumbe, „precipuamente, a guarda da Constituição‟ (art. 102, caput) [Grifos do autor]”. (Idem).

Com o mesmo intuito de privilegiar a função precípua do Supremo Tribunal Federal, criou-se a repercussão geral. O requisito, em tese, veio a substituir a antiga arguição de relevância da questão federal – que, em um primeiro momento, foi vista com maus olhos, porquanto sua análise fosse realizada em sessões secretas do Supremo Tribunal Federal462, às quais os jurisdicionados não tinham acesso.463

Essa conjuntura não surpreende considerando que a arguição de relevância foi inaugurada em um período ditatorial – quando as bases democráticas se encontravam sobremaneira abaladas. O requisito foi criado pela Emenda Regimental n.

462

Explicam José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier que “a justificativa para que a decisão acerca da arguição de relevância fosse proferida em sessão secreta e não fosse fundamentada era a de que não se tratava de ato jurisdicional, mas de ato de natureza legislativa, já que com isso os Ministros, que estabeleciam as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário no regimento interno do STF, estariam pura e simplesmente „acrescentando‟ como que „mais um inciso‟ ao art. 325, em cujo caput se previam os casos em que cabia o recurso extraordinário. Entre os incisos havia o de n. XI em que se dizia que o recurso extraordinário seria cabível „em todos os demais feitos, quando reconhecida a relevância da questão federal‟. A explicação não convencia e as críticas ao instituto eram ferozes. Tal era a indisposição que esta sessão secreta causava, que a comunidade jurídica, operadores e estudiosos do direito, em vez de enxergarem na arguição de relevância uma saída, nela viam uma

restrição [Grifos dos autores]” (Repercussão geral e súmula vinculante:

relevantes novidades trazidas pela EC n. 45/2004. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 377).

463 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A redação da Emenda

Constitucional n. 45: reforma da justiça. Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense, v. 101, n. 378, p. 39-46, mar./abr. 2005. p. 43-44. Comenta o autor que “houve tempo em que o recorrente, para assegurar o conhecimento de seu recurso, precisava, em certos casos, arguir a „relevância da questão federal‟. A sistemática de então foi recebida com alguma hostilidade, nos meios doutrinários e profissionais, em parte porque o Supremo apreciava as arguições em sessão secreta e não revelava os motivos da decisão tomada, num sentido ou noutro – o que agora de jeito nenhum lhe será lícito fazer, pois subsistem os deveres de publicidade e de motivação (art. 93, nº IX) [Grifo do autor]” (Ibidem).

3/1975 , que alterou o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ampliando as hipóteses em que o recurso extraordinário não era cabível – à exceção dos casos que configurassem afronta à Constituição Federal e dos que denotassem relevância da questão federal.

À época, é pertinente rememorar, vigia a Constituição Federal de 1967, alterada pela Emenda Constitucional n. 1/1969, que conferiu ao Supremo Tribunal Federal competência para especificar as hipóteses de cabimento do recurso extraordinário.465 Nesse mister, comenta Pedro Miranda de Oliveira que a partir de então o STF “passou a legislar sobre o cabimento do recurso extraordinário [Grifo do autor]”.466

Após, com a Emenda Regimental n. 2/1985, que alterou o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), passou-se a prever que a interposição de recurso extraordinário seria cabível nos casos que se subsumissem nas hipóteses previstas no RISTF ou “em todos os demais feitos, quando reconhecida relevância da questão federal”.467

464 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Emenda Regimental n. 3, de 17

de junho de 1975. Altera a redação dos arts. 52, 60 e 308 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBiblioteca RI/anexo/1970_emenda_3_dj_1975.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2017.

465 O artigo 119, parágrafo único, da Constituição Federal de 1967, com

a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional n. 1, de 17/10/1969, passou a prever que “as causas a que se refere o item III, alíneas a e d, dêste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie ou valor pecuniário” (BRASIL. Constituição da República Federativa do

Brasil de 1967. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/Constituicao/Constituicao67.ht m>. Acesso em: 21 jan. 2017). Assim, atribuiu-se ao STF a incumbência de discriminar em quais casos enquadráveis nas hipóteses do inciso III, alíneas a e d (respectivamente, contra decisão que “a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal” e que “d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal”) caberia recurso extraordinário.

466 MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro. Recurso extraordinário e o

requisito da repercussão geral, p. 73.

467 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Emenda Regimental n. 002 de

Outrossim, essa alteração regimental modificou o procedimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal para apreciar a relevância da questão federal suscitada. Passou-se a prever que a deliberação quanto à existência ou inexistência de relevância ocorreria em sessão de Conselho e só se reputaria relevante a questão que “pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa” exigisse a apreciação do recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal. Só a partir de então foi possível ter ciência dos fundamentos invocados pelos ministros para definir uma questão federal como relevante, a ponto de ensejar a interposição e a apreciação de recurso extraordinário.468

À vista do exposto, resta nítido que a repercussão geral não constitui apenas uma nova roupagem à antiga arguição de relevância. Trata-se de requisitos diferentes, a começar pelo contexto histórico em que estão imiscuídos: enquanto a arguição de relevância subsistiu em um período ditatorial, quando o Supremo Tribunal Federal tinha competência de cunho constitucional e federal; a repercussão geral foi concebida na vigência da Constituição Federal de 1988, que resgatou a democracia no país e restringiu a competência do STF às questões constitucionais. Afora isso, diferenciam-se em vários aspectos: quanto à finalidade, ao fundamento legal, ao objeto, aos elementos caracterizadores, à natureza do julgamento, ao quórum para a inadmissão do recurso extraordinário, à presunção do requisito, aos debates, à publicidade, à fundamentação e à recorribilidade da decisão.469

235, 236, 239, 277, 325, 326, 327, 328, 329, 333, 355, 356 e 357 do

Regimento Interno. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/PORTAL/ATONORMATIVO/VERATONORM ATIVO.ASP?DOCUMENTO=678>. Acesso em: 20 ago. 2016.

468 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil, p. 392. É

que, como visto, “no sistema anterior, os fundamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal, tanto para a rejeição quanto para o acolhimento da relevância, permaneciam completamente ignorados pelos litigantes; e nem a comunidade jurídica, na ausência de qualquer publicação a respeito, poderia formar um entendimento sobre a orientação da Suprema Corte sobre o assunto” (Idem).

469 MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro. Recurso extraordinário e o

Sem perder de vista o escopo do presente trabalho, é suficiente salientar que a arguição de relevância, com espeque no RISTF, voltava-se à análise de questões infraconstitucionais para justificar o conhecimento do recurso extraordinário (haja vista que as questões constitucionais eram consideradas, por si sós, relevantes). Noutra senda, a repercussão geral funda-se em previsão legal e constitucional e se presta a fundamentar o não conhecimento do recurso.470Então, concorda-se com a assertiva de que a arguição de relevância e a repercussão geral são distintas (e não coincidentes), “não obstante tenham a mesma função de filtro recursal [Grifos do autor]”.471

Superada a breve incursão histórica, vê-se que a repercussão geral traz, em essência, o propósito de restringir a atividade do Supremo Tribunal Federal aos casos dotados de relevância (sob o ponto de vista social, econômico, jurídico e/ou político) e de transcendência (passíveis de atingir diversos outros casos em situação semelhante).472 Nesse sentido, é pertinente destacar passagem em que José Carlos Barbosa Moreira bem sintetiza a ideia:

470 Assim, conclui Eduardo de Avelar Lamy que “o antigo instituto

buscava a inclusão, enquanto o atual justifica a exclusão, de feição bastante pragmática: uma alternativa ao congestionamento do STF” (A volta da arguição de relevância? In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004, p. 178).

471 MIRANDA DE OLIVEIRA, Pedro. Recurso extraordinário e o

requisito da repercussão geral, p. 320.

472 E é justamente essa transcendência um dos aspectos que diferencia a

repercussão geral da antiga arguição de relevância. Assim, discorda-se de José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier quando aproximam a repercussão geral da arguição de relevância sob o argumento de que seriam sistemas de filtro idênticos, do ponto de vista substancial, na medida em que ambos fazem “com que ao STF cheguem exclusivamente questões cuja importância transcenda à daquela causa em que o recurso foi interposto” (Repercussão geral e súmula vinculante: relevantes novidades trazidas pela EC n. 45/2004. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004, p. 374). Ora, sendo a transcendência a tônica que caracteriza a repercussão e a diferencia da arguição de relevância (destinada tão somente à aferição da relevância da causa), não se pode sustentar que ambos são sistemas idênticos, sob o viés material.

O que se pretende é evitar que o Supremo Tribunal Federal tenha de ocupar-se de questões de interesse visto como restrito à esfera jurídica das partes do processo, em ordem a poder reservar sua atenção e seu tempo para matérias de mais vasta dimensão, para grandes problemas cuja solução deva influir com maior intensidade na vida econômica, social, política do país.473

De fato, a restrição das vias de acesso aos tribunais superiores é condição essencial para a preservação da função que lhes é precípua. Embora o requisito se revista de cunho político – inclusive porque a relevância deve ser aferida pelos vieses

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