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1.2. Antecedentes sociopolíticos e económicos

1.2.2. A era do ‘renascimento’ africano pós-independência

O período pós-independência foi, para muitos dos países africanos, um momento de grandes reptos38. Na sua maioria, a passagem de colonizados para independentes ou soberanos, fez-se à expensas de grandes sacrifícios e de grande efusão de sangue humano. As independências foram um caso sanguinário. Este ambiente de violência estendeu-se à era pós-independência, com excepção de uma minoria de países, tendo suscitado ódio mútuo dos irmãos entre si. O resultado desta atmosfera de inimizades foram as guerras fratricidas que se deram em muitos países africanos, motivadas, entre outros factores, pela má divisão do continente pelas potências europeias no passado e, noutros casos, pela ineficácia do método de passagem do poder político para os autóctones e também pela falta de capacidade de entendimento mútuo dos líderes da revolução nestes países. A par desta problemática tão grave quanto devastadora, acresce-se a questão da dívida externa, supostamente, contraída pelos países africanos. A dívida assim entendida arrastava a

38 Dudley aponta algumas consequências decorrentes do processo das independências em África.

Assim, são indicados como grandes desafios duma África pós-independência, a base sobre a qual assenta este processo, a herança constitucional, a burocracia e a economia, a mobilização social, militar e o militarismo e, finalmente, a liderança política e a sucessão política (cfr. B. DUDLEY, «Decolonisation and the problems of Independence» in J. D. FAGE – R. OLIVER, The Cambridge History of Africa, from c. 1940 to c. 1975, 52- 94). Justamente, alguns investigadores da realidade social, económica e política africana perguntam: «after Colonialism: Independence … or into dependence?» para caracterizar o ambiente de incerteza e de desafios nesta fase da História da África (cfr. E. GILBERT – J. T. REYNOLDS, Africa in World History. From

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África para um abismo sem precedentes de desespero e de falta de confiança. Era um momento difícil para o continente. A compreensão deste quadro da situação do Continente africano levou Ward a sintetizar os problemas, na era pós-independência, dos países africanos, em dois: económico e político. O problema económico é sobretudo evidenciado pelo problema da pobreza e o político pela liderança dos seus chefes39.

Cônscios deste grande desafio em que o Continente africano se viu imerso, muitos líderes políticos da altura tinham despertado para a gravidade e complexidade da situação. Abriu-se um debate à escala mundial originado, alimentado e estimulado constantemente, não somente pelos países africanos, mas por todos os países que estavam a militar no grupo dos chamados Países do Terceiro Mundo. Daí, emergiu o novo tema “a Nova Ordem Económica Internacional” (NOEI) começado nos anos 50 do século XX com o objectivo puramente económico de repensar a economia global. Assim, afigura-se que

«a ideia da NOEI surgiu da crescente consciência nos países do Terceiro Mundo de que o crescimento, por si só, não garantia o atingir dos objectivos fundamentais da política económica – pleno emprego, estabilidade de preços, distribuição equitativa do rendimento e melhoria da qualidade de vida – e que o mercado não é o mecanismo mais eficaz para realizar a distribuição internacional dos recursos. Face ao fracasso das estratégias tradicionais de desenvolvimento, o Terceiro Mundo sublinhou a necessidade de reestruturar profundamente o sistema económico internacional estabelecido a partir da Segunda Guerra Mundial, “um sistema que faz mais ricos os ricos e mais pobres os pobres”, como disse o presidente tanzaniano Julius Nyerere»40.

Consequência desta grande dificuldade que os países do Terceiro Mundo estavam a enfrentar, foram as variadíssimas conferências realizadas, convocadas para o debate do tema na arena internacional. São disto exemplo, as conferências de Bandung (1955), Belgrado (1961), UNCTAD I 41 em Genebra (1964), UNCTAD II em Nova Deli (1968),

UNCTAD III, Santiago do Chile (1972), Dacar e Lima (1975), UNCTAD IV, Nairobi (1976), UNCTAD V, Manila (1979).

39 Cfr. W. E. F. WARD, Emergent Africa, 192.

40 N. MOREIRA (Ed.), «A nova ordem económica internacional» in Guia do Terceiro Mundo, edição

portuguesa (Lisboa: Editora Tricontinental, 1981) 423.

41 A sigla significa na língua inglesa “United Nations Conference for Trade and Development. A

Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (CNUCD), sigla em Português, é um órgão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, fundado em Genebra, Suíça, em 1964. O seu principal objectivo é estimular o comércio internacional para acelerar o desenvolvimento económico sobretudo nos países subdesenvolvidos. É um organismo da ONU que tem funcionado como intermediário entre os países ricos e mais desenvolvidos e os países do Terceiro Mundo.

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Em todas estas conferências, foi levada a consciência ou a ideia reivindicativa dos Países do Terceiro Mundo, criando-se um grupo de países que ficou conhecido na história com o nome de «o Grupo dos 77». Para este grupo, a consciência reivindicativa era clara. Ele «reclama uma renegociação global da dívida externa do Terceiro Mundo – ou, pelo menos, dos países mais pobres – que possa quebrar o actual círculo vicioso, no qual, para pagar o serviço das dívidas antigas, é preciso recorrer a novos créditos e, portanto, endividar-se mais»42. Havia, portanto, uma consciência generalizada dos governos dos

países do Terceiro Mundo de que o que alavanca a já monstruosa dívida externa dos seus países eram, por exemplo, os transportes marítimos, os seguros internacionais, a tecnologia e o financiamento que andavam de mãos dadas com a deterioração dos preços das matérias-primas, que se tinham tornado numa cadeia de desequilíbrios sucessivos e de graves endividamentos.

Demonstra a tensão do tempo, o discurso de abertura de Julius Nyerere na conferência ministerial do Grupo dos 77, a 12 de Fevereiro de 1977 em Arusha, Tanzânia:

«(…) a suposta neutralidade do mercado mundial mostrou ser a neutralidade entre o explorador e o explorado, entre a ave de rapina e a sua vítima. No nosso esforço para encontrar recursos para sobreviver – não falemos sequer de desenvolvimento – terminámos sempre sob o controle das empresas transnacionais ou sujeitos às políticas deflacionárias do FMI, ou ainda a ambos! Não progredimos. Passámos simplesmente da frigideira para o congelador. (…) Reunimo-nos, então, para negociar com os países industrializados modificações nas leis e nas práticas do comércio e finanças mundiais. O actual sistema foi criado pelos Estados industrializados para servir os seus propósitos. (…) Porque nós, o Terceiro Mundo, reclamamos que os sistemas que fizeram mais ricos os ricos e os pobres mais pobres sejam modificados, assim como outras coisas se modificaram: terminou o colonialismo, a tecnologia avançou e a humanidade tomou uma nova consciência da igualdade e dignidade do homem»43.

Este ambiente denota a grande preocupação que os protagonistas das independências nos países africanos tiveram face à chamada “Nova Ordem Mundial”. As independências destes países não significaram desenvolvimento nem humano nem económico. Em muitos casos, teve consequências muito negativas. Todavia, tudo isto foi conduzido pela política de transição de colonizados para independentes. O próprio clima pós-independência, em África, traduzia claramente um neocolonialismo. Tinha-se alcançado a independência política e ficou-se a dever à independência económico-

42 N. MOREIRA (Ed.), «A nova ordem económica internacional» 429. 43 N. MOREIRA (Ed.), «A nova ordem económica internacional» 430.

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financeira. Da presença física das potências, passou-se para uma “ausência-presença” num novo modo de estar e de agir. Como pagar as exorbitantes dívidas dos países africanos? Como incrementar o seu desenvolvimento? Até que ponto é possível dar esperança de uma nova vida feliz e próspera a um povo que há séculos a perdeu? Era preciso juntar as vozes que unissem as reivindicações de um tratamento diferente por parte dos países ricos. Neste diálogo, a Igreja que está em África tinha de ter também a sua voz, pois para o povo africano, esta era talvez a única esperança da África para falar no lugar dos sem voz.