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3 CRISTIANISMO, POLÍTICA E ÉTICA: DA COLONIZAÇÃO BRASILEIRA

3.3 A ENTRADA DOS PROTESTANTES NA POLÍTICA E A FORMAÇÃO DA

Após a retomada da Democracia com a promulgação da Constituição de 1988, os protestantes entram no cenário político com muita força, inclusive no apoio a Collor – 1989 (FRESTON, 2006). Segundo Bonfim (1991), verifica-se, na Constituinte de 1987/1988, uma nova postura da população evangélica do Brasil, que se propunha agora engajar-se mais ativamente nos processos políticos e sociais do país. De certa forma, podemos considerar esse momento um grande marco na história dessa população, tendo em vista que sua participação na política até então era irrisória.

Freston (2006) atribui isso ao crescimento demográfico da população evangélica no país. Segundo Bruneau (1974), o número de protestantes no Brasil continuava crescendo, de 0,58% em 1928, para 3,26 % em 1949, chegando a 6,06% no ano de 1961. Segundo dados recentes do IBGE20, a população evangélica cresceu 61, 45% na última década. No ano 2000,

tínhamos aproximadamente 26,2 milhões de evangélicos no país (15,4% da população); em 2010, 42,3 milhões se declararam evangélicos, ou seja 22,2% da população.

Conforme escreve Freston (2006), embora de forma bastante tímida, os evangélicos começaram a se organizar politicamente, realizando, inclusive, pequenas manifestações em prol da constituinte de 1987/1988, em diversos estados brasileiros. Nesse contexto, duas coisas se destacam: as diversas candidaturas protestantes e o apoio da população evangélica à candidatura de Collor em 1989.

19 Aprofundaremos a discussão sobre a laicidade do Estado no tópico 2.4.3.

20 Disponível em < http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-

Vale salientar ainda que, na década de 1980, intensificaram-se os movimentos em prol de uma missão integral na Igreja Evangélica Brasileira (de diferentes denominações). Isso se deve, principalmente, ao Pacto de Louseane, realizado na Suíça em 1974, no Congresso Internacional de Evangelização Mundial, no qual participaram mais de 2.300 líderes evangélicos de mais de 150 países. Este congresso é de grande relevância para o entendimento da identidade evangélica e de sua constante intervenção política, pois traz à tona a “missão” da evangelização mundial e a construção (senão intensificação) de uma concepção ética salvífica, que pressupõe um conjunto de crenças com relação à salvação do homem e, portanto, da sociedade. Nesse sentido, apregoava-se uma teologia que sugere a aplicação dos princípios do evangelho em todas as áreas da vida social, incluindo a política.

Mais adiante, já nas eleições de 1994, destacam-se alguns nomes do cenário político- evangélico:

Íris Rezende, o senador proporcionalmente mais votado do país; Lídia Quinan, a mais votada para deputado federal em Goiás; Benedita da Silva, a mais votada para senador no Rio; Francisco Silva, o primeiro colocado para deputado federal no Rio; e Francisco Rossi, que disputou o segundo turno para governador em São Paulo (FRESTON, 2006, p. 105).

À vista disso, propomos algumas comparações: em 1933, os brasileiros elegeram o primeiro evangélico para Câmara Federal, o pastor Guaracy Silveira (PSB), único representante evangélico a participar da Constituinte de 1933 e 1946. Em 1994, mais de sessenta anos depois, 27 parlamentares protestantes foram eleitos para o Congresso Brasileiro, 23 deputados federais e 4 senadores, predominantemente do Rio de Janeiro. Conforme escreve Figueiredo Filho (2005, p. 46) “o Rio de Janeiro se posicionou como a capital da política evangélica”. Já, no ano de 1998, foram eleitos 36 deputados federais e dois senadores evangélicos. Vale salientar que até então não havia ainda se formado a Frente Parlamentar Evangélica – FPE, pelo menos não de forma oficial.

Conforme escreve Machado (2012), as igrejas evangélicas, principalmente a Igreja Universal do Reino de Deus – IURD, têm mantido relações próximas com alguns partidos. Inicialmente, a IURD tinha forte ligação com o Partido Liberal (PL) e hoje com o Partido Republicano do Brasil (PRB), com o Partido Social Cristão (PSC) e com o Partido da República (PR). Vale ressaltar que pastores e líderes evangélicos têm assumido papel importante nas lideranças políticas desses partidos, tanto nas comunidades locais como em projeção nacional, principalmente, no Partido Republicano do Brasil (PRB), com o Partido Social Cristão (PSC).

Embora o surgimento da Frente Parlamentar Evangélica – FPE tenha sido um longo processo, sua oficialização se dá somente na 52ª legislatura (2003-2006), em 18 de setembro de 2003. Sua instauração deu-se em sessão solene realizada no Dia Nacional de Missões Evangélicas. Inicialmente, a FPE era composta por 57 deputados federais e 3 senadores; hoje (em 2020), a FPE tem 203 parlamentares21, 195 deputados e 08 senadores, tendo crescido 238,33% desde a sua fundação.

Dessarte, interrogamo-nos sobre o cenário político brasileiro contemporâneo acerca da ética materializada nas práticas discursivas do Congresso, mais especificamente, da Frente Parlamentar Evangélica – FPE. Neste cenário, questionamos que tipo de ética perpassa essas práticas, em que formação discursiva se inscreve o discurso produzido por esse sujeito. Sobre isso, nas linhas que seguem, propomos fazer uma breve discussão sobre a política e religião no Estado Brasileiro.

Embora Lutero tenha sido o maior nome da Reforma Protestante, ele “não foi muito longe na articulação de uma teologia política”, haja visto o seu comportamento diante das minorias anabatistas (CAVALCANTI, 2004, p. 128). Ao contrário, João Calvino se coloca como um marco no pensamento protestante sobre Religião e Política, traçando limites entre a atuação do Estado e a atuação da Igreja, que devem ser dissociadas, embora faça ressalvas, tendo em vista que, segundo ele, o “governo civil é área legítima do cristão” (PORTELA, 2009, p. 99).

Segundo a visão teológica de Kuyper (2014), o Estado é uma estrutura criada por Deus. Nesse sentido, a existência dos governos é uma delegação divina, tendo em vista a necessidade de se reestabelecer a ordem e a lei após a “queda do homem”. Tal teologia traz consigo toda uma visão ética centrada em convicções religiosas. Deste modo, “o cidadão cristão não somente deve obediência à instituição do governo, mas tem o direito de se envolver nele, em atividades políticas, procurando glorificar a Deus em todas as suas ações” (PORTELA, 2009, p. 113).

Em vista disso, perguntamo-nos acerca da ética na política, pensando como o Aparelho Ideológico do Estado Religioso – AEIR interfere nas práticas sociais/discursivas da Frente Parlamentar Evangélica – FPE, o que nos leva a uma discussão epistemológica de base weberiana, de política e ética, sobre política como vocação, sobre política como trabalho, sobre ética protestante, sobre ética de responsabilidade e sobre ética de convicções religiosas. Antes

21 Fonte: Site da Câmara Nacional – lista de membros da Frente Parlamentar Evangélica – FPE, 56ª legislatura (2019-2023). Disponível em:<https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=54010>. Acesso em: 02 out. 2019.

de nos aprofundarmos nesse conceito, faremos uma breve discussão sobre a noção de ética, principalmente, sobre a ética weberiana.