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O “MUNDO ACIONÁRIO”

Na época em que o Proprietário era o Rei da Firma, vivia em seu reino um barão chamado Gestor, um bravo e hábil administrador, muito estimado por sua capacidade de geração de retornos aos investimentos feitos nas firmas, e para o Rei.

Um certo dia, ao voltar de uma expedição de aumentos de dividendos para o Rei, Gestor encontrou três feiticeiras que lhe dirigiram a palavra.

A primeira bruxa saudou gestor:

_ Salve Gestor, hábil tomador de decisões corporativas.

Gestor ficou impressionado, sem saber de onde aquela criatura tão misteriosa o conhecia. E maior foi seu assombro quando a segunda maga complementou a saudação, dando-lhe o título de Barão da Firma. Gestor não o era, e nunca tinha pretendido ser.

Saudou-o, por fim, a terceira bruxa, com guinchos proféticos: _ Salve, Gestor, que será rei!

A saudação parecia para Gestor um absurdo, deixando assombrado o herói da firma. Erguendo-se ao ar, as três magas desapareceram.

Ainda estava imóvel, meditando sobre essa aventura inacreditável, quando chegaram dois mensageiros do rei, eram Berle e Means (1932), encarregados de conceber a Gestor, ator emergente da dissociação entre posse e gestão da firma, poder e direito de controle sobre a firma, e, ao mesmo tempo, a incumbência de representar os interesses do rei, i.e., maximizar as riquezas da firma, e do reino. Para tanto, Gestor foi nomeado, a mando do rei, com o título de Barão da Firma. A notícia confirmava de maneira tão espantosa a predição das bruxas. Gestor, atônito, nem conseguiu pronunciar seus agradecimentos. Seu espírito começou a alimentar a esperança de que também se tornasse real a profecia da terceira bruxa.

* * *

A possibilidade de controle da firma alimentou o oportunismo de Gestor, que, tão logo soube da predição das bruxas, passou a procurar soluções práticas para lograr benefício em detrimento de outros atores econômicos (WILLIAMSON, 1975). De posse da tomada de decisões, o nobre dirigente chegou à conclusão de que era possível cumprir seus interesses pessoais, em detrimento dos interesses dos proprietários.

O oportunismo fazia de Gestor um mestre na dissimulação, que sabia como ninguém ocultar seus verdadeiros sentimentos, sob uma máscara de promessas simpáticas e amáveis, mas, de fato, falsas e vazias (WILLIAMSON, 1975).

Tomado por ambições e sedento de poder, Gestor inicia seus atos discricionários contra o rei da firma. Temeroso pela descoberta de seu comportamento hediondo, Gestor trata de preparar o assassínio de todo o legado Proprietário, utilizando, pois, fraudes contábeis [, gerenciamento de resultados, decisões não consensadas] e charlatanismo para com os acionistas. Assim, o Rei é exterminado. Depois da morte do Rei, seus filhos – sucessores – fogem. Desta forma, Gestor extermina a ação acionária, subindo, então, ao trono de Rei da Firma, satisfazendo, pois, a todas as suas vontades.

O amanhecer da década de 1990, contudo, denuncia os crimes de Gestor. Atormentado pelas possíveis conseqüências dos seus comportamentos destoantes, ele decidiu procurar ainda uma vez as bruxas: queria que lhe antecipassem o próprio destino, por pior que fosse.

Encontrou-se numa caverna da região complexa do ambiente corporativo, onde as criaturas, por artes de magia, já sabiam de sua vinda e o aguardavam. Preparavam-se no momento para convocar os espíritos ocupando-se na execução do feitiço correspondente. Na medonha receita entravam olhos de gurus, cérebros de consultores, língua de manual, mão-invisível do mercado, estórias de sucesso, escama de lendas organizacionais, galhos de arbusto nascido num tumulo de CEO, um dente de conselheiro, bexiga de presidente de CAD, dedo de fornecedor e a raiz da venenosa responsabilidade social. Todos esses ingredientes foram postos a ferver numa enorme caldeira, resfriada a sangue da sociedade. Por meio desses feitiços, as magas obrigaram os espíritos “celestes” a responderem às suas perguntas. As bruxas, antes de tudo, perguntaram a Gestor se preferia saber a verdade por seu intermédio ou diretamente dos espíritos. Ele, temerário, respondeu que gostaria de falar com os espíritos. Foram então invocados três espíritos. O primeiro, que se apresentou sob a forma do ativismo pioneiro de um acionista individual (Robert Monks, 1991), dirigiu-se a Gestor:

_O destino das companhias não é traçado pelo Proprietário. Aqueles que monitoram eficazmente a gestão podem proteger a posse da firma. Suas principais armas são fairness (senso de justiça) e compliance (conformidade legal, especialmente a relacionada aos direitos dos minoritários passivos).

O segundo espírito surgiu sob a forma de um relatório (o Relatório de Cadbury, 1998); chamou o rei pelo nome, dizendo-lhe que não tivesse medo da força do homem só, pois a criatura que o controlasse adviria de um comitê (o conselho de administração). Aconselhou-o ainda a continuar ousado, mas para tomar cuidado com valores como accountability (prestação responsável de contas) e disclosure (transparência).

O terceiro espírito surgiu sob a forma duma organização multilateral (a OCDE, 2002). Afirmou a Gestor que ele nunca seria controlado enquanto não possuísse princípios.

_Que agradáveis profecias! Tranqüilidade no futuro! – exclamou Gestor – Basta não adotar princípios, e, já que a firma está em minhas mãos, devo, apenas, cuidar de acabar com a descrença em relação aos investimentos na firma que minhas atitudes causaram (ANDRADE; ROSSETTI, 2007).

* * *

As constantes atrocidades fizeram com que os nobres acionistas perdessem por Gestor a simpatia, a confiança e o respeito. Ele agora era odiado por todos, e encontrava dificuldades em reforçar seu próprio comando.

* * *

Um belo dia, um mensageiro se apresentou pálido, trêmulo de medo: estando de sentinela no morro tivera a impressão de que percebera o movimento de Príncipes-de-princípios no vale. Relembrando as complicadas declarações do espírito, Gestor sentiu seu ânimo vacilar. Mas ordenou que os soldados se armassem e enfrentassem o inimigo.

O movimento dos Príncipes-de-princípios tinha, contudo, uma explicação bem simples: a Governança Corporativa articulava, por meio do conselho de administração, um conjunto de princípios a serem impostos a Gestor, para controle de seu comportamento. Os princípios deveriam ser, segundo Andrade e Rossetti (2007): (i) Equidade (fairness), que se refere ao senso de justiça e igualdade no tratamento dos stakeholders; mas principalmente acionistas minoritários e suas respectivas relações com a presença em assembléias, com o aumento da

riqueza corporativa e com o resultado das operações. (ii) Transparência (disclosure), que tange à honestidade na prestação de informações, especialmente as de alta relevância que impactam os negócios e que envolvem riscos. (iii) Prestação responsável de contas (accountabillity), pautada nas melhores práticas contábeis e de auditoria. (iv) Conformidade

no cumprimento de normas reguladoras (compliace), expressas nos estatutos sociais, nos

regimentos internos e nas instituições legais do país.

Gestor lutou com raiva e coragem, levando o inimigo de roldão, até aproximar-se do local em que a Governança Corporativa combatia. Lembrou-se então das palavras do espírito: cuidado com o comitê! A Governança Corporativa, ao perceber a presença do rei, passou a gritar palavras contra seu controle.

Sentindo que todo o seu ânimo o abandonava, Gestor amaldiçoou as bruxas e os espíritos perversos que iludem os homens com palavras ambíguas. E declarou à Governança que não lutaria mais.

_Vire-se, então! – bradou a outra, desdenhosa. _Nós te exibiremos nas ruas como um monstro, conduzindo uma tabuleta, na qual será escrito: assim acabam os oportunistas.

_Nunca! – bradou Gestor, lançando-se, desesperado, na direção do inimigo.

Depois de duro combate, Governança Corporativa cortou a cabeça de Gestor, entregando-a, como presente ao Acionista. Este subiu ao trono de Proprietário, aclamado pelos nobres e pelo povo.

E Governança Corporativa, segundo a descrição dos nobres do ENANPAD, passou a ser conhecida como um conjunto de mecanismos de incentivo e controle, interno e externos, para minimização dos custos decorrentes do problema de agência (i.e., problema de comportamento discricionário de gestores).