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5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.1 As redes sociais: contextualizando e identificando o problema

Democracia digital, relações de poder, ideologias, amplitude e potencialização da circulação de conteúdos. Esses são os elementos que parecem contemplar as redes sociais digitais e suas implicações nos contextos sociais atuais.

Não é novidade que os canais de comunicação passaram por uma transformação considerável a partir do impacto que o avanço das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC trouxeram para a dinâmica da troca de conteúdos. Da mesma forma, é notória a influência que as mídias sociais, gestadas nesse avanço, têm, atualmente, no cenário político, religioso, nas reproduções e combates de preconceitos e desigualdades sociais.

Toda essa capacidade de influência das TIC nas formas de sociabilidade parece ter sido provocada pelo desenvolvimento integrado entre essas tecnologias e o aumento do acesso à internet e aos serviços que ela pode oferecer. Os contextos sociais, portanto, puderam ser conectados e ter seus sentidos potencializados na

internet.

Esse movimento tecnológico levou ao que Pierre Lévy (1999) denominou de cibercultura, “o conjunto de técnicas (materiais e imateriais), de práticas, de atitudes,

de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, p. 17). Nessa composição, o ciberespaço, para o autor, chamado também de “redes”, é composto pelo espaço material da comunicação digital e as informações contidas nele, bem como pelas pessoas que navegam e produzem conteúdos (LÉVY, 1999).

As recorrentes discussões sobre a força que essas redes têm de potencializarem fatos sociais com temáticas variadas e perspectivas que contém uma multiplicidade de sentidos dão indícios de que nelas há uma relevante participação social, principalmente se comparada a eventos externos às redes. É o que denotam as milhares de curtidas, visualizações, comentários e compartilhamentos de diversos conteúdos a todo instante no Facebook.

Silveira, Braga e Penteado(2014) chamam a atenção para o fato de que, embora não possamos cair em um “determinismo tecnológico”, de modo a pensar que a influência das novas tecnologias são absolutas, não podemos de igual forma ignorar que as tecnologias da informação e comunicação impactam de forma inquestionável nas dinâmicas de sociabilização contemporâneas.

As construções e reproduções de sentidos nesse espaço ocorrem em virtude de um dialogismo (BAKHTIN, 2005) entre redes de um dado contexto social. Os significados ali presentes são resultado da interação entre os discursos e as construções sociais daquele contexto. Essas experiências, por sua vez, remetem a sentidos estruturantes e estruturados daquele contexto social.

Fredéric Martel(2015), entende que quando se fala em internet, embora se destaque e se aceite uma dimensão global, o que se deve levar em consideração, preponderantemente, sobretudo para as discussões sobre as relações de poder nas redes comunicacionais, é seu caráter territorial.

Para o autor, a internet é constituída por redes que podem ser equiparadas a territórios, contudo o território a que ele se refere vai além de uma perspectiva cartográfica. Para Martel, a internet, na verdade, deve ser entendida como um conjunto de internets, no plural. Essas internets são como territórios, suas delimitações podem ser locais, regionais, nacionais, linguísticas ou culturais.

Sendo assim, é possível ter a compreensão de que as conexões entre os diversos contextos sociais ocorrem a partir da disputa entre essas internets, pois cada território é delimitado a partir de uma identidade discursiva ou característica que torna os sentidos produzidos pelos indivíduos desse território conexos. O parâmetro de conexão dos territórios, portanto, pode ser religioso, ambientalista, pode se relacionar com a raça, o gênero e/ou a sexualidade. Não importa. Essa conexão é que será o mote para a produção do conteúdo do discurso. Podemos até fazer uma ponte aqui entre os territórios e o conceito de ideologia de Van Dijk (2012a) citado no capítulo um, visto que na ideia de território há claramente a identificação de uma regularidade de sentidos comungados por uma coletividade, em um campo específico de conteúdos, que acaba “lotando” uma pessoa em uma ou algumas territorialidades.

Entendendo, portanto, as redes sociais digitais como um local de (re)produção de cibercultura, com comportamentos específicos daquele ambiente, mas também com comportamentos que não são exclusividade do ciberespaço, como relações de poder e sentidos ideológicos, é que se passa, em seguida, a entender o fenômeno Facebook e os problemas discursivos contidos nele.

5.1.1 O Facebook e os discursos sobre LGBT

O Facebook atualmente é a rede social mais utilizada no Brasil e no mundo. Por esse motivo acaba sendo referência incontestável nos estudos que buscam investigar questões ligadas a discursos nas mídias sociais. Essa plataforma já possui mais de um bilhão e meio de usuários ativos no mundo. A maior parcela de usuários conectados encontra-se em países emergentes como o Brasil.

Em matéria publicada no portal G111, de abril deste ano, o balanço do primeiro trimestre de 2016 da empresa apontou que mais de um bilhão de pessoas acessam a rede social diariamente. Com a adesão, também exponencial, das pessoas ao aparelho móvel essa constância diária foi alcançada, já que no ano de (2015) a empresa comemorou a conexão diária de 1 bilhão de pessoas, mas ainda não havia alcançado esse número de forma contínua como ocorreu em 2016.

11 Dados disponíveis em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2016/04/facebook-atinge-marca-de1-bilhao-

Uma curiosidade sobre o Facebook merece destaque. Embora muitas pessoas tenham ideia de globalização plena sobre essa plataforma, o acesso a ela está disponível em 139 idiomas diferentes12. Esse dado acaba reforçando a tese de Martel (2015) de redes como territorialidades. Nesse caso, a territorialidade linguística fica bastante evidente. Nesse sentido, o autor afirma que “o Facebook pode ser americano, mas seus usuários se expressam majoritariamente na própria língua, que não é o inglês (MARTEL, 2015, p. 382).

A forma de utilização do Facebook é bastante ampla e possui variados recursos, o que torna a produção dos conteúdos também variada. Seus usuários podem postar fotos, vídeos, fotos e vídeos conjuntamente; essas imagens podem vir acompanhadas de textos e também emoticons - pequenos símbolos animados que representam emoções/ações. Quem utiliza o Facebook, pode criar grupos abertos, fechados e secretos; pode atualmente fazer transmissões próprias ao vivo e repassar conteúdos em tempo real. Enfim, todas essas possibilidades tornam essa plataforma um incrível espaço de geração de formas diferentes de conteúdos e discursos. Essa rica diversidade acaba tornando a rede social bastante atrativa e, sem dúvida nenhuma, contribuindo para torna-la a mídia social mais acessada no mundo.

Segundo infográfico publicado em maio de 201613 são mais de 500.000 comentários, mais de 293.000 atualizações de status e mais de 136.000 fotos e vídeos postados a cada 60 segundos. É compreensível, então, que em termos de análise de processos sociais envolvendo cibercultura o Facebook seja, sem dúvida, a opção mais acertada no momento.

Porém, não existe apenas um lado dessa história e não se podem atribuir ao

Facebook apenas possibilidades positivas. Devido ao seu alto alcance, à sensação

de anonimato, a transmissão veloz de conteúdos e a possibilidade de conexão de pessoas e conteúdos em um curto espaço de tempo, o Facebook também é palco para a reprodução de assimetrias sociais, opressões e discursos de ódio travestidos de liberdade de expressão. E como no mundo offline as opressões sempre são dirigidas as pessoas que já são estigmatizadas socialmente, no ambiente online não

12

Dados disponíveis em <http://noticias.bol.uol.com.br/bol-listas/15-numeros-sobre-o-facebook-a-maior-rede- social-do-mundo.htm> Acesso em 24/09/2016.

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seria diferente, visto que parte considerável da sociedade ocupa as mídias sociais. Então, as maiores vítimas de opressão, dentre outros, acabam sendo mulheres, negros e LGBT(foco da pesquisa).

Como parte considerável da sociedade se encontra nessa rede social, as ideologias, as relações de poder e, consequentemente, as desigualdades sociais presentes no ambiente off-line também encontram guarida nas redes. Nesse sentido, como o gênero e a sexualidade são tabus sociais que geram bastante conflito nas redes sociais essa problemática também é uma realidade. Há muita violência realizada por meio de discursos no Facebook.

O assunto é tão presente no ciberespaço que no site oficial do Facebook há marcadores de condutas discursivas que são consideradas discurso de ódio pela organização. Se alguém tiver o seu conteúdo enquadrado como discurso de ódio pela empresa poderá receber as seguintes punições: ter o seu conteúdo excluído, o seu usuário bloqueado ou ainda ter a sua conta do Facebook14 excluída. A empresa não permite postagens de “conteúdos que ataquem pessoas com base em sua raça, etnia, nacionalidade, religião, sexo, gênero ou identidade de gênero, orientação sexual, deficiência ou doença, sejam elas reais ou presumidas”15

.

O Facebook, ao não tolerar conteúdos ofensivos relacionados especificamente ao sexo, gênero, identidade de gênero e orientação sexual, já reconhece que há problemas discursivos relacionados a essa população. Fica perceptível, então, que é real a violação da população LGBT através de discursos no Facebook.

As mídias sociais são um ambiente ambivalente. Permitem tanto uma maior democracia comunicacional, maior acesso a conteúdos diversos e mobilização social, como também canalizam violações a direitos humanos e, nesse caso, violações dirigidas especificamente à população LGBT. Dessa forma, é preciso analisar o que acontece com os discursos sobre gênero e sexualidade existentes,

14

Assista ao vídeo explicativo sobre algumas das diretrizes de segurança do Facebook em

https://www.youtube.com/watch?v=Uf4RoDcoyDE.

15

Além de lançar as condutas que considera discurso de ódio no endereço <https://www.facebook.com/help /135402139904490?helpref=uf_permalink> . O Facebook ainda traz um texto maior discutindo a questão do discurso de ódio em um tópico chamado “como incentivar um comportamento respeitoso” e reforçando a proteção que dirige a questões ligadas, dentre outras coisas, à orientação sexual, gênero e/ou identidade de gênero. Disponível em < https://www.facebook.com/communitystandards#hate-speech>. Acesso em 25/12/2016.

suas interdiscursividades, as relações de poder que permeiam esses discursos e as ideologias para entender como os sentidos desses discursos estão sendo construídos e poder, talvez, identificar, discursos de ódio que integram essa dinâmica que o próprio Facebook já tenta combater.

Pode-se observar que os marcadores de identificação de discurso de ódio para o Facebook apontam para a segregação de pessoas que já sofrem opressão social

off-line. Nesse sentido, é possível perceber que a problemáticas envolvendo LGBT

no Facebook é real. Sendo assim, passa-se para a verificação dos obstáculos enfrentados na análise dessa problemática.

5.2 Liberdade de expressão versus Discurso de ódio na internet e os LGBT