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1.4. Organicidade no âmbito do MST

1.4.2. A emergência do núcleo de base (NB)

É a partir da discussão em torno do fortalecimento da “estrutura orgânica” que surge o núcleo de base. Debate fortalecido em 1992 quando começam trabalhar a implantação do núcleo de base em todas as áreas de assentamentos e acampamentos. O núcleo de base aparece com o caráter primeiro de substituir os grupos de famílias que, até então, existiam. O MST lança um manual de organização dos NB’s definindo o seguinte: “os núcleos devem ser criados para responder às deficiências e necessidades que temos dentro da organização do MST” (MST, 1992). Também no manual, o Movimento afirma que a criação dos núcleos de base responde a necessidade de dar maior organicidade ao movimento de massas, uma vez que a estrutura montada não respondia aos anseios do movimento. Para o MST, “o núcleo funciona como a raiz da organização. Onde “não há raiz a árvore não se desenvolve, não floresce e não produz frutos” (MST/PA, 2005a, p. 08). Giselda Coelho Pereira, militante e assentada do 26 de Março, explica sua compreensão de núcleo:

O núcleo é um espaço por onde deve perpassar todos os debates e sugestões do que fazer no acampamento/assentamento, a coordenação tem o papel de coordenar esse processo e os setores de executar as definições tomadas e das demandas construídas. (Entrevista cedida por e-mail em 07 de março de 2009).

A criação do núcleo de base não deve acontecer de forma aleatória. Com intuito de contribuir nesse processo, o Movimento, ainda no Manual (1999), apresenta os seguintes objetivos:

• Organizar e articular os militantes do MST;

• Ser um lugar de estudo, discussão e aplicação de linhas políticas do MST;

• Encaminhar tarefas relacionadas às lutas do Movimento, ou que esteja sendo desenvolvido em conjunto com outros trabalhadores e com a sociedade civil;

• Contribuir com o crescimento político e formação ideológica dos militantes de massa organizada.

Na proposta do núcleo de base, o número de componentes deve ser determinado para controlar a participação nas reuniões. Inicialmente, a proposta é de que seja entre cinco e, no máximo, dez famílias. Cada núcleo de base deve eleger um coordenador25, um secretário e

25 Com as mudanças na organicidade do MST, cada NB passou a ter um coordenador e uma coordenadora. “Ter dois coordenadores (um homem e uma mulher) é uma opção política de muita importância para a vida do assentamento e para o

um tesoureiro. É preciso compreender que este agrupamento mínimo deverá reunir todas as famílias da comunidade e não apenas os cadastrados, e este núcleo será a instância básica para a gestão do assentamento. Na formação do núcleo de base o cadastrado ou a cadastrada26 é quem representa a família e participa do núcleo. Quanto ao método de atuação do núcleo de base, o MST aponta:

Outro aspecto importante refere-se ao método de trabalho com os núcleos de base. Deveremos evitar o “assembleísmo”, onde pouco se aprofunda as discussões e é corriqueira a manipulação de um ou outro “presidente” do assentamento. Portanto, todas as discussões importantes deverão ser submetidas aos núcleos, procurando construir um consenso das idéias neste espaço. A assembléia deverá ser apenas para o referendo das respostas. Em assentamentos grandes recomenda-se realizar “mini-assembléias” por comunidade. (ANCA, 2002, p. 14) (grifo nosso)

A partir desse fragmento, a preocupação em construir um consenso das idéias, é evitar processo de votação e esgotar o debate através das reuniões nos núcleos. Mas, ao organizar núcleos é preciso ter clareza da diversidade de famílias que estão inseridas no processo, aprofundar o debate e as discussões, o núcleo pode proporcionar, mas o consenso das idéias é a algo a se pensar. Acredita-se que as discussões, principalmente de cunho político, passarão por cada núcleo de base de forma mais aprofundada, garantindo a participação de todas as famílias. Discussões essas que, por sua vez, passam também pela coordenação do assentamento até chegar à direção estadual. Essa estrutura requer uma dinâmica constante de reuniões e encontros com as famílias que fazem parte do núcleo de base. A partir dessa dinâmica que, então, resultaria o fortalecimento da luta, assegurando assim os princípios organizativos do MST.

Segundo Carvalho (1999), a criação dos núcleos de base tinha, na sua essência, um caráter de projeção das lutas e linhas políticas do MST. Mas, a partir de sua implantação nas áreas de assentamentos, em meados de 1993/1994, passa a ser considerado como um espaço de discussão de caráter econômico, uma vez que, o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) estava entrando em crise; este fazia o papel de aglutinador das famílias sobre a discussão da produção e das cooperativas. Em suas análises, na década 1990, o foco central da organicidade girava em torno do SCA, voltado para o eixo econômico e financeiro das cooperativas. Trouxe, assim, valores que somam para a luta do Movimento, mas, por outro lado, em função do problema de formação política do quadro de dirigentes nos assentamentos

MST. Em geral, o assentamento é comandado pelos homens, sob um olhar masculino da vida, o que limita a compreensão. A presença feminina na direção da coordenação do assentamento é um esforço que cabe a todos realizar, buscando qualificar estas coordenações”(ANCA, 2002, p. 14.

26 É a pessoa que se cadastra junto ao Incra e fica na relação de beneficiário- RB.

e a fragilidade dos núcleos de base, provocou o fortalecimento do economicismo, gerando uma disputa de espaços institucionais através dos dirigentes e, principalmente, dos projetos de investimentos.

Esse “enquadramento” da discussão sobre cooperativas via núcleo de base foi um problema que apareceu em diversos estados, principalmente na época que surgiu o projeto de crédito de investimento, provocando em muitos assentamentos a completa extinção desses espaços criados. Alguns nem conseguiram se organizar, fortalecer as cooperativas e, muito menos, deslanchar a proposta inicial dos núcleos de base de fortalecer as linhas políticas do MST. De acordo com Carvalho (1999), o ano de 1994 foi um período de mudanças na forma da organização, onde a definição de núcleo de base passa a ser o principal modelo de organicidade, consolidando-se através do processo de organização gradativo. As discussões em torno da organicidade no MST, especificamente sobre núcleo de base, apontam sua fragilidade em função da qualidade na atuação dos dirigentes. Com o amadurecimento dos debates, em meados de 1998, o Movimento atravessa uma (re)organização, onde os setores seriam responsáveis para organizar os núcleos. Carvalho (1999) considera que, apesar das debilidades apresentadas pelo SCA, é relevante sua importância na questão da organicidade, embora não houvesse ainda uma definição satisfatória do seu significado para o MST. Em 1999, ele afirma que essa “expressão organicidade alcança o nível de fetiche”27. Essa definição, parte do pressuposto de que a organicidade ganhou espaço no debate de maneira mágica, talvez imaginária, por todos os estados na reestruturação e reorganização interna do movimento.

A discussão sobre a organicidade toma fôlego e passa a ser debatida em diversos espaços: encontros, reuniões, cursos formais, cursos informais. Uma das discussões é o fortalecimento do núcleo de base, pelo seu papel fundamental de contribuição com o desenvolvimento das linhas políticas do MST. Uma das tarefas do núcleo de base é a dinâmica do estudo, ou seja, a coordenação do assentamento deve proporcionar os espaços de estudos com as famílias, embora ainda seja um grande desafio, visto as dificuldades dos coordenadores de efetivá-las, aquelas referentes ao “letramento”. As fragilidades foram sendo apontadas, pelos estados, não somente no processo de criação dos núcleos de base, bem como na organicidade num todo, gerando a necessidade de (re)estruturar o Movimento. Essa

27 Do francês fetiche, que por sua vez tem a mesma raiz que português feitiço o latin facticius “artificial, fictício”, é um objeto material ao qual se atribuem poderes mágicos ou sobrenaturais, positivos ou negativos. (http://pt.wikipedia.orgacesso em 24/06/2009)

discussão foi, em 2005, difundida em todos os estados de atuação do MST. A partir da (re)estruturação surge, então, a criação das brigadas.