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Ativismos Mundiais em prol da Governança Corporativa

3 GOVERNANÇA CORPORATIVA: OS RASTROS DO FENÔMENO E O LOCUS DA

3.3 A ABORDAGEM-TRADICIONAL DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

3.3.1 Ativismos Mundiais em prol da Governança Corporativa

Os ativismos, talvez, sejam o ápice dos escândalos corporativos ou, então, a saturação em relação ao comportamento escuso dos CEOs (Chief Executive Officer). Andrade e Rossetti (2007) descrevem três movimentos, quais sejam: o ativismo pioneiro, de Robert Monks (1992); o Relatório de Cadbury (1998); e os princípios da OCDE (1999).

O primeiro “marco” da governança corporativa é o “ativismo individual” de um acionista inconformado com a omissão dos proprietários de ações e com a hegemonia dos administradores no mundo corporativo norte-americano. Como resultado de uma pesquisa de campo, Monks, em 1992, resume os conflitos de agência às decisões da direção executiva que não criavam mais valor para os acionistas do que para si mesmos. Aparentemente sob influência de Berle e Means (1932), Monks adota o princípio de que o destino da firma não é determinado pelos proprietários, senão pelos agentes executores. Logo, o pouco envolvimento dos acionistas permite a ação oportunista dos dirigentes. Desta maneira, Monks defendeu uma postura proativa dos proprietários e o monitoramento da gestão, a partir de uma rigorosa regulamentação para proteger os direitos e interesses do principal, factível mediante a

implementação dos fundamentos fairness (senso de justiça) e compliance (conformidade legal, especialmente a relacionada aos direitos dos minoritários passivos). Andrade e Rossetti (2007) acreditam que, ao questionarem as práticas da direção executiva das empresas em relação aos interesses dos acionistas, Monks evidenciou, em primeira mão, a importância da boa governança.

O segundo movimento refere-se a uma resposta contra a insatisfatória atuação dos Conselhos de Administração (CAD) do Reino Unido. A composição dos Conselhos de Administração não era favorável aos problemas enfrentados pelas empresas inglesas nas décadas de 1980 e 1990, o que levou à constituição de um comitê, no Reino Unido, cujo objetivo era elaborar um código de melhores práticas de governança corporativa para o mercado de capitais e órgãos reguladores. Os resultados foram descritos em um relatório – Relatório de Cadbury (1998), estruturado em dois fundamentos básicos: separação de responsabilidades entre a direção e o conselho de administração; e constituição de um Conselho de Administração que garantisse o direcionamento e o controle da corporação nas mãos de sua estrutura de propriedade. Para sua consistência, este relatório foi constituído pelos valores accountability (prestação responsável de contas) e disclosure (mais transparência), para discutir os aspectos financeiros e os papéis dos acionistas, dos conselhos, dos auditores e dos executivos.

Impulsionada pela potencial atração de investidores que a adoção de determinadas práticas de gestão – governança corporativa – poderia oferecer, o terceiro marco foi a criação de uma organização multilateral, de âmbito mundial, para construir e monitorar um conjunto de normas e diretrizes para a governança das firmas. Em 1999, com reformulações publicadas em 2002, foram introduzidos os princípios de governança corporativa (boa GC) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é referência global em termos de governança corporativa. Os princípios adotam como eixo ideológico a convicção de que investimentos serão atraídos pelas nações e companhias que adotarem práticas aceitáveis de governança, pois práticas confiáveis de gestão atraem investidores para o mercado de capitais, reduzem custos de captação de recursos e alavanca o desenvolvimento da economia. Instituíram-se, então, como fundamentos básicos: a inexistência de um modelo único de governança corporativa (esta deve ser customizada para ser adaptada aos contextos do ambiente interno e externo das corporações); as práticas são evolutivas (devem estar em constante inovação e adaptação); as decisões sobre as práticas de GC serão tomadas pelos órgãos reguladores do mercado de capitais, pelas corporações e por seus acionistas; os

princípios devem garantir a integridade do mercado e desempenho econômico do país; a intenção da GC é maximizar o interesse e ser rigorosa com os direitos dos acionistas; devem ser criadas regras que presidam a minimização dos conflitos de agência, decorrentes das assimetrias entre propriedade e gestão; e os mecanismos de GC devem definir critérios para os marcos regulatórios, bem como definir as responsabilidades do CAD e da direção executiva.

De acordo com Clarkson (1995), os movimentos ajudaram a incorporar aspectos tais como responsabilidade corporativa, responsabilidade social e ética. Os ditames da OCDE direcionaram os moldes de governança corporativa do mundo inteiro para a adoção da “boa governança corporativa”.

Boas práticas de governança e gestão recomendam a existência de clareza e cumprimento de regras, ou seja, verdadeiros contratos entre agentes, estabelecendo claramente quais os papéis que cada um exerce em torno dos objetivos comuns de acionistas, conselheiros e gestores. Essas regras são normalmente incluídas nos acordos de acionistas, estatutos, regimentos do conselho e da administração, nas normas e políticas funcionais desenvolvidas e aprovadas pelo conselho e operacionalizadas pela gestão (ALVARES; GIACOMETTI; GUSSO, 2008 p. 201 – grifo nosso).

As boas práticas de governança, portanto, estão calcadas, fundamentalmente, em princípios a serem instituídos na firma, quais sejam:

• Equidade (fairness) – se refere ao senso de justiça e igualdade no tratamento dos stakeholders; mas principalmente acionistas minoritários e suas respectivas relações com a presença em assembléias, com o aumento da riqueza corporativa e com o resultado das operações;

• Transparência (disclosure) – tange à honestidade na prestação de informações, especialmente as de alta relevância que impactam os negócios e que envolvem riscos; • Prestação responsável de contas (accountabillity) – melhores práticas contábeis e de

auditoria;

• Conformidade no cumprimento de normas reguladoras (compliace) – seguimento das regulamentações expressas nos estatutos sociais, nos regimentos internos e nas instituições legais do país.

Segundo o IBGC (2009), a divulgação de informações pertinentes, abordando até mesmo aspectos negativos, mas desde que reflitam a real situação da empresa, resulta em clima de confiança tanto interna quanto externamente. Além disso, empresas que aplicam os princípios de governança tendem a possuir valores de mercado mais elevados, devido ao reconhecimento por parte de investidores, funcionários e credores.

Sob a influência dos ativismos, a governança solidifica sua égide na busca de garantir ordem sobre o agente oportunista. Em virtude da incerteza e da complexidade do ambiente corporativo, a GC busca “bloquear as práticas de gestão que contrariam o interesse dos acionistas” (ANDRADE; ROSSETTI, 2004, p. 146), ou, nas palavras do entrevistado 13: “A governança surgiu para regular a relação de agência”. O termo governança corporativa designa, neste sentido, uma forma de gestão mais confiável de empresas de capital aberto, por meio do desenvolvimento de mecanismos para maior transparência do processo decisório. A abordagem prática dada aos estudos da governança faz com que ela se embase em regulamentações institucionais para atuar como mecanismo mediador entre a direção executiva e o capital.

Em decorrência da customização dos modelos de governança, assim como das inovações e das adaptações necessárias para ajustar o modelo assumido ao contexto da empresa em que foi aplicado, conforme sugere a OCDE, diversos delineamentos de GC foram admitidos em diferentes empresas. Na visão de Shleifer e Vishny (1997), grande parte das diferenças dos sistemas de GC existentes provém das obrigações de natureza legal que os gestores possuem para com os financiadores e do modo como a justiça interpreta e executa essas obrigações. Bertucci, Bernardes e Brandão (2006, p. 186) expõem que “a governança é um construto e, portanto, não pode ser explicada por um único conceito, mas por intermédio de construções teóricas que envolvem vários campos do conhecimento”. Como resultado deste panorama, tem-se uma infinidade de concepções e definições sobre o que vem a ser a governança corporativa.

3.4 A GOVERNANÇA CORPORATIVA DO SÉCULO XXI: UMA AMPLITUDE