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A escolha do período de referência 1980-2010 para o estudo da migração e da

Capítulo 1: O estudo da migração e as limitações e potencialidades

1.3 A escolha do período de referência 1980-2010 para o estudo da migração e da

Não obstante a abordagem e a discussão em muitos tópicos deste estudo retrocedam e até ultrapassem, nos seus limites, o período 1980-2010, o estabelecimento específico deste período está vinculado à emergência da análise e a necessidade de avanços para o conhecimento da migração na Região Metropolitana de São Paulo e transformações ocorridas no âmbito metropolitano e nacional.

Servirá também para cobrir as lacunas existentes nos estudos de migração desta importante área metropolitana brasileira; em função da disponibilidade de informações censitárias de varias décadas, permitirá o aprofundamento nas explicações dos movimentos migratórios nos espaços metropolitanos paulistas e brasileiros; após a década de 1970 ocorreram grandes transformações sociais e econômicas no país, gerando mudanças na mobilidade espacial da população e trazendo novos desafios para a análise do fenômeno migratório; a necessidade de se observar um período mais longo no tempo, com o objetivo de conseguir maior precisão na análise, conforme reportado por Brito; Rigotti e Campos (2012):

A mobilidade espacial da população, em especial, a migração interna, é um fenômeno estrutural e, como tal, não se apreende as suas grandes transformações a não ser do ponto de vista histórico. No Brasil, em particular, as migrações internas se constituíram em um dos determinantes estruturais mais importantes da formação das suas sociedade e economia contemporâneas.

A visão retrospectiva de longo prazo do fenômeno migratório possibilitará estabelecer as conexões necessárias para a construção de um arcabouço conceitual que permitirá um melhor entendimento dos processos migratórios e sua diversidade, num contexto demográfico mais amplo, em função da migração ser um fenômeno estruturalmente determinado (OKÓLSKI, 2012, p. 24).

Corrobora também a indicação de Vainer e Brito (2001, p. 4-5) relatando que é possível indicar três grandes períodos e que estes marcos podem ajudar a identificar os principais movimentos e as grandes tendências dominantes que caracterizam a história migratória brasileira, apesar de serem aproximações iniciais. São os períodos “1888 – 1930”, “1930 – 1980” e “1980 em diante” que os autores delimitaram. Para o período “1980 em diante” escrevem:

1980 onwards, period whose major trends are still to be defined but which seems to be dominated by the fall of economic growth rates, by a relative saturation of the absorption capacity at the frontiers and metropolises, by a generalized circulation process of migrant populations, by selective and exclusionary absorption into labor markets and by the introduction of significant international migration32 (VAINER; BRITO, 2001, p. 4).

Apesar de estabelecerem o quadro por períodos, os autores colocam que estão tratando com processos históricos complexos e que esses processos não podem ser escondidos dentro de intervalos marcados por tendências lineares e fundamentadas numa única interpretação.

Patarra (2003), explorando a ideia de tempo e espaço na análise dos movimentos migratórios no Brasil e com uma periodização basicamente econômica aponta que a partir dos anos de 1980 é que há uma intensificação na internacionalização da economia, da globalização e novas territorialidades. Registra a autora:

Há consenso entre os especialistas sobre a constatação de que, a partir dos anos 80, ocorrem acentuadas transformações nos volumes, fluxos e características dos movimentos migratórios no Brasil, sintetizados num menor crescimento das metrópoles, numa maior predominância de migrações a curta distância e intra- regionais, numa incidência acentuada de migrações de retorno- sugerindo uma circularidade de movimentos - , na tendência a um crescimento de cidades de porte

32 1980 em diante, período cujas tendências principais estão ainda por ser definidas, mas que parecem ser

dominadas pela queda das taxas de crescimento econômico, por uma relativa saturação da capacidade de absorção nas fronteiras e metrópoles, por um processo de circulação generalizada das populações migrantes, pela absorção seletiva e excludente nos mercados de trabalho e pela retomada significativa da migração internacional. (Tradução própria)

médio e na configuração generalizada de periferias no entorno dos centros urbanos maiores , nas distintas regiões do país (PATARRA, 2003, p. 27).

Brito et al. (2004, p. 6) também apontam que ao se observar os dados posteriores a 1980, algumas transformações no comportamento das migrações interestaduais são evidentes no Brasil, como o elevado número de emigrantes do Estado de São Paulo e o aumento de imigrantes no Nordeste e Minas Gerais. Outras mudanças observadas foram a redução generalizada dos saldos migratórios e das taxas líquidas de migração e o aumento dos migrantes de retorno, resultado de transformações profundas na sociedade e economia brasileira.

De fato, o período central escolhido neste estudo é marcado por grandes transformações e mudanças nas dinâmicas econômicas e migratórias no cenário nacional e metropolitano e cria possibilidades de análise para o desvendamento desses processos e avanços nos estudos da migração.

Neste período a metrópole teve uma mudança econômica significativa. A metrópole teve outro papel, criando outros vínculos econômicos e passando a exercer novas funções, com a ampliação do setor de serviços, por exemplo. Neste período as forças centrípetas, que explicam o processo de concentração relativa das atividades econômicas na Capital e Região Metropolitana de São Paulo (AZZONI, 1986) e populacional (MARTINE; CAMARGO, 1984; CUNHA; BAENINGER, 1999) se arrefeceram e foram, gradualmente, sendo substituídas por forças centrifugas, no sentido da desconcentração econômica (AZZONI,

1986)33, que alteraram o processo de desenvolvimento econômico da região e das demais

regiões do seu entorno, ao mesmo tempo em que ocorriam também a desconcentração e redistribuição espacial da população, notadamente via migração, inicialmente para a periferia da RMSP (CUNHA, 1994; Martine, 1994) e, depois, seguindo os principais eixos rodoviários

de transportes da região em direção ao Interior34 (PACHECO; PATARRA, 1997) e expansão

dos espaços da migração (BAENINGER, 1999). Sobre este período, Campolina Diniz e Campolina (2007) relatam:

O ano de 1970 é considerado o pico da concentração industrial na RMSP. Naquele ano, essa região participou com 34% da ocupação e 42% do produto industriais do país (Tabela 1). Embora a década de 1970 tenha sido um período de elevado crescimento econômico no Brasil, tendo a própria RMSP se beneficiado deste crescimento, começou a ocorrer um processo de reversão desta concentração, com o crescimento de outras regiões metropolitanas e de outras cidades e regiões do país,

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O autor aponta para um espraiamento da indústria numa área mais ampliada da região, que atinge um raio de 100/150 km a partir da Capital. Esse fenômeno o autor conceitua como “desconcentração concentrada” (AZZONI, 1986, p. 221).

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Cunha (1987, p. 106), analisando as informações do Censo Demográfico de 1980, já apontava na década de 1970 o surgimento de novos pólos de concentração demográfica no interior do Estado de São Paulo, em especial a região de Campinas e o aumento do volume de emigração da RMSP para áreas vizinhas.

coerente com o processo de reversão da polarização industrial e expansão da rede urbano-industrial (DINIZ, 1993). Em 1980 o peso da RMSP havia caído para, respectivamente, 29% da ocupação e 33% do produto industriais (CAMPOLINA DINIZ; CAMPOLINA, 2007, p. 28).

A crise econômica que se instalou no Brasil na década de 1980, relatada também por

Cano (2011)35 de “década perdida”36, também impactou a RMSP, com a queda de um terço da

ocupação no emprego industrial entre 1985 e 2005 (CAMPOLINA DINIZ; CAMPOLINA, 2007, p. 40), refletindo diretamente nos fluxos migratórios, alterando suas características e criando novas tendências na redistribuição espacial da população, notadamente a partir dos anos de 1980 (PACHECO; PATARRA, 1997, p. 445).

A migração de retorno da RMSP, principalmente para a Região Nordeste, se intensifica na década de 1980, em função desta crise e da reestruturação produtiva, com a indústria diminuindo o seu peso relativo na Capital e RMSP (PACHECO; PATARRA, 1997, p. 460).

A RMSP tem um novo papel nesse novo quadro econômico em relação à migração, tanto como área ainda receptora de novos e velhos tipos de migrantes, quanto como área expulsora de população nessa nova entrada de século XXI, mas com outros significados e contando que a população nem sempre migra seguindo as correntes econômicas (MATOS, 1995, p. 54), o que dificulta ainda mais o entendimento e significado da migração.

A RMSP vive um novo ciclo, onde aquela sociedade tipicamente industrial ficou no passado, não existindo também aquele excedente populacional extraordinário que alimentou essa sociedade. Há uma nova estrutura populacional, dentro de um novo Brasil, dentro de uma nova economia, com uma cadeia produtiva mais desconcentrada, com uma população sob o prisma de uma nova perspectiva em termos de opções e desejos migratórios, atuando em paralelo às pressões sociais e desigualdades ainda persistentes.

Esses novos movimentos migratórios estão ligados às transformações sociais, econômicas e políticas em curso no país, com novas direções, novos significados e ligadas a um ambiente mais global. São transformações que desembocaram na globalização das atividades econômicas e na reestruturação produtiva, que envolvem as grandes cidades como São Paulo, por exemplo, como apontado por Sassen (2005).

Além das justificativas apontadas anteriormente é importante ressaltar que este trabalho é um desdobramento e está inserido dentro de um grande projeto do “Observatório

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Neste texto o autor, a partir de fatos políticos, econômicos e demográficos marcantes, estabelece uma periodização entre 1980-2010, seccionando-o em três partes: o da década de 1980; o do período 1989-2003 e o de 2003-2010 (CANO, 2011, p. 34).

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“Como se sabe a CEPAL cunhou a expressão “década perdida” para designar os anos 80, referindo-se ao marcante retrocesso que caracterizou o desenvolvimento latino-americano nesse período. O comportamento da renda per capita ilustra, de maneira sintética, o significado de tal expressão: até 1989, era equivalente ao que já se havia alcançado na região treze anos antes (RODRIGUEZ et al., 1995, p. 79).

das Migrações em São Paulo”37, fase 1 e fase 2, na Linha Temática II – Migrações internas e internacionais contemporâneas em São Paulo, cuja periodização relativa a este trabalho está definida de 1980-2010, que tem por objetivo analisar as fases e faces da migração em São Paulo, centralizando esforços nos diferentes fluxos migratórios, distintas modalidades de deslocamentos populacionais, em diferentes momentos da história. Visa ainda o entendimento das migrações em uma perspectiva histórica, seus impactos e consequências para a reflexão contemporânea.

Para Cunha (2012), nos censos demográficos mais recentes, há muitas oportunidades oferecidas, em função das possibilidades de cruzamentos de inúmeros quesitos e mais ainda:

Como já mencionado, é consenso entre os estudiosos do tema que os Censos Demográficos brasileiros, principalmente os quatros últimos (1980, 1991, 2000 e 2010), apresentam grandes potencialidades em termos da análise do fenômeno migratório. Além da representatividade e alcance espacial característicos destes levantamentos, tais Censos dispõem de grande número de itens especificamente voltados para apreender diferentes facetas do fenômeno, destacando-se aqueles que permitem estabelecer fluxos migratórios a partir da identificação do município de residência prévia Cunha (2012, p. 39).

Como apontado por Pacheco e Patarra (1997, p. 453), mais do que ficar na aparência do fenômeno, é necessário aprofundar o conhecimento sobre as mudanças sociais e suas dimensões estruturais, com o objetivo de ir além do descritivo. Para este aprofundamento, é necessário um período mais longo, onde será possível observar essas mudanças que ocorreram na sociedade e que determinaram inúmeras transformações no quadro migratório a partir da década de 1980.

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