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3.1. Análise da situação actual

3.1.1. A Africae Munus de Bento XVI

3.1.1.2. O contexto actual da África

Recolhendo os debates dos Padres sinodais, Bento XVI apresentou o ponto de situação em que se encontra o Continente africano. O método de abordagem da questão é já animador, pois não parte do pessimismo, mas dum positivismo que admite questionar, ao menos, tacitamente: “Como cresceu a África?” Bento XVI afirma, a este respeito, que em África, nos nossos dias, se assiste a uma nova era africana pois «uma vitalidade eclesial excepcional e o desenvolvimento teológico da Igreja como Família de Deus foram os resultados mais visíveis do Sínodo de 1994»295.

O Instrumentum Laboris para o Sínodo de 2009 começa com a análise da situação actual africana. Daí, o primeiro capítulo intitular-se “A Igreja em África hoje”296. Já os

Lineamenta tinham sido claros na definição dos objectivos a atingir: «há que fazer, portanto, um inventário e um exame de consciência, ou por outras palavras colocar-nos três questões: O que conseguiu a Ecclesia in Africa? O que fizemos da Ecclesia in Africa? O

294 Cfr. BENTO XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus, 1. 295 BENTO XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus, 3.

296 II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Instrumentum Laboris (Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana) 2009.

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que, na sua linha, falta fazer em função do novo contexto africano?»297. Estas três questões

constituem a linha orientadora de todas as respostas para o Instrumentum Laboris e, por conseguinte, para a Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus.

3.1.1.2.1. Alguns sinais positivos

A convicção que vem do Instrumentum Laboris e da Africae Munus em relação aos últimos desenvolvimentos da situação da missão evangelizadora em África, catorze anos depois da publicação da Ecclesia in Africa, apesar de alguns temores, inspira esperança.

3.1.1.2.1.1. Na área da evangelização

No âmbito da evangelização, vários indicadores apresentam um cenário de aspectos muito positivos. Esta consciência bem vincada vem da constatação de que, em África, hoje,

«podem efectivamente ver-se sinais de esperança num renascer de um cristianismo fecundo e dinâmico e num aparecimento de sociedades novas: o notável aumento em África do número dos católicos, sacerdotes, pessoas consagradas; o número crescente de missionários africanos na África e fora do Continente, bem como o estabelecimento de uma plataforma continental de consulta para eles; a vitalidade das liturgias africanas e das comunidades eclesiais vivas; a criação e reestruturação das dioceses e dos territórios eclesiásticos; o crescente papel da Igreja na promoção do desenvolvimento do Continente, sobretudo na educação, na saúde, na luta em favor da formação de Estados de Direito em todo o Continente Africano; e, por fim, apesar de tais fraquezas, o facto de a Igreja continuar a desfrutar de uma grande credibilidade por parte das populações africanas»298.

Este foi diagnóstico continental pré-sinodal para a preparação do Sínodo de 2009. Estas asserções vieram a ser retomadas pela Africae Munus, confirmando esta real situação social africana.

297 II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Lineamenta, 1. 298 II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Instrumentum Laboris, 1.

119 3.1.1.2.1.2. Na área social e política

No âmbito do ambiente social e político várias transformações foram sublinhadas. Entre elas, constatou-se que

«é possível evidenciar alguns novos progressos: o restabelecimento da paz nalguns países africanos; a forte aspiração da paz, largamente sentida no Continente, sobretudo na região dos Grandes Lagos; a crescente oposição à corrupção; a vigorosa tomada de consciência da necessidade de promover a mulher africana e a dignidade de toda a pessoa humana; o empenhamento dos leigos nas «sociedades civis» em prol da promoção e defesa dos «Direitos do Homem»; o número cada vez maior de políticos africanos, conscientes e determinados a encontrar soluções africanas para os problemas africanos»299.

Foram também apontados como sinais que verdadeiramente manifestam algum progresso no Continente, no âmbito social e político, a criação da União Africana (UA), da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD) e do Mecanismo Africano de Avaliação pelos Pares (MAEP), um instrumento para avaliar os esforços dos Estados africanos, no desempenho para a cultura democrática e para cultura na área da economia300. Estes novos sinais que aconteceram entre as duas Assembleias foram denominadas como «um contexto social novo»301 em África. Vários destes sinais permitem

olhar para a situação da Igreja e da sociedade africanas com esperança de um Continente a caminhar a seu ritmo, para um futuro construtivo.

3.1.1.2.2. Alguns sinais negativos

A par destes sinais que projectam a África para um horizonte sustentável no combate contra os diversos reptos que ela enfrenta, nos últimos anos, ainda assim, de acordo com o diagnóstico do último Sínodo, há vários aspectos que, apesar de terem sido já abordados pelo primeiro Sínodo, permanecem num estado de estagnação. Estes aspectos foram manifestos, em primeiro lugar, pelos Lineamenta que apontaram, por exemplo que, nos últimos anos, em África, se assiste a uma galopante degradação da qualidade de vida,

299 II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Instrumentum Laboris, 7.

300 Cfr. II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Instrumentum Laboris, 8.

301 II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Instrumentum Laboris, 6.

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uma grande insuficiência dos meios necessários para a educação e formação da juventude africana, uma grande prevalência de doenças endémicas (a prevalência dos desafios lançados pela difusão da SIDA), o peso da dívida internacional para muitos países africanos, as guerras fratricidas, suportadas pelo comércio de armas, o fenómeno das migrações que faz refugiados e deslocados e, por isso, considerado um «espetáculo vergonhoso e lastimável», e massacres praticados em vários cantos do Continente. Considera-se que uma grande maioria da população africana continua ainda a viver na carência de bens e serviços de primeira necessidade, de meios indispensáveis à vida, como água potável, cuidados básicos de saúde, uma sã alimentação. Muitos países africanos enfrentam ainda elevados indicadores de dependência de países ricos o que tem condicionado a vida política, económica, social e cultural302.

A par destes males, situações que vêm do interior dos membros das próprias comunidades dos Povos africanos foram também destacadas. Estas situações são manifestas no egoísmo que é a raíz da cobiça, a corrupção que fomenta a avareza e que leva à apropriação ilegítima e indevida dos bens destinados para todos, a sede de poder que ‘desgraça’ e enferma corrosivamente a consciência de muitos líderes africanos, sem cultura democrática nem sensibilidade para a estabilização dos seus países. Tudo isto aparece num quadro de conivência internacional que, para perpetuar o sofrimento do Povo africano, protege as elites africanas de Governos antidemocráticos em troca de favores económicos303. Estes são alguns dos grandes desafios que pintam de negatividade o quadro

actual do Continente africano e que andam em paralelo com os sinais positivos que a África foi alcançando nos últimos anos dos dois primeiros decénios do século XXI.

Retomando a abordagem dos Padres sinodais participantes nos trabalhos da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, Bento XVI reafirmou todos estes sinais negativos do desenvolvimento da sociedade africana. Indicou como zonas de grande preocupação, na linha das declarações dos Padres sinodais, a prevalência, em África, da falta do espírito de diálogo, de paz e de reconciliação, que não habita ainda no coração de muitos africanos.304 No campo da ética, Bento XVI considera a grande

302 Cfr. II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Lineamenta, 8. 303 Cfr. II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS, Instrumentum Laboris, 11-13.

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preocupação, a família e a defesa da vida, que, segundo os Padres sinodais africanos, nos encontros internacionais constata-se amiúde a falta de uma «clareza ética» e uma linguagem confusa que facilitam a transmissão de supostos ‘valores’ que contrariam claramente a moral católica em relação à doutrina sobre a Família e sobre a vida305.

3.1.1.2.3. Novos sinais de preocupação

Neste quadro global de sinais positivos e negativos nos últimos anos da caminhada comunitária dos Povos do Continente africano, novos cenários foram surgindo. A Segunda Assembleia para a África do Sínodo dos Bispos radiografou, de forma minuciosa, estes novos reptos do Continente. Por isso, Bento XVI evidenciou-os e sublinhou alguns deles, pelo menos os mais preocupantes e desafiadores face à missão evangelizadora da Igreja em África, neste nosso tempo. Um destes desafios é a inculturação e o diálogo com as diversas instâncias da sociedade africana, que apesar do caminho já percorrido neste campo, os reptos continuam activos306. No entanto, na perspectiva dos novos sinais, a Segunda Assembleia para a África do Sínodo dos Bispos marcou com preocupação, como novos desafios da Igreja em África, o nascimento e a expansão, nos últimos decénios, de novas comunidades não católicas, comunidades autóctones africanas independentes - African Independent Churches (AIC), o surgimento de novos movimentos sincretistas e seitas, a dupla pertença e a hostilidade do Islão307, entre tantos outros reptos.

Diante de um quadro assaz desnivelado, radiografado pelo Sínodo dos Bispos de 2009, apresentando a África numa era de crescimento da fé e do desenvolvimento humano e económico, por um lado, e a sobrevivência de alguns desafios que vêm do passado e a emergência de novos reptos no novo Milénio, por outro lado, os Padres sinodais da Segunda Assembleia para a África do Sínodo dos Bispos mantiveram a sua linha de esperança e de encorajamento aos agentes de evangelização para o prosseguimento da sua missão face aos bons resultados que se têm vislumbrado desde a Primeira Assembleia do

305 Cfr. BENTO XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus, 70-74. 306 Cfr. BENTO XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus, 36-38. 307 Cfr. BENTO XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Africae Munus, 89-94.

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Sínodo dos Bispos de 1994. Este sinal de esperança está patente nos debates sinodais e sobretudo na mensagem final do Sínodo308.