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Capítulo 1 – Prosódia

1.4 A entonação de enunciados declarativos e interrogativos

Hochgreb (1983) ressalta o papel essencial da entonação na expressão das modalidades e na organização enunciativa da língua portuguesa. A maioria dos autores descreve um padrão entonativo tipicamente descendente ao final do enunciado nas sentenças declarativas, e ascendente ao final de enunciados interrogativos. Tal variação melódica característica de F0 é

facilmente detectada pela análise perceptivo-auditiva. Crystal (1969), contrariando esta noção praticamente unânime, não descreve uma única possibilidade de entonação para enunciados declarativos e interrogativos. O autor acredita que o contexto de fala e/ ou a atitude do falante podem modificar por completo a entonação empregada em um enunciado. Dessa forma, não seria válido postular simplesmente que a entonação descendente final é utilizada para declarativas e a ascendente, para interrogativas, o que restringiria as possibilidades de entonação das sentenças. De acordo com este autor, seria possível utilizar entonação final ascendente e descendente em vários tipos de enunciados.

Em contraposição, Pike (1945), Hallidy (1970), Bolinger (1986) e Tench (1988) afirmaram que a entonação diferencia enunciados declarativos de interrogativos, sendo que a parte final dos enunciados é a maior responsável pelas mudanças entonativas e de significado. De acordo com Halliday (1970), o padrão de um enunciado declarativo neutro é caracterizado por uma queda da F0 na tônica nuclear (o que o autor chama de tom 1), enquanto que o padrão de um

enunciado interrogativo é caracterizado por contorno melódico ascendente final, que corresponde ao tom 2 de sua teoria. A utilização dos outros tons reflete o grau de envolvimento do falante com a informação e com o seu interlocutor. O tom descendente- ascendente (tom 4) é utilizado em declarativas que expressam alguma reserva e para expressar condições. O tom ascendente-descendente (tom 5) é utilizado para declarativas que implicam "como você pode duvidar que", ou "não conhece isso?", demonstrando surpresa. O tom definido como de baixa subida (tom 3) evita uma decisão.

Cunha (1970) relatou que, em enunciados declarativos, a parte inicial ascendente e a parte final descendente são evidentes. O enunciado constituído de apenas um grupo fônico apresenta três partes distintas: a parte inicial ascendente, em que a voz vai subindo até alcançar a primeira sílaba tônica; a parte intermediária, em que a voz, com discretas modulações, permanece aproximadamente no tom habitual; e a parte final descendente, em que o tom da voz abaixa significativamente a partir da última sílaba acentuada. Caso o enunciado apresente mais de um grupo fônico, o primeiro grupo começa com uma parte ascendente e o último grupo finaliza com uma parte descendente. Em contrapartida, no caso de enunciados mais longos, Pierrehumbert (1987) relata que ocorre uma queda melódica contínua ao longo do enunciado, fenômeno denominado de linha de declínio.

Com um pouco mais de cautela, apesar de ter concluído que enunciados declarativos se caracterizam por uma queda na F0, Reis (1995) salientou que as relações entre modalidade e

melodia são bastante complexas, havendo a necessidade de estudos mais abrangentes e exaustivos, a fim de confirmar a existência de um contorno melódico específico para determinada modalidade de enunciado. Em contrapartida, Ladd (1996) propõe uma visão universalista da entonação, considerando que há uma tendência à declinação nos enunciados declarativos e uma associação com melodias mais altas e tendência à subida nas interrogativas, conforme reforçado posteriormente por Brazil (1997). De forma mais precisa, Moraes (1998) concorda que o padrão declarativo é caracterizado por uma diminuição da F0

no final do enunciado, mais precisamente na tônica final, enquanto que a melodia inicial encontra-se em um nível médio. Este autor ressalta que, no português brasileiro, a entonação é o sinal mais importante na classificação de um enunciado como interrogativo. Concordando com as afirmações destes autores, acreditamos, ainda, que normalmente a curva melódica final ascendente, característica da produção de enunciados interrogativos, também marcaria a atitude de dúvida e, da mesma forma, a curva melódica final descendente seria característica de enunciados declarativos e que expressam a atitude de certeza.

É marcante a declaração por parte de vários autores a respeito da importância do segmento final do enunciado na definição modal deste, ou seja, para definir se o enunciado é uma declarativa, interrogativa, etc. Kyrillos (2005), inclusive, relatou que a curva melódica é marcada pela forma que finalizamos um segmento antes da pausa. No caso de enunciados declarativos, o que se observa é uma curva melódica descendente ao final do enunciado. Enfim, os enunciados declarativos são caracterizados, na quase totalidade dos estudos, como tendo um padrão melódico descendente ao final do enunciado (HALLIDAY, 1970; CUNHA, 1970; FERNANDES, 1976; GEBARA; 1976; BOLINGER, 1986; CRUTTENDEN, 1986;

REIS, 1995; MORAES, 1998; MARTIN, 1999; PICKETT, 1999; ANTUNES, 2000). A referida curva melódica descendente teria início na parte final do enunciado (BOLINGER, 1986), mais especificamente na sílaba tônica final (FERNANDES, 1976; MORAES, 1998; MIRANDA, 2001), no último item lexical do grupo tonal (GEBARA, 1976) ou na sílaba anterior à tônica do enunciado – a pretônica (REIS, 1995; ANTUNES, 2000). Pickett (1999) afirma que tal queda de F0 nas declarativas relaciona-se com a queda da pressão subglótica.

Da mesma forma, Lehiste (1970) afirma que a entonação de enunciados declarativos atinge o nível mais baixo da tessitura do falante, acompanhada por uma queda significativa da intensidade.

Outro estudo que também analisou da mesma forma a curva melódica de enunciados declarativos foi o de Antunes (2000), que caracterizou a entonação de enunciados declarativos emitidos por crianças de três a cinco anos de idade para o português falado de Belo Horizonte, como apresentando movimento descendente de F0, que começa na sílaba anterior à tônica do

enunciado e termina na sílaba tônica do enunciado. De forma semelhante, Miranda (2001), em um estudo comparativo da prosódia entre indivíduos idosos e jovens, caracterizou a entonação de enunciados declarativos por um movimento de F0 inicialmente ascendente, na sílaba

anterior à tônica do enunciado, e posteriormente descendente na sílaba tônica nuclear para ambos os grupos de idade, sendo que a amplitude do movimento descendente foi maior no grupo dos idosos. Já para enunciados interrogativos, há autores (PIKE, 1945; HALLIDAY, 1970; HOCHGREB, 1983; BOLINGER, 1986; TENCH, 1988; LADD, 1996; BRAZIL, 1997) que descrevem uma curva melódica ascendente no final do enunciado.