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As ameaças sobre a função exercida pelos tribunais

2.2 CRISE DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

2.2.3 As ameaças sobre a função exercida pelos tribunais

jurisprudenciais dissonantes

A constatação de que a estrutura dos tribunais superiores é incompatível com a quantidade de processos submetidos à sua apreciação não exige maiores esforços. Basta verificar os relatórios estatísticos divulgados anualmente pelos tribunais superiores493 para constatar que o número de processos novos é recorrentemente superior ao número de processos julgados – do que se extrai um inevitável acúmulo de processos.

Ocorre que essa sobrecarga nos órgãos de cúpula perpetra efeitos sobremaneira perniciosos, a ponto de, muitas vezes, inviabilizar o cumprimento da função que lhes é precípua. Assim, o acúmulo de processos impede que os tribunais superiores se atenham ao enfrentamento de temas mais complexos, que verdadeiramente exigem o seu pronunciamento no sentido de conferir univocidade interpretativa à questão de direito – o que seria passível de infirmar entendimentos em sentido contrário.

A consequência disso é o espaço que se abre à disseminação de entendimentos jurisprudenciais dissonantes, que colocam em xeque a segurança jurídica (no sentido de confiabilidade, calculabilidade e cognoscibilidade) e a isonomia. Eis o ponto fulcral que desafia os juristas e que se reveste de extrema importância para se manter a coerência e a integridade do ordenamento jurídico brasileiro.494

493 No Superior Tribunal de Justiça: BRASIL. Superior Tribunal de

Justiça. Relatório estatístico 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/verpagina.asp?vPag=0& vSeq=292>. Acesso em: 28 jan. 2017. No Supremo Tribunal Federal: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acervo processual. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoBOInternet/anexo/acervos tf.pdf>. Acesso em: 28 jan. 2017.

494 Como aduz Daniel Mitidiero, “sem essa reforma, pré-ordenada para

preservação da liberdade e para a realização da igualdade mediante a promoção da segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça permanecerão reféns de um sistema

desgastado e o processo civil continuará sendo um jogo perversamente

escravizado pela aleatoriedade de seus resultados [Grifos do autor]”

(Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente, p. 129-130).

A propósito, “esse vezo de tratar desigualmente situações iguais é uma das mais expressivas causas da pletora de recursos que hoje assoberba os Tribunais do país, especialmente as Cortes Superiores [Grifos do autor]”495 – como aduz, com razão,

Rodolfo de Camargo Mancuso. Ora, se uma das hipóteses de cabimento do recurso especial é a divergência de interpretação – entre dois tribunais de segundo grau, ou entre um tribunal de segundo grau e o próprio STJ –, a interposição deste recurso poderia ser evitada caso se disseminasse uma cultura de respeito aos entendimentos já sedimentados, por exemplo.

Embora sejam vários os motivos que acarretam o congestionamento dos tribunais superiores496, não se pode perder

de vista a dupla função que exercem no direito brasileiro: ao passo que enfrentam os recursos especiais e extraordinários postos à sua apreciação, considerando as peculiaridades dos casos concretos subjacentes à lide, exercem uma função muito mais ampla, que é explicitar a interpretação adequada acerca de determinada questão de direito. Como aduz Sergio Bermudes,

Convivem, no processo judicial, duas realidades apresentadas na doutrina como

495 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e

súmula vinculante, p. 160.

496 Arruda Alvim identifica várias causas ao acúmulo de processos nos

órgãos jurisdicionais. Nas palavras do autor, “as sociedades contemporâneas, e o Brasil muito acentuadamente, sofrem uma crise de gigantismo, tendo em vista o aumento descomunal de jurisdicionados, que procuram a Justiça para as soluções dos seus conflitos. Em particular, os números que retratam esse aumento geral do acesso à justiça, são, todos eles, astronômicos [...]. Essa inflação de demandas está inserida nos quadros de uma sociedade de consumo, como, ainda entre nós; somou-se a isso o aumento populacional, de enorme calibre, a mobilização das pessoas para os grandes centros, já há décadas, e, especificamente, depois da vigente Constituição, que, aduza-se, contribuiu bastante para o aumento da litigiosidade [...]. São diversas variáveis e, se são todas convergentes para explicar as razões do aumento de solicitação de prestações jurisdicionais, não fornecem elementos para uma solução equilibrada e dentro das possibilidades reais do País” (A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et al. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004, p. 87- 88).

microprocesso e macroprocesso. Cinge-se o primeiro à composição do litígio entre as partes. A finalidade do segundo é maior e mais ampla porque, enquanto compõe a lide, a jurisdição de todos os níveis protege o direito objetivo, mostrando o modo de atuação das normas e princípios, no exercício de uma atividade pedagógica.497

Nesse sentido, é um paradoxo reconhecer a competência constitucionalmente atribuída aos tribunais superiores e, ao mesmo tempo, admitir-se que é facultado aos tribunais inferiores ignorar os pronunciamentos já emanados pelo STJ e pelo STF em casos semelhantes. Independentemente de se conferir ou não caráter obrigatório aos acórdãos oriundos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, há que se lhes reconhecer maior força, distinguindo-os das decisões proferidas pelos demais tribunais, tendo em vista a função atribuída aos órgãos de cúpula no direito brasileiro.498

Assim, é imprescindível zelar pela unidade do direito, pela coerência e pela integridade do ordenamento jurídico brasileiro, a fim de prevenir e extirpar os dissídios pretorianos. Não que se repugne, em absoluto, a divergência jurisprudencial (na medida em que viabiliza a evolução do direito); mas tão somente a divergência que se afigura injustificável, à luz da segurança jurídica, como se aborda na seção a seguir.

497 BERMUDES, Sergio. A reforma do judiciário pela Emenda

Constitucional n. 45, p. 54-55.

498 José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa

Arruda Alvim Wambier aduzem que, “porque existe essa tendência a que se gere maior segurança e previsibilidade é que as decisões dos tribunais superiores desempenham papel de extrema relevância, mesmo se proferidas em casos concretos, cujas decisões sejam desprovidas de eficácia erga omnes. Desde que sejam reiteradas em determinado sentido, significam indubitavelmente orientação para os demais tribunais, exercendo papel verdadeiramente paradigmático [Grifo do autor]” (Repercussão geral e súmula vinculante: relevantes novidades trazidas pela EC n. 45/2004. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa

et al. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004, p. 385).

2.3 DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL E MEIOS

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