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A escola como lugar de decisão curricular

Medidas Educativas de (des)configu ração de uma escolaridade básica articulada

II. l Do desejo de construir uma educação articulada

II.3. A escola na construção de um processo de territorialização

II.3.2. A escola como lugar de decisão curricular

Foi, como já referimos, o Decreto - Lei n° 115-A/98, de 4 de Maio, que veio indicar modos de facilitar uma maior e melhor articulação entre os diferentes níveis de ensino, procurando romper com o isolamento das escolas do Io ciclo e pré-escolar,

assim como dos respectivos professores. Este Decreto regulamenta um novo regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré- escolar e dos ensinos básico e secundário, assim como dos Agrupamentos de Escola. O diploma expressa a intenção de permitir "que sejam encontradas soluções organizativas adequadas às escolas...", prevendo "o desenvolvimento de estratégias de agrupamento de escolas resultantes das dinâmicas locais e do levantamento rigoroso das necessidades educativas...". Pode ainda ler-se, neste Decreto, que "a escola, enquanto centro das políticas educativas, tem, assim, de construir a sua autonomia a partir da comunidade em que se insere, dos seus problemas e potencialidades...", e que "o reforço da autonomia não deve ser encarado como um modo de o Estado aligeirar as suas responsabilidades, mas antes pressupõe o reconhecimento de que, mediante certas condições, as escolas podem gerir melhor os recursos educativos de forma consistente com o seu projecto educativo". Poderá, então concluir-se, com base no Decreto-Lei n° 115-A/98, que a autonomia é um processo de construção pelo qual as escolas ou agrupamentos de escolas, a partir da comunidade em que estão inseridas e mediante o levantamento dos seus problemas e das suas potencialidades, podem transformar-se em centros decisores da política educativa.

Infere-se, ainda, um entendimento da autonomia, segundo o Decreto-Lei n° 115- A/98, como "o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados" (artigo 3o, ponto 1). É ainda expresso que o

Projecto Educativo (artigo 3o, ponto 2 alínea a), é "o documento que consagra a

orientação educativa da escola, elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e gestão para um horizonte de três anos, no qual se explicitam os princípios, os valores, as metas e as estratégias segundo os quais a escola se propõe cumprir a sua função educativa". Então, se este Projecto Educativo tiver sido elaborado com a participação de toda a comunidade e contemplar a filosofia educativa, através da qual a escola se propõe concretizar a sua actividade, a autonomia acontecerá. Será também esta autonomia que possibilitará às escolas/agrupamentos a elaboração de um Projecto Curricular que contextualize, para essa comunidade, o Currículo Nacional, levando ainda à elaboração de Projectos Curriculares de Turma que tornem significativas as aprendizagens dos alunos de cada turma.

Acreditando na filosofia destas orientações, talvez se pudesse esperar que a formação básica caminhasse para a articulação enunciada na Lei de Bases, através de uma escola cada vez mais autónoma e responsável. No entanto, a experiência tem-nos mostrado que ainda estamos longe desse momento e os pequenos passos que têm vindo a ser dados estão localizados num número reduzido de escolas / agrupamentos de escolas. Também no que respeita à autonomia, por razões várias a que não é alheio também o facto de continuar a ser demasiado dirigida e controlada pela Administração Central, a Escola ainda não usufruiu da possibilidade de se transformar num centro de decisão educativo dentro da sua comunidade. Reconhecemos que a mudança das práticas e a concretização dos princípios que os discursos legais têm veiculado passa pela mudança da Escola. Mas, para que a Escola possa realmente ser transformada e desenvolva "uma cultura de responsabilidade partilhada por toda a comunidade educativa" (Decreto-Lei n° 115-A/98), será necessário também modificar a actuação da Administração Central perante as escolas e reduzir o controlo exercido sobre estas.

Um agrupamento de escolas, depois de constituído tem entre as suas competências, como foi já por nós referido, recontextualizar o currículo nacional, não

perdendo de vista as aprendizagens / aquisições comuns a cada ciclo {core curriculum), mas concebendo um projecto curricular adaptado à realidade da comunidade - O Projecto Curricular de Agrupamento. Será a partir deste projecto curricular que os professores (e muito especialmente estes enquanto elementos do conselho de turma), pensam como criar a dinâmica necessária para que o conjunto de alunos (turma) vivencie um projecto de trabalho que lhe proporcione uma aprendizagem com significado - O Projecto Curricular de Turma.

Com base no regime de autonomia, os Agrupamentos de Escolas poderão gerir e organizar o processo de ensino/aprendizagem, tomando como referência os saberes e as competências nucleares a desenvolver pelos alunos no final de cada ciclo e no final da escolaridade básica, adequando-o às necessidades diferenciadas de cada contexto escolar. Esta responsabilidade local por questões de gestão curricular ampliou-se através do "Projecto de Gestão Flexível Curricular", legislado e experimentado, como já atrás foi referido, a partir de 1997/98 e actualizado pelo Despacho n.° 9590/99-23 série de 14

de Maio. Em cada Agrupamento, esperar-se-ia que o currículo fosse reorganizado de modo a contemplar uma vertente local - Projecto Curricular de Agrupamento - e cada Conselho de Turma, em função das características dos seus alunos, organizasse o "Projecto Curricular de Turma", nunca esquecendo, as competências nucleares que os alunos têm de dominar no final de cada ciclo e no final da escolaridade obrigatória, e que são definidas pelo currículo nacional.

Esta nova organização das escolas em Agrupamentos Verticais cria, portanto, mais condições para pensar o ensino básico como um todo, articulando os diferentes saberes e dando sequência aos 9 anos do ensino básico. E, à medida que se organiza o ensino básico através destas grandes linhas orientadoras - Projecto Educativo e Projecto Curricular - a Escola vai, não só, consolidando a sua autonomia, mas também, aumentando a qualidade do seu desempenho.

A qualidade em educação, segundo Carlinda Leite, "não se pode esgotar na determinação das taxas de retenção ou de progressão dos alunos ... estes dados podem representar, apenas, a aplicação de lógicas de competição do mercado" (Leite, C , 2003: 122). Será, portanto, importante que a Escola avalie o seu trabalho. "Por isso, nos últimos tempos, a avaliação e o acompanhamento das acções tem vindo a constituir uma

prática da construção da qualidade em educação" (ibidem: 123). Mas, para que a avaliação e o acompanhamento dessas acções contribuam para que a qualidade em educação seja cada vez maior esses procedimentos deverão acontecer de modo a permitirem "conhecer as situações e que envolvam toda a equipa (pelo menos, da comunidade escolar) na definição de planos de acção adequados à melhoria contínua das situações" (ibidem: 123). Este é, ainda segundo a mesma autora, o princípio subjacente ao conceito de "escolas como organizações que aprendem" ou de "escolas como organizações inteligentes".

"Quando penso numa 'escola curricularmente inteligente', penso numa instituição que, em vez de se limitar a administrar e a distribuir conhecimentos, na lógica de um pensamento linear e convergente, promove práticas onde se desenvolvem a criatividade e competências de ordem cognitiva, afectiva a social. Penso, como é evidente, numa instituição que não depende exclusivamente de uma gestão que lhe é exterior porque nela ocorrem processos de tomada de decisão participados pelo colectivo escolar e onde, simultaneamente, ocorrem processos de comunicação real que envolvem professores e alunos e, através deles, a comunidade, na estruturação do ensino e na construção da aprendizagem" (Leite, C , 2003: 124-125).

As escolas serão tanto mais "curricularmente inteligentes", quanto mais autónomas. Pois, ainda conforme Carlinda Leite, "a ideia de escola 'curricularmente inteligente' está associada a ideia de autonomia escolar e dos professores, significando essa autonomia um maior conhecimento do contexto em que se está inserido e dos objectivos que se deseja para a acção" (Leite, C , 2003: 125). É também neste sentido que justificamos o envolvimento neste trabalho e os efeitos que ele pode gerar.

PARTE II

Uma análise da formação básica num