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Capítulo 4: Parlamento Europeu e Controle Democrático da Comissão Européia: os casos

4.3 O Parlamento Europeu reformulando a Comissão Barroso (2004-2010)

4.3.2 A Escolha de Barroso

Tradicionalmente, o cargo de presidente da Comissão não passa por nenhum critério de competição, a não ser pelo aval unânime dos membros do Conselho Europeu. No entanto, a escolha pelo o ex-primeiro ministro português e membro do EPP, José Manuel Barroso, se deu em uma atmosfera diferente. O consenso em torno do nome de Barroso só fora atingido após a discussão de outros dois possíveis nomes, a saber: o liberal Guy Verhofstadt (ALDE164), então primeiro ministro Belga; e o conservador Chris Patten (EPP), comissário europeu para Relações Exteriores, ocupando uma das duas vagas do Reino Unido na Comissão Prodi (1999-2004). O primeiro foi apoiado por

163 Tostes (2009) apresenta dados que demonstram o crescimento da Extrema Direita como uma tendência já observada no inicio dos anos 2000, ao menos no que tange os Parlamentos Nacionais. A principal razão apontada pela autora é a baixa confiança dos eleitor mediano europeu de uma forma geral no projeto de integração européia. Ao se observar a baixa participação do eleitor nas eleições para o Parlamento Europeu, percebe-se que a falta de confiança nas instituições européias pode ter alguma relação com o aumento da Extrema Direita nos parlamentos nacionais, como bem apontado por Tostes (2009).

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países pró-europa, especialmente França e Alemanha, porém rechaçado pelo Reino Unido, que apoiou a indicação do EPP165. No entanto, o presidente francês Jacques

Chirac (UMP)166 se opôs ao afirmar que o cargo deveria ser ocupado por alguém de um país que participasse da zona euro e do Acordo de Schegen167. Sob o regime de Nice (2001), os estados membros aplicam a regra da uninamidade para a escolha do Presidente da Comissão, o que dificulta naturalmente as negociações, especialmente em um contexto pós-alargamento.

Após o adiamento da decisão por parte do Conselho, o nome de Barroso surgiu como uma alternativa ao impasse franco-germânico versus britânico. No dia 21 de julho de 2004, apenas duas semanas após a nomeação de Barroso, deu-se início o debate no PE em torno da aprovação do escolhido pelo Conselho Europeu. Como a imprensa antecipou, as críticas a Barroso se concentraram especialmente sobre seu posicionamento em relação à Guerra do Iraque168 e de uma forma geral em relação à forma como o Presidente da Comissão é nomeado, bem como as críticas dos grupos mais radicais, sejam eurocéticos ou não, ao modelo de integração proposto pelo candidato do EPP.

Em seu discurso aos eurodeputados, Barroso reafirmou que irá aplicar o mecanismo recém-estabelecido pelo Tratado de Nice, como discutido anteriormente, demitindo qualquer comissário que não exerça suas funções de acordo com as normas constitucionais e o regulamento interno da Comissão, além de reforçar a postura de diálogo com o Parlamento Europeu e a importância do controle democrático que este exerce sobre a Comissão (Minutes 3-096, p. 50). Apesar da votação agora ser feita de forma secreta, é válido avaliar o posicionamento político dos principais representantes dos grupos europeus e avaliar onde possívelmente Barroso tenha ganho mais ou menos votos em torno de sua aprovação, principalmente para analisar o conteúdo da crítica,

165 http://euobserver.com/institutional/16679

166 Presidente de 1995 a 2007, pelo partido Union Pour un Mouvement Populaire (UMP), partido membro do EPP.

167 Acordo inciado em 1985 e ampliado durante os anos 90. Nele está previsto um controle coletivo das fronteiras européias, permitindo o trânsito livre dos países membros do acordo. Irlanda e Reino Unido são os únicos países que escolherem não participar, enquanto os demais membros estão em fase de implementação, inclusive há países não-membros da UE que fazem parte da área Schengen.

168 Em 2003, o então primeiro-ministro português organizou um encontro com diversos chefes de estado nas Ihas de Açores para discutir questões como terrorismo e os ataques, com especial atenção a questão no Iraque. O presidente americano em exercício George W. Bush fora um dos convidados do evento. Dias depois dava-se inicio à Guerra do Iraque com o apoio de diversas lideranças européias, entre elas Espanha, Reino Unido e Itália. Alemanha e França foram as exceções. http://www.theguardian.com/world/2003/mar/17/iraq.politics2

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buscando por indícios que reforcem ou desconstruam a hipótese de que a dinâmica nacional importa mais para o comportamento dos eurogrupos em detrimento da coesão partidária a nível supranacional. Abaixo, encontra-se uma tabela com o resumo das discussões por eurogrupo e o posicionamento dos mesmos em relação à eleição de Barroso.

Tabela 34. Eleição de Barroso - Debates e Posicionamentos

Eurogrupo Temas Levantados Posicionamento Número de Cadeiras

EPP

- Necessidade de um Parlamento forte e uma ampla maioria.

- Comissão deveria ser vista como um aliado, não um inimigo.

A Favor 268

PES

- Crítica à forma como a nomeação é feita pelo Conselho ("behind doors"). - Pede por uma real competição pelo cargo.

- Reforça a necessidade de discutir o papel do PE nas discussões sobre a Constituição Européia.

- Questiona o posicionamento liberal de Barroso.

Sem Definição 200

ALDE

- Crítica ao Conselho e a forma de nomeação do Presidente da Comissão. - Pede uma Comissão forte que lidere independente dos desejos nacionais

Sem Definição 88

GREENS

- Crítica ao modelo Liberal.

- Questiona a forma como Barroso fora escolhido.

-Pede um voto de protesto ao Conselho. - Pede maior equidade de gênero na Comissão.

Contra 42

GUE/NLG

- Crítica ao modelo de integração. - Solicita mais democracia. - Crítica ao modelo liberal.

- Contra o posicionamento de Barroso sobre a Guerra do Iraque

Contra 41

IND/DEM

- Pede maior controle dos Estados e Parlamentos Nacionais sobre a UE. - Eurocéticos

Contra 37

UEN

- Defende um Parlamento Forte

- Pede amplas maiorias A Favor 27

Independentes

- Pedem maior reconhecimento daqueles que não pertencem a um grupo

específico

Sem Definição 29

Total 732

Fonte: Tabelas feitas com base nos Minutes referentes aos debates do dia 21 e 22 de julho, disponíveis no site do Parlamento Europeu. Entre os grupos que não apresentaram definição clara, seus líderes foram claros ao afirmar que os referidos grupos não alçaram um consenso em suas reuniões internas.

Entre as declarações observadas nos debates abertos dos dias 21 e 22 de julho, observa-se um posicionamento menos consensual dos principais eurogrupos em

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comparação ao observado por Hix & Lord (1996) na escolha de Jacques Santer, o que em conjunto ao fato da votação ser secreta dificulta sobremaneira avaliar onde Barroso tenha ganho ou perdido mais votos. No que tange aos posicionamentos em si, vale destacar a delegação holandesa do ALDE que por meio do seu representante, o eurodeputado Jules Maaten, declarou apoio a Barroso. O membro do VVD (Volkspartij

voor Vrijheid en Democratie) fora um dos poucos no ALDE que apresentou alguma

definição em relação ao nome escolhido pelo Conselho Europeu. Todos os representantes holandeses do ALDE são do VVD, que na época do debate era o partido da situação daquele país, em uma coalizão de maioria mínima. Em contrapartida, Emma Bonino e Marco Pannella também demonstraram total apoio ao nome de Barroso, ambos membros do ALDE, no entanto, os mesmos não faziam parte da coalizão de governo em seu país de origem, Itália169.

Entre os independentes, destaca-se Bruno Gollnisch, representante do partido minoritário de extrema direita FN (Front National) que com sete dos 29 não-afiliados se declarou contra não apenas ao nome de Barroso como criticou a própria integração em si. Por outro lado, o Parti Socialiste francês, membro do PES, declarou que votaria em peso contra a nomeação de Barroso. Porém, não expressou seu posicionamento na tribuna170. O único representante do PS que discursou na tribuna fora Bernard Poignant

que seguiu o tom de crítica semelhante aos demais membros do PES, ao criticar a forma como decidiu-se o nome de Barroso, com atenção especial ao seguinte trecho:

"Mr Prime Minister, no one has called you that yet! It is not easy to know how to address you: candidate, President-designate, Mr Barroso... your designation makes the status of your presence itself something of a problem and a cause of some embarrassment" (Minutes,3-132, p.64, 21 de Julho de 2004).

A declaração esteve presente em outras falas, porém Poignant chama atenção pela objetividade e o tom empregado. O trecho reflete o descontentamento geral do Parlamento Europeu com a forma pela qual é decidida o nome que ocupará a presidência da Comissão, revelando o alto custo que a instituição enfrenta ao vetar o nome consensualmente escolhido pelos Estados-membros via Conselho Europeu, este que apenas apresenta a nomeação em uma estratégia "take it or leave it", cujo nome até

169 Após sua saida do Partido Radical, Emma Bonino criou uma lista de candidatos que se identificavam com seu viés conservador, pela qual também se elegeu Marco Pannella ao Parlamento Europeu.

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então não era negociado abertamente com o PE. Na visão daqueles que criticaram o sistema de nomeação, principalmente os grupos PES, ALDE e GREENS, o custo do veto enfrentado pelo Parlamento é alto demais.

No que tange o pleito final, entre os votos declarados em tribuna, é possível considerar que Barroso tinha no mínimo 120 votos contra sua nomeação versus 295 a favor do total de 732 deputados, restando ainda 317 votos a serem definidos. Na votação de fato realizada ao final do debate em 22 de julho de 2004, lembrando que esta foi feita de forma secreta, dos 664 votos válidos, 413 foram computados a favor de Barroso versus 251 contra. Ou seja, houve apenas um acréscimo de 130 votos contra Barroso daqueles 317 indefinidos. Considerando que desse total de indefinidos 200 eram membros do PES, é muito provável que o eurogrupo opositor ao EPP tenha auxiliado sobremaneira na confirmação de Barroso, seja votando a favor ou se abstendo. Talvez não apenas a configuração político-partidária nacional tenha influenciado os eurodeputados, como aponta a análise feita por Hix & Lord (1996) em relação à confirmação de Santer, mas o alto custo de vetar o único nome disponível e já escolhido de forma consensual pelo Conselho Europeu também tenha diminuído a capacidade do Parlamento em lançar mão do seu poder de veto. Este indício se reflete principalmente pela larga maioria obtida por Barroso em comparação a Santer, mesmo com a mudança para o voto secreto. Barroso conseguiu 62,1% dos votos válidos, enquanto Santer alcançara 52,2% em uma Europa com 15 membros171. No próximo tópico, apresentar-

se-á a discussão envolvendo a aprovação do time escolhido por Barroso para compor seu primeiro mandato.