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Capítulo 1 – Prosódia

1.2 Correlatos acústicos da prosódia

1.2.1 Freqüência fundamental

Um parâmetro prosódico a ser considerado é a F0, cujo correlato perceptivo é a altura

melódica.A F0 permite uma análise quantitativa da entonação, sendo que, para fins de análise

acústica da voz e da fala, a unidade de medida habitualmente adotada para tal parâmetro acústico é o Hertz (Hz). Há um consenso na literatura de que a variação melódica é a característica prosódica mais importante da entonação (PIKE, 1945; CRYSTAL, 1969; HALLIDAY, 1970; BOLINGER, 1986; CRUTTENDEN, 1986; PIERREHUMBERT, 1987; MORAES, 1993).

A F0 de uma voz é determinada pela massa, comprimento e tensão das pregas vocais, sendo

tais parâmetros controlados pela constituição anatômica e pelos músculos intrínsecos da laringe, mais especificamente, os músculos cricotireóideo e tireoaritenóideo. Desta forma, quanto mais massa, maior o comprimento e menor a tensão das pregas vocais, menor será a F0, valendo o oposto para as freqüências mais altas. Lehiste (1970) diz que, além da massa,

comprimento e tensão das pregas vocais, a pressão subglótica e a lubrificação das pregas vocais também participam na determinação da F0. Tais fatores foram considerados na

metodologia deste trabalho, sendo que todos os informantes foram submetidos a uma avaliação laringológica, a fim de eliminar aqueles que apresentassem quaisquer lesões nas pregas vocais, que poderiam vir a interferir na medida de F0 da amostra.

Segundo Behlau (1997), a F0 média para falantes do português falado no Brasil (na cidade de

São Paulo) é de 113Hz para falantes do sexo masculino (faixa de distribuição entre 80 e 150Hz), 205Hz para falantes do sexo feminino (faixa de distribuição entre 150 e 250Hz) e 236Hz para crianças de 08 a 12 anos (faixa de distribuição acima de 250Hz).

A partir de medidas de F0, podemos analisar, ainda:

- a extensão fonatória máxima, ou seja, a quantidade de notas que um indivíduo é capaz de emitir, da F0 mais baixa à F0 mais alta, independente da qualidade vocal e do esforço

necessário para a sua produção, sendo que indivíduos com pregas vocais sadias podem emitir um mínimo de 20 semitons (BEHLAU; PONTES, 1995; BEHLAU, 1997);

- a tessitura vocal que, de acordo com Behlau; Pontes (1995), é o número de notas utilizadas com qualidade vocal agradável para o ouvinte e sem gerar fadiga vocal para o falante, correspondendo aproximadamente a um terço da extensão fonatória máxima. Em estudos fonéticos, a tessitura é dada pela diferença entre a maior e a menor F0 produzida

em um determinado enunciado em questão, ou seja, a tessitura atinge toda a gama de freqüências empregadas na execução de determinada produção vocal. Uma tessitura reduzida reflete uma deficiência na variação melódica, ou seja, na entonação.

Para Crystal (1969), o movimento melódico de um proferimento pode ser descrito a partir da direção da curva melódica ou da variação melódica, parâmetros estes associados diretamente aos valores de F0. Da mesma forma, para Bolinger (1986), a entonação está ligada a variações

melódicas, ou seja, às subidas e descidas descritas pela F0 e representadas pela curva de F0. A

melodia corresponde ao correlato psicofísico da F0, sendo um dos melhores parâmetros de

análise da F0 (LADD, 1996). Este mesmo autor relatou, ainda, que a melodia varia de acordo

com o sexo do falante, a ocasião, o estado emocional e de uma parte do enunciado a outra.

Mais recentemente, Cagliari; Massini-Cagliari (2003) chamaram a atenção para o fato da escassez de trabalhos que abordam o papel da tessitura na prosódia do português e procuraram mostrar algumas das funções da tessitura, privilegiando seu estudo dentro da prosódia de nossa língua. Desta forma, destacaram que modificações intencionais de registro (ou seja, das diversas formas de emitir os sons da tessitura), por exemplo, podem desempenhar função expressiva, ligada às intenções discursivas do falante, o que mostra a importância do estudo da tessitura na determinação do papel dos elementos prosódicos na estrutura do discurso. Estes mesmos autores destacaram que a diferenciação entre tessitura e entonação muitas vezes é difícil de ser realizada, pelo fato de ambas se tratarem de variações na F0. No entanto, tessitura e entonação atuam diferente e independentemente, uma vez que

um mesmo contorno entonacional pode ser realizado em uma tessitura alta ou baixa, em função das intenções do falante. A tessitura compreende o intervalo entre a F0 mais alta e a

mais baixa utilizada pelo falante, enquanto a entonação se refere às variações de F0 nos limites

do enunciado. Dessa forma, enquanto as variações de F0 constituem os padrões entonacionais

dos enunciados, as variações de tessitura podem deslocar esses padrões para níveis mais baixos ou mais altos de F0, mantendo intacta a curva melódica. Ou seja, a tessitura não altera

Azevedo (2001) verificou que os parkinsonianos tendem a empregar uma F0 mais baixa e uma

menor tessitura vocal quando da emissão de enunciados declarativos curtos. Após a administração da medicação habitualmente empregada no tratamento desta doença (levodopa), tais medidas tendem a aumentar, mas continuam mais baixas em relação ao grupo controle. Vitorino; Homem (2001) também relataram que o parkinsoniano apresenta dificuldades para variar a altura da voz durante a fala, apresentando, desta forma, uma fala monótona.

Em seu estudo da fala de crianças com apraxia do desenvolvimento, Cardoso (2003) analisou a variação melódica e a velocidade da fala de crianças de 10 anos com tal apraxia e observou, em relação à variação melódica, manutenção do padrão entonativo referente à modalidade (padrão descendente final nas declarativas), menor amplitude dos movimentos melódicos e predomínio de curvas ascendentes nas tônicas pré-nucleares.

Kehrein (2002) observou um aumento na proeminência da F0 máxima (como uma subida

excessiva ou um salto) associada às emoções assustado, surpreso, horrorizado, surpreendido e espantado, em um estudo da relação entre unidades prosódicas e sinalização da expressão das emoções no idioma alemão, em informantes sem doenças neurológicas. Tais achados nos fazem questionar, mais uma vez, a interferência dos parâmetros prosódicos alterados na fala do parkinsoniano, na expressão de suas atitudes, ou seja, na efetividade de sua comunicação.