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4 CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

4.3 A escolha do Humaniza Redes e o tempo de coleta

Para mim não foi difícil chegar a definição do Humaniza Redes como ambiente online de coleta. Toda a minha trajetória me trouxe a militância dos Direitos Humanos e, como mencionado anteriormente, a minha realidade me apresentou prematuramente a questões de gênero e de sexualidades que, mesmo sem ser nominadas, já me traziam dúvidas sobre uma análise dicotômica excludente, entre o justo/injusto, envolvendo essas questões.

Aliando essa trajetória a minha indignação em relação aos frequentes crimes de ódio ocorridos na internet, sobretudo nas mídias sociais, e percebendo o aumento exponencial e desregulado dessas questões logo pensei em me debruçar sobre algo nesse sentido. Nesse percurso, era claro para mim que havia uma

culpabilização falaciosa das vítimas discriminadas, excluídas e estereotipadas nos sentidos dos discursos produzidos sobre a mulher e os LGBT.

Nesses discursos, também, parecia que havia uma ausência de receio por parte dos agressores, autores dos referidos discursos, quando da realização de seus ataques. Parecia existir uma suposta “autorização”, relacionada com uma “naturalização” da violência, que servia de pretexto para legitimar as violações.

Nesse caminho, então, cheguei à pergunta problema: “quais são as interdiscursividades, as ideologias e relações de poder, materializadas nas formações discursivas que compõem os sentidos dos discursos sobre gênero e sexualidade na página do Humaniza Redes no Facebook.? ”

Partindo dessa pergunta passou a ser clara a decisão de escolher um lugar na internet que agregasse questões referentes ao gênero e a sexualidade – nada mais apropriado do que uma página do governo federal que tem a intenção de promover os Direitos Humanos na internet e provocar discussões sobre as principais temáticas de Direitos Humanos.

A decisão tornou-se mais segura pelo fato de na mesma época da escolha de acompanhar essa ação do governo federal (Humaniza Redes) eu ter apresentado um artigo em junho de 20158 no XIX Colóquio Nacional Representações de Gênero e Sexualidade - Conages, descrevendo o funcionamento do Humaniza Redes.

A página do Humaniza Redes no Facebook objetiva fomentar os Direitos Humanos na internet através de suas postagens. O perfil se vale de construções teóricos e empíricas relacionadas a Direitos Humanos, como questões relacionadas ao machismo, misoginia, LGBTfobia e outras discussões acerca do gênero e da sexualidade, bem como elementos normativos, como artigos constitucionais, para construir o seu discurso que normalmente é composto por imagens e textos reflexivos.

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Embora o Humaniza Redes tenha sido criado em abril de 2015 – o site e a página – , em junho do mesmo ano o trabalho intitulado “A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS LGBT NA INTERNET: o humaniza redes em foco”, que visou descrever esta ação governamental e mostrar as resistências iniciais que existiram à época no

Facebook, escrito por mim e por Cleyton Feitosa, já estava sendo apresentado no XI CONAGES – Colóquio

Nacional Representações de Gênero e Sexualidade. Razão pela qual a familiaridade com a página resta comprovada. Anais disponível em < http://www.editorarealize.com.br/revistas/conages/anaisanteriores.php>

Contudo, como essa pesquisa se propôs a mapear sentidos sobre gênero e sexualidade no Facebook, não bastariam para análise a partir da ADC apenas as postagens do governo federal. Foi necessário, então, além das postagens formais, coletar os comentários voluntários dos usuários da página. Assim, foi possível ter acesso a uma espécie de diálogo sobre as temáticas de gênero e de sexualidade para poder compreender os diversos sentidos sobre essas categorias no Facebook.

Nesse sentido, para coletar os dados analisados nessa pesquisa eu acompanhei a página Humaniza Redes de perto. Curti postagens da página com certa frequência e coletei as postagens referentes a gênero e sexualidade, bem como os comentários que se relacionavam com a discussão proposta pelo Humaniza Redes e que se relacionavam com esse trabalho.

Além disso, outro aspecto que contribuiu positivamente para a adequação da coleta dos dados foi que o perfil Humaniza Redes, cumpria uma função de provocador temático, pois introduzia a temática gênero e sexualidade e gerava a discussão necessária a esta pesquisa.

É relevante destacar o fato de a página do Humaniza Redes não ser um “grupo fechado”9

. Por isso, não necessitava de autorização para acessar os seus conteúdos, bastando para isso, apenas “curtir” a página. Isso proporcionou uma observação bastante intimista e objetiva em relação aos dados coletados. Era possível para mim, pesquisador, observar e coletar os dados a serem analisados sem interferir naquele espaço, visto que eu era um membro da página como outro qualquer.

O risco dos diálogos coletados no Humaniza Redes estarem influenciados por mim, pesquisador, não existiu. Os dados foram gerados a partir de observações constantes e sem que interferência alguma acontecesse, pois eu (pesquisador) era membro da página e tinha livre acesso aos seus conteúdos, não sendo necessário me apresentar aos outros membros, nem denunciar os meus objetivos.

Esses pontos congregados no mesmo local – a página do Humaniza Redes no Facebook - não me deixaram dúvidas sobre o lugar escolhido para a construção

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São grupos criados no Facebook para finalidades diversas. Para participar desses grupos é necessário solicitar uma autorização para participação ou ser convidado por um membro. Do contrário não há como acessar os seus conteúdos.

dos dados, pois preencheram a necessidade de escolher um ambiente em que fosse possível enxergar a (re)produção dos contextos sociais e suas hierarquizações em termos de gênero e sexualidade através da análise de discursos do Facebook.

Nesse percurso, para definir o tempo de coleta foi necessário olhar para o contexto social vivido naquele momento e para as intenções da pesquisa em relação às interações ocorridas nos discursos no Humaniza Redes. Assim, um evento pareceu significativo como marco temporal para a coleta da pesquisa: a 19ª Parada da Diversidade, em São Paulo. Esse evento influenciou bastante o teor de alguns comentários que tratavam de gênero e sexualidade no ano de 201510, motivo pelo qual, havia uma intenção de monitorar os comentários no Humaniza Redes entre a 19ª e a 20ª paradas.

No segundo semestre de 2015, então, os discursos sobre gênero e sexualidade foram acessados com frequência. Após a parada, houve o maior período de constância de postagem sobre o assunto. Os acessos para coleta ocorreram à luz das teorias de gênero, sexualidade e da ADC. Então, como muitas coletas foram feitas durante o segundo semestre de 2015, decidiu-se encerrar a geração de dados para análise, pois já havia centenas de comentários e mais de 10 postagens coletadas. Esse volume de conteúdos não permitia fazer uma análise mais aprofundada em uma dissertação de mestrado, pois o tempo era inábil. Além disso, a análise do discurso não necessita, necessariamente, de um grande volume de conteúdos para ocorrer de forma satisfatória.

Vale destacar ainda, que o primeiro semestre de 2016 foi bastante turbulento e o país se encontrava em um clima de polarização política. Em menos de um dia após o afastamento da, até então, presidente Dilma Rousseff, por meio de impedimento, e a posse de Michel Temer como Presidente, em 12 de maio de 2016, as páginas do Humaniza Redes, no Facebook e no Twiter, foram desativadas sem prévio aviso. O site, no entanto, continuou funcionando.

10 Na 19ª parada do orgulho LGBT em São Paulo a atriz Viviany Beleboni encenou a crucificação de Jesus Cristo

durante o percurso. Como foi bastante fotografada as fotos foram parar nas redes sociais e a utilização da simbologia religiosa causou bastante polêmica, de modo que a atriz veio a ser ameaçada de morte. Disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/veja-transexual-crucificada-e-outras-polemicas-com- simbolos-cristaos.html.

Pouco tempo depois, em 12 de maio de 2016, a página foi reestabelecida, porém, mesmo preservando o formato anterior, era possível enxergar uma nova dinâmica. Todos os usuários anteriores foram desvinculados e para acompanharem de novo a página era necessário “curtir” novamente, ou seja, fazer um novo “credenciameto”.

Para mim que tinha acompanhado aquele ambiente de constante conflito entre distintos discursos relativos a Direitos Humanos houve um impacto, pois foi possível verificar de imediato que as vozes presentes antes da desativação eram bastante diferentes das que tomaram a página após esse fato. Por esse motivo foram feitas algumas coletas em maio de 2016 para posterior análise.

Sendo assim, destaco, por fim, que também utilizei nessa pesquisa diálogos posteriores estranhos ao lapso temporal destacado inicialmente em virtude de fatos supervenientes, ou seja a desativação e reativação da página do Humaniza Redes no Facebook.