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A ESCOLA DE ADESTRAMENTO DE DIRIGENTES: GOVERNANÇA CORPORATIVA

4 ZONAS SEM SENTIDO SOBRE A PERSPECTIVA DOMINANTE DA GOVERNANÇA

4.2 A ESCOLA DE ADESTRAMENTO DE DIRIGENTES: GOVERNANÇA CORPORATIVA

ENGENHARIA

Não sabemos dizer sobre o processo de transfiguração da percepção da governança corporativa enquanto processo para sua operacionalização prática enquanto estrutura. Nosso

foco aqui é discutir governança corporativa enquanto aparato estrutural de controle sobre o agente oportunista, que nos faz sentido quando ancorada na ação social parsoniana.

A ideia básica é que os mecanismos de governança buscam operar e determinar as ações dos Agentes, instituindo-os como “verdadeiros” sujeitos sociais no “Sistema Social Acionário”. A busca por controle sobre o comportamento oportunista, para reduzir níveis de incerteza, encontrou nos princípios e na estruturação de mecanismos de governança corporativa o caminho para instaurar determinado comportamento desejado para dirigentes de firmas.

A organização assim delineada é um instrumento técnico para a mobilização das energias humanas, visando uma finalidade já estabelecida. Atribuímos tarefas, delegamos autoridade, encaminhamos as comunicações e encontramos algum modo de coordenar tudo o que foi dividido e parcelado. Tudo é formulado como um exercício de engenharia e subordinado aos ideais e disciplina correlatos de racionalidade e disciplina (SELZNICK, 1972, p. 05, grifo nosso)

A perspectiva da Abordagem-Tradicional, tal como vem sendo difundida no âmbito acadêmico brasileiro, revela certa tendência determinista, que se embasa em uma postura prescritiva acerca do comportamento dos Agentes. Segundo a discussão construída por Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate (2005), diríamos que a acepção construída pela ideia de mecanismos, instrumentos e princípios de GC (aparato técnico) para mobilização de Agentes, visando uma finalidade estabelecida (maximização de proprietários) subordinada a ideais racionais, está subjacente a uma versão específica da teoria institucional, que trata a atuação dos atores sob uma visão maniqueísta de mundo. Essa vertente da teoria institucional, ainda de acordo com os autores postos, nega a capacidade dos atores no processo de construção social da realidade e os submetem a uma estrutura, a qual não constragem nem são possibilitados de qualquer ação social. Os atores, dessa forma, não são criados por meio do comportatilhamento intersubjetivo de interpretações, mas, sim, estão arraigados a algum papel determinado, tangente à sua ocupação (status quo) na estrutura.

De acordo com Parsons (1968), o sistema social é constituído, de um lado, por um sistema integrativo de indivíduos e de coletividades, por intermédio de seus atos; e, de outro, por um sistema imperativo de valores e normas. O posicionamento deste autor é semelhante ao comportamento normativo do ambiente, de Durkheim, mas busca uma ponte deste último com Freud: as normas coletivas são internalizadas, via superego, como elementos subjetivos da personalidade individual, imprimindo um modelo de ação, ao nível do indivíduo, coerente com padrões culturais e estruturais.

Parsons e Shils (1968) explicam que a ação individual é guiada pelo sistema de definição de incentivos e sanções, assimilados pelo sujeito (este termo designa bem o sentido parsoniano) quando na interação social com algum padrão cultural.

A aprendizagem dos padrões de conduta, característicos da cultura adulta, requer novos tipos de generalização, incluindo símbolos abstraídos de situações particulares e que se referem a classes de objetos por meio da linguagem (PARSONS; SHILS, 1968 p. 35, tradução nossa).

A ação do sujeito começa a ser estabelecida já enquanto criança, em um sistema social relativamente específico que define necessidades inconscientes que determinarão as reações (automáticas – ideia de reflexo) a situações particulares. A aprendizagem dessas reações acontece em experiências interativas com outros sujeitos (principalmente por intermédio da linguagem) e permite a integração a estruturas simbólicas, sob padrões culturais. As orientações para condutas individuais são determinadas, portanto, em função da assimilação e integração aos padrões culturais de um dado sistema social. Estes padrões culturais, ou estrutura social na qual o indivíduo é pertencente, imprimem um rol de seleção de normas e avaliações aplicadas a objetos individuais e coletivos (PARSONS, 1968).

Esta determinação de funções, de assimilação e integração de rols de personalidade, de médias e recompensas em um sistema social, implica um processo de seleção de acordo com normas de avaliação aplicadas às características dos objetos (individuais e coletivos). Isto não significa que alguém determine deliberadamente o plano estruturado da maioria dos sistemas sociais, assim como de outros tipos de sistema de ação, não é possível que as eleições de normas de avaliação estejam ao mesmo tempo submetidas ao azar e integradas a um sistema social coerentemente organizado e em funcionamento. Neste sentido, a estrutura do sistema social deve ser observada como a resultante acumulativa e equilibrada de muitas seleções de diversos indivíduos (PARSONS; SHILS, 1968 p. 44).

A institucionalização do comportamento do sujeito, que se refere à absorção de valores (orientadores), é devida à combinação de elementos sociais com padrões culturais que organizam a conduta individual (PARSOSN, 1968b). Nesses caracteres, a imposição ao Agente de determinados princípios que devem ser adotados seria uma forma de combinar comportamentos sociais dos gestores com os padrões culturais dos acionistas para inserir orientações de valores naqueles primeiros, de maneira a guiar um desejado comportamento. Assim, a governança é significada como uma tentativa de institucionalização do comportamento dos Agentes, que “não está submetida ao azar”, mas que também não é determinada como plano deliberadamente estruturado. Ela é, então, fruto de “eleições e avaliações sociais”, diante da incerteza, que resultaram em um sistema social de imposição e de aparente adoção de valores determinantes de comportamentos. Neste sentido, conforme a

exposição de Machado-da-Silva, Fonseca e Crubellate (2005), ser um “agente” é atuar com propósito, competência, intencionalidade e calculabilidade.

Com inspiração em Parsons (1968), falaríamos que a homologação de princípios para a boa prática de governança é uma forma de buscar, por meio da aprendizagem, fundamentar (institucionalizar) uma estrutura simbólica de controle nos Agentes para interpelar uma espécie de tradição cultural de necessidades e dispositivos de respostas cujo objetivo é constituir o comportamento, no gestor, de atendimento às expectativas dos proprietários das firmas. A aprendizagem, neste caso, se refere ao instrumento técnico para mobilizar energias humanas, de Selznick (1972). Aprender, com bases neste autor, significa cumprir determinadas tarefas, ou princípios, de modo que o comportamento se automatize e assimile condutas, tais como transparência, equidade e conformidade a leis. Seria semelhante a um processo de adestramento, que depreenderia orientações consolidadas. Por conseguinte, esperar-se-ia que o ego do Agente se conduzisse de certa maneira relativamente específica, dentro de limites que não ferem os interesses dos proprietários.

A Abordagem-Tradicional expõe que a adoção de mecanismos de GC por parte da firma é sinônimo de controle (e, por conseguinte, de comportamento não-oportunista). Para tal intento, parece que parte-se do pressuposto de que, por exemplo, a homologação de princípios busca guiar o sistema de definição de padrões dos Agentes, no sentido de atender à maximização do valor dos proprietários. Assim, os princípios, tão logo homologados, buscam definir as reações e orientações dos gestores para a prática da boa governança quando na interação deles (gestores) com o padrão cultural do ambiente corporativo. Dessa maneira, a governança corporativa se presentifica como mecanismo de imposição de um padrão institucional.

O trecho do Sujeito de Pesquisa 20 ilustra o sentido que desejamos realçar:

(21) Precisamos pensar na governança, deixar um pouco de lado aquela veia do empreendedor e pensar no negócio, tem que gerar remuneração, tem que remunerar os acionistas, tem que ser transparente às regras do jogo, então isso está vindo aí, lento, mas está indo, estamos caminhando bem. A empresa não se destabilizou. Sobre o modelo de ação de Parsons, o “pensar na governança” seria parte componente dos padrões culturais que o Sujeito 20 (um diretor executivo) teria aprendido em sua socialização com o sistema normativo da Bovespa e na integração com os proprietários da companhia (que buscam maximizar seu retorno por meio da governança), observando, ainda, o mercado de

capital. Neste sentido, diante de qualquer decisão, digamos, importante, os limites componentes do sistema de definição desse sujeito guiariam sua ação a respostas sempre no sentido de “remunerar o acionista”, “ser transparente”, “obedecer às regras do jogo”, mesmo que isso signifique acabar “com a veia empreendedora da empresa”. Se a governança está instituída, o que interessa é a entrega de valor ao proprietário. Em outras palavras, as normas e regularizações da Bovespa estariam internalizadas e assimiladas pelos dirigentes, os quais teriam como base de conduta os princípios da boa governança.

Um parêntese de reflexão: Essa “veia empreendedora”, segundo Schumpeter (1952), não seria o que garante o sucesso da empresa? Neste sentido, é contraditório “deixá-la de lado” para “pensar na governança”.

Esses códigos têm uma importância fundamental, pois vêm atender às demandas de transparência e sugerir comportamentos que, em princípio, deveriam ser adotados. No entanto, fixar regras não significa resolver problemas. A despeito da importância dos códigos de conduta, não se pode restringir nem reduzir a questão da governança corporativa exclusivamente a eles (ALVARES; GIACOMETTI; GUSSO, 2008, p. 32, grifo nosso).

“Sugerir comportamentos que, em princípio, deveriam ser adotados” seria uma forma de institucionalizar, no sentido da ação parsoniana, normas e princípios de conduta nos Agentes. Dessa maneira, busca-se delinear o comportamento dos gestores por meio do cumprimento de regras exigidas pelos órgãos reguladores (aparato técnico para mobilização de energias humanas), as quais, ao longo do tempo e devido à racionalidade e disciplina, seriam internalizadas, assimiladas e aprendidas (institucionalizadas) como padrão recorrente nas corporações – assim, dirigentes, por meio de exercício de engenharia, “gerariam remuneração aos acionistas” e também “seriam transparentes às regras do jogo”.

Diante do tratamento mecânico dispensado ao Agente não é permitido qualquer imbricamento de processos de reconstrução e de mudança institucional.

O que urge compreender é que tais referências nunca provêm de modo linear e direto de fonte externa ao agente, mas sempre por meio da interpretação, do significado que ele atribui ao contexto no qual imerge e emerge a prática social. Vale esclarecer que não se nega a presença de uma face objetiva dessas dimensões referenciais; o que se nega é a sua influência direta na ação. Delineado desta forma, o processo de institucionalização se torna eminentemente dinâmico, ao invés de estático; inclui agência, além de estruturas sociais, e acontece tanto em níveis macrossociais como em níveis microssociais. Conseguintemente, é a construção de significados e de interpretações que fornece um caráter dinâmico à institucionalização, não apenas a intencionalidade, pois o agente se concentra somente nos aspectos que percebe como essenciais para solucionar o problema com que se defronta. Cabe ainda relembrar que o processo de institucionalização implica

em questão de grau, na medida em que a fundação e o desenvolvimento de estruturas sociais variam conforme circunstâncias históricas, espaciotemporalmente delimitadas (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005 p.26). A concepção da Abordagem-Tradicional trataria, pois, do Agente como um ente submetido aos ditames das regulamentações da boa governança. O sujeito é assumido, portanto, sob uma visão “romântica” de seguidor de normas. A ideia de institucionalização, aparentemente seguida pelo formato dessa abordagem, se isenta do agente no sentido daquele que exerce poder ou produz um efeito (MACHADO-DA-SILVA; FONSECA; CRUBELLATE, 2005). Agência, sob essa significação, remete à capacidade de interferir em eventos, não necessariamente de modo intencional.

Ainda neste panorama, sob o manuseio de num caráter técnico e instrumental, transparece a reificação da governança corporativa, a qual, uma vez nesta forma, transforma-se em um modo de coordenação que não extrapola um exercício de engenharia: comportamentos de sujeitos organizacionais (que deveriam ser de maquinários e demais objetos, mas que, no caso, referem-se ao comportamento dos atores, valendo-nos da ambiguidade deste termo) subordinados a ideais e correlatos a racionalidade e disciplina.

Álvares, Giacometti e Gusso (2008) , ainda que inconscientemente, nos fornecem uma pertinente analogia ao relacionar princípios de governança com “códigos de conduta”. Seguindo as predicações do Sujeito de Pesquisa 4, e relacionando-as a estes autores, entendemos que “a instituição de princípios [mecanismos de governança] são de natureza moral, i.e., que eles seriam normas de condutas ‘aceitáveis’ que buscariam instituir aspectos morais (valores)”. Os “princípios” instituídos pela Abordagem-Tradicional, nesse embasamento, tangencia referenciais éticos e morais essenciais para o delineamento do comportamento dos atores corporativos. Portanto, referenciam “leis que buscam organizar a vida social dentro da firma ao determinar o comportamento mínimo aceitável. É uma tentativa de um mínimo moral” (SUJEITO DE PESQUISA 4). Para que “os padrões de governança são claramente afetados por esses atributos [pelos princípios]”, então, “na sua origem, a governança corporativa é definida como um sistema de valores que rege as organizações, em sua rede de relações internas e externas” (ALVARES; GIACOMETTI; GUSSO, 2008 p.66). Em suma, seguindo a linha de pensamento do entrevistado 4, os princípios seriam os veículos de institucionalização de uma governança que se propõe a controlar o comportamento oportunista.