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2 A ANÁLISE DO DISCURSO E AS BASES EPISTEMOLÓGICAS:

2.5 DO LUGAR SOCIAL AO LUGAR DISCURSIVO

Em sua tese de doutorado, Grigoletto (2005a) questiona-se sobre a diferença entre lugar social e lugar discursivo, além de perguntar se, a partir de um mesmo lugar, podem operar diferentes posições-sujeito. Segundo escreve Foucault (1997), é necessário descrever os lugares institucionais de onde fala o sujeito, lugar em que se pode encontrar a origem e legitimidade daquilo que se diz. Nesse sentido, as posições-sujeito são definidas pelas relações de poder imbricadas nos lugares empíricos e também sociais em que o sujeito está inserido. Nas palavras do autor, “as posições de sujeito se definem igualmente pela situação que lhe é possível ocupar em relação aos diversos domínios ou grupos de objetos” (FOUCAULT, 1997, p. 59).

Pensando nas Formações Ideológicas, que, por sua vez, estão ligadas às Formações Sociais (PÊCHEUX, 1995), entendemos que o sujeito, interpelado pela ideologia, é afetado pelas relações de saber/poder, produzindo discursos a partir dos lugares empíricos e institucionais que ocupa, por conseguinte, das projeções de imagens que faz de si e dos demais

participantes do processo discursivo. Isso se deve ao fato de que tais indivíduos estão inscritos “num determinado lugar social/empírico” (GRIGOLETTO, 2005b, p. 03).

Em vista disso, é pertinente pensar como os lugares são “construídos, de forma empírica, através de sentidos que já estão cristalizados e instituídos como verdades” (GRIGOLETTO, 2005b, p. 03). Isso implica dizer que “o lugar social a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz” (ORLANDI, 2012, p. 39), colocando-se de um lugar social concreto, de professor, de aluno, de médico, de juiz, pai, filho etc. Assim,

Se o sujeito fala a partir do lugar de professor, suas palavras significam de modo diferente do que se ele falasse do lugar do aluno. O padre fala de um lugar em que suas palavras têm uma autoridade determinada junto aos fiéis etc. Como nossa sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são relações de força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na “comunicação” (ORLANDI, 2012, p. 39-40).

Tais reflexões nos levam a uma concepção de lugar social “como ponto de ancoragem para a constituição da prática discursiva” (GRIGOLETTO, 2005b, p. 03). Nesse sentido, o que nos interessa é pensar em qual lugar discursivo se inscreve o sujeito e qual lugar social está determinando essa inscrição numa determinada FD.

Endossando essa perspectiva, Grigoletto (2005b, p. 04) escreve que “o lugar que o sujeito ocupa na sociedade é determinante do/no seu dizer. No entanto, ao se identificar com determinados saberes, o sujeito se inscreve em uma formação discursiva e passa a ocupar, não mais o lugar de sujeito empírico, mas sim o de sujeito do discurso.” Pode-se, portanto, afirmar que o lugar social e o lugar discursivo são constituídos mutuamente. Sobre isso, Schwaab (2011, p. 03) escreve “lugar social e lugar discursivo existem de forma complementar. O lugar social (do jornalismo) só se legitima pela prática discursiva, pela inscrição do sujeito num lugar discursivo [...]. O lugar discursivo, da mesma forma, só existe porque há uma determinação do lugar social, que impõe a sua inscrição em determinado discurso”.

Em termos teóricos, entende-se que há uma passagem do lugar social para o lugar discursivo, tendo em vista que são lugares distintos, imbricados, mas constituídos de espaços diferentes, um empírico, outro discursivo. Como afirma Grigoletto (2005, p. 05),

[...] a passagem para o espaço teórico, no nosso caso, para o espaço discursivo, o lugar social que o sujeito ocupa numa determinada formação social e ideológica, que está afetada pelas relações de poder, vai determinar o seu lugar discursivo, através do movimento da forma-sujeito e da própria formação discursiva com a qual o sujeito se identifica.

Essa reflexão nos leva a pensar que, “no movimento, ou na passagem, do lugar empírico para o discursivo, o sujeito já é tomado como posição” (PEREIRA, 2011, p. 03).

Tendo em vista a discussão já realizada sobre lugar social, questionamos então sobre a categoria de lugar discursivo e em que ela se relaciona com as Formações Discursivas propostas por Pêcheux. Segundo Orlandi (1999, p. 17), “o sujeito, na análise de discurso, é posição entre outras, subjetivando-se na medida mesmo em que se projeta de sua situação (lugar) no mundo para sua posição no discurso”. Nesse sentido, perguntamo-nos onde deve ser pensada essa categoria de lugar discursivo dentro da Análise do Discurso, mais precisamente, de linha pecheutiana. Sobre essa questão, Grigoletto (2005b, p.07) escreve:

Com isso, sustento que é possível pensar na noção de lugar discursivo como uma categoria de análise, que é materializada na passagem do espaço empírico, onde se encontram os lugares sociais, para o espaço discursivo. Ou seja, o lugar discursivo estaria no entremeio do lugar social, da forma e da posição-sujeito. Portanto, ele não é sinônimo de posição, já que pode abrigar, no seu interior, diferentes e até contraditórias posições de sujeito. O sujeito do discurso, ao se inscrever em um determinado lugar discursivo, vai se relacionar tanto com a forma-sujeito histórica e os saberes que ela abriga quanto com a posição-sujeito. Assim, a relação do sujeito enunciador com o sujeito de saber e, consequentemente, com a posição-sujeito é deslocada para as relações de identificação/determinação do lugar discursivo tanto com a forma-sujeito histórica (ordem da constituição/do interdiscurso), quanto com a posição-sujeito (ordem da formulação/do intradiscurso)

De forma geral, o lugar discursivo deve ser entendido como uma categoria de análise no entremeio do lugar social, da forma-sujeito (da ordem do pré-construído e do interdiscurso) e da posição-sujeito – da ordem do intradiscurso (GRIGOLETTO, 2005a). Desse modo, o lugar discursivo deve ser compreendido como espaço intervalar que abriga no seu interior “diferentes e contraditórias posições-sujeito” (GRIGOLETTO, 2005a, p. 158).

Por fim, vale salientar que o lugar discursivo deve ser compreendido “como um espaço constitutivamente heterogêneo, onde se materializam as diferentes imagens projetadas pelos interlocutores de um discurso” (GRIGOLETTO, 2005a, p. 158-159). Por sua vez, a passagem do espaço empírico para o espaço discursivo é afetada pelo inconsciente, tendo em vista que o sujeito, muitas vezes, tem a ilusão de que pode apagar o seu lugar social dentro do processo discursivo. “Tal apagamento é somente um efeito, um simulacro, já que a sua inscrição num determinado lugar discursivo implica sempre uma determinação do lugar social. Ou seja, sempre haverá uma determinação ideológica” (GRIGOLETTO, 2005a, p. 158-159).

Em vista disso, o próximo capítulo aborda aspectos históricos relacionados ao lugar social do sujeito do discurso produzido pela FPE. Para tanto, escavamos, do ponto de vista

histórico-discursivo, a relação entre a Igreja e o Estado, da colonização à formação da Frente Parlamentar Evangélica – FPE. Assim também, propomos uma investigação acerca das concepções de ética, principalmente, as contribuições de Max Weber, que nos interessa em particular tendo em vista a contribuição do mesmo para entendermos a ética na Idade Moderna e sua relação com a laicidade do Estado, característica fundamental para a formação dos Estados Nacionais.

Essa discussão se justifica pela necessidade de compreendermos as concepções de ética que estão atravessadas no discurso produzido pela FPE, numa tentativa de entender como o Lugar Social Cristão do sujeito o conduz à construção de um discurso político atravessado por uma concepção de ética cristã-evangélica, o que nos remete à interpelação do sujeito através de dois Aparelhos Ideológicos do Estado – AIE, o Religioso e o Político.

3 CRISTIANISMO, POLÍTICA E ÉTICA: DA COLONIZAÇÃO BRASILEIRA À