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O uso de quesito de data-fixa para avaliar a migração e a mobilidade

Capítulo 1: O estudo da migração e as limitações e potencialidades

1.2 Fonte de dados e qualidade da informação utilizada

1.2.3 O uso de quesito de data-fixa para avaliar a migração e a mobilidade

Conquanto Xu-Doeve (2005, p. 15-16) coloque que o quesito de data-fixa é uma medida de escopo analítico limitado e pobre em termos de valor de informação, tanto do ponto de vista matemático, quanto demográfico, não se pode esquecer que por trás dessa informação há um conjunto de outras informações importantes e que o quesito não é analisado isoladamente. O quesito de data-fixa é a porta de entrada para as descobertas subseqüentes dos processos migratórios e de outros fenômenos que estão adjacentes à migração. Ainda segundo o autor, matematicamente, as análises contínuas no tempo dos dados de migração têm mais força que as análises discretas. O autor tem razão, pois uma análise não se pode prender num único ponto no tempo e deve lançar um olhar de mais longo prazo, observando o evento ao longo do tempo, como é proposto neste trabalho com dados de vários censos demográficos. Além disto, o que se observa também é o acumulado no tempo de cinco anos, a partir de um ponto no tempo, o que equivale, grosso modo, a uma análise contínua no tempo.

Para Shryock et al. (1971, v. 2, p. 648), a questão sobre o local de residência habitual numa determinada data fixa é um dos mais eficientes meios de medir e analisar a migração. São dois pontos de residência bem definidos no tempo, possibilitando análises comparativas. Além disto, quando a análise está associada com outros quesitos de mobilidade espacial, o resultado e as explicações sobre o processo migratório são mais robustos.

Uma das limitações importante que se observa no quesito de migração de data-fixa está ligada à aplicação do questionário, pois a questão a respeito do local de residência há cinco anos só aparece no questionário da Amostra, onde, em média, apenas 11% dos domicílios particulares ou coletivos ocupados responderam, no Censo Demográfico de 2010. Outro ponto relevante a destacar é que apenas os sobreviventes no processo migratório são levantados e apontados pelo censo demográfico.

O quesito de data-fixa dá uma resposta a uma pergunta relativa à residência do

migrante em uma data especifica no passado, neste caso no intervalo de cinco anos24 em

relação à data de referência do censo demográfico. O quesito de data-fixa sobre o local de residência no passado, introduzido no Censo Demográfico de 1991 e depois mantido nos censos posteriores de 2000 e 2010, possibilita obter, com precisão a localização do migrante, através da informação do município e unidade da federação de origem, cinco anos antes da

24 O Censo Demográfico brasileiro adota o intervalo de cinco anos, que é o mais recomendado pelos especialistas

e instituições (ONU, 1972), dando melhor resultado em capturar parte significativa dos movimentos migratórios, pois não é um período demasiadamente curto, nem excessivamente muito longo, o que possibilita evitar a casualidade, detectar padrões e amenizar a influência da mortalidade sobre essa população migrante de data-fixa. Tem-se a informação da migração entre duas datas exatas no tempo.

data de referência do censo demográfico25. O quesito de data-fixa no Censo Demográfico de 2000 foi melhorado, pois possibilitou analisar a migração intramunicipal por situação, isto é, se cinco anos antes morava na zona urbana ou zona rural do município onde residia na data do censo, exceto para a população que nasceu e sempre morou no município, que informa apenas o deslocamento para trabalho ou estudo. Neste censo foi mantida a captura da informação sobre a situação do município de origem. Já em 2010, o quesito voltou a ser reformulado e questionou apenas a Unidade da Federação e município onde residiam cinco anos antes da data de referência do censo, perdendo-se as possibilidades de análise de situação do local de origem cinco anos antes e avaliações sobre a mobilidade intramunicipal, por situação, que tinha sido implementada em 2000.

A introdução deste quesito no Censo Demográfico de 1991 se tornou muito importante do ponto de vista dos estudos de migração, gerando possibilidades de análises mais aprofundadas neste tema e de forma direta. Muitos países já tinham esta pergunta do local de residência cinco anos antes do censo incorporada nos levantamentos censitários, como por exemplo Estados Unidos e Grécia, mas há países que adotaram intervalos de tempo diferentes,

como Japão, um ano, no censo de 1960 e Estados Unidos, em 195026 (ONU, 1972, p. 19).

Com esta informação temos um intervalo de tempo bem definido e claro, além de dois bem definidos pontos no tempo, o que permite análises com qualidade, profundidade e indicadores importantes sobre a migração (ONU, 1972, p. 19). Por exemplo, de posse dessas informações é possível obter a distribuição espacial da população, segundo o local de residência 5 anos antes da data do censo demográfico; estabelecer os volumes e as direções dos fluxos dos últimos 5 anos, inclusive da imigração internacional e o que é muito importante nos dias atuais, de baixa fecundidade e queda acentuada na mortalidade, a

redistribuição espacial da população e tendências migratórias mais recentes27.

Para Rigotti (2008, p. 8), o quesito de data-fixa é capaz de apontar o volume e a origem dos fluxos migratórios, está disponível para unidades de áreas pequenas, como municípios, possibilitando visualizar os importantes movimentos regionais e sub-regionais da atualidade. Do ponto de vista analítico, este é um dado de fácil interpretação (RIGOTTI, 1999, p. 16).

Explicitando as vantagens do quesito de data-fixa, Rigotti aponta:

25

Nem sempre os movimentos migratórios de data-fixa corresponderão a movimentos diretos entre duas unidades espaciais, pois a chegada à unidade espacial em que o migrante foi recenseado pode ter ocorrido por etapas migratórias (CARVALHO; MACHADO, 1992, p. 29).

26 Em 1950 os Estados Unidos mudaram o intervalo dos dados de data-fixa para um ano, em função da II Guerra

Mundial, mas os dados não são comparáveis com os dados de data-fixa de cinco anos (KIRSCH, 1993, p. 61).

27

Para Cunha (2012, p. 44), o dado de última etapa “permite captar com maior propriedade a realidade dos movimentos mais recentes, que, como mostram os dados censitários, representam parte expressiva da migração da década”.

Algumas das grandes vantagens deste quesito é que ele permite o cálculo de todas as medidas convencionais da migração: imigrantes, emigrantes e saldo migratório. Além disso, os lugares de origem e destino são conhecidos, o período dentro do qual ocorre a migração é bem determinado e o conceito de migrante é facilmente definido (RIGOTTI, 1999, p.17).

Trata-se, portanto, de um quesito com certa consagração de uso e aplicação, que já mereceu muitos estudos analíticos e deu bons resultados em expressar padrões da migração em análises diacrônicas, refletindo mudanças, tendências e permanências nos processos migratórios. Para Barua (1987, p. 112), a utilização de dados de migração de data-fixa com base na duração de residência dos migrantes no local de destino, é susceptível de produzir uma melhor correlação entre os indicadores de migração e as variáveis econômicas do que os dados dos migrantes acumulados (“life-time migrants data”).

Ainda sobre algumas limitações nos dados dos quesitos de data-fixa dos Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010, conforme alertado por ONU (1972, p. 19), é importante registrar que há subestimação no número de tais migrantes de data-fixa, na medida em que não aparecem como migrantes, nesta modalidade, aqueles que migraram para fora de uma determinada área “A”, durante o qüinqüênio de referência e voltaram para esta mesma área antes do final deste período. Ou aqueles que entraram numa determinada área “A” durante o intervalo e reemigraram para uma área “B” ou que tenha feito múltiplos movimentos migratórios até a data do censo, pois somente no local de residência na data do censo será a informação resgatada, perdendo-se parte das etapas intermediárias. Em relação a esta última possibilidade, tem-se que será uma parcela muito pequena dos movimentos migratórios com múltiplos movimentos migratórios, devido o espaço de tempo na investigação ser bem reduzido.

Outro ponto digno de nota refere-se às informações sobre a migração de pessoas nascidas durante o intervalo, que só podem ser obtidas se uma pergunta complementar sobre

local de nascimento estiver incluída no questionário do censo demográfico28. A alternativa

para esta omissão é a obtenção da informação por métodos indiretos ou a utilização do quesito de última etapa, associado ao tempo de residência atual e a idade da criança, que dará uma informação aproximada sobre as pessoas nascidas durante o intervalo analisado.

As pessoas que residiam em outra localidade cinco anos antes, mesmo tendo migrado para uma outra região “A” e que tenham falecido antes da data de referência do censo

28 Neste caso refere-se ao efeito direto da migração, ou seja, das crianças que nascem no interstício do período de

data-fixa e, neste mesmo período migram ou reemigram junto com seus pais e, numa determinada localidade, são recenseados, mas não constam nos dados de data-fixa. Há também o que se chama de efeito indireto da migração, que ocasiona a perda de informações sobre as crianças menores de 5 anos, de país migrantes de data- fixa, nascidas nos locais de destino dos pais e que lá permaneciam na data do Censo (RIGOTTI, 1999, p. 32).

demográfico também acabam não entrando nas estatísticas da migração, nem são contadas

no censo29.

Os movimentos migratórios dos migrantes de data-fixa realizados antes do período não são detectados pelos censos e, durante o intervalo de tempo somente a última etapa migratória é detectada, caso ela tenha ocorrido, perdendo-se toda a mobilidade ocorrida entre a última etapa e o início do intervalo. Ainda sobre as limitações e vantagens, a ONU (1972) avança, apontando que:

Because of its simplicity and specificity, this type of question is considered by some demographers to represent a more worthwhile and useful approach than a question on place of birth or place of last residence, especially if these last two are not accompanied by a question on duration of residence. On the other hand, it can be argued that people have difficulty in recalling where they were living at some arbitrary date in the past and that it is easier for them to recall place of last residence or duration of present residence (ONU, 1972, p. 19)30.

De fato, por experiência, a informação sobre cinco anos no passado pode trazer algumas dificuldades, que o IBGE tentou superar acrescentando, nas instruções dadas aos recenseadores, fatos históricos ou relevantes que marcaram o início do intervalo de tempo dos cinco anos, o que poderia contribuir para reacender a memória do responsável pela prestação das informações ao IBGE. Isto realmente contribuiu significativamente para a melhoria da qualidade da informação ao longo da coleta, pois os lapsos de memória e a incerteza são normais, principalmente nos locais onde há muita mobilidade da população, informantes mais idosos ou população com baixa escolaridade. Em função destas condições, supõe-se que o quesito de data-fixa seja menos preciso que o lugar de nascimento ou lugar de última residência, pois são informações que estão almagamadas no migrante (nascimento) ou estão frescas na memória (última residência).

Rigotti (2000) analisa o uso dos quesitos censitários para o estudo das migrações e propõe um procedimento, através de técnicas diretas, para a análise dos fluxos e etapas do processo migratório a partir das informações do censo demográfico e destaca as possibilidades de combinações de quesitos de última etapa e de data-fixa. Informa que muitas das restrições impostas pelos quesitos podem ser relativizadas, alertando que os procedimentos metodológicos elencados por ele não devem dispensar a análise contextualizada dos casos mais significativos.

29

No Censo Demográfico de 2010, no questionário da amostra, havia um quadro para enumerar a mortalidade de pessoa moradora do domicílio ocorrida nos últimos doze meses anteriores à data de referência do censo (Bloco 7, Quesitos 7.01 a 7.05). Os dados coletados serviam apenas para a análise de mortalidade e não eram agregados aos dados da população recenseada.

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Tradução do Autor: “Por causa de sua simplicidade e especificidade, este tipo de questão é considerada por alguns demógrafos representar uma abordagem mais interessante e útil do que uma pergunta sobre o local de nascimento ou local da última residência, especialmente se estas duas últimas não forem acompanhadas por uma pergunta sobre a duração de residência. Por outro lado, pode-se argumentar que as pessoas têm dificuldade em recordar onde eles estavam vivendo em uma data arbitrária no passado e que é mais fácil para eles recordarem o local da última residência ou a duração da residência atual.”.

O quesito de data-fixa, como é atualmente coletado no Brasil, fornece dados sobre dois elementos fundamentais nas análises sobre migração, que é o tempo (cinco anos antes e quando, neste intervalo, fez a migração) e o espaço (município e unidade da federação cinco

anos antes). Este quesito combinado com o de “última etapa”31 aumentam as possibilidades de

análise do processo migratório e do grau de mobilidade da população. Para Rigotti (2000, p. 5), “o tratamento simultâneo da informação de data fixa e última etapa pode revelar aspectos importantes da mobilidade espacial dos migrantes” e “dada a disponibilidade de todos eles, mais produtivo seria usá-los conjuntamente” (RIGOTTI, 1999, p. 36), o que não significa uma tarefa analítica fácil, pois “o tratamento simultâneo das matrizes contendo os dados de última etapa, data fixa e a diferença entre ambas, mostra o quanto é complexa a análise da mobilidade populacional” (RIGOTTI, 1999, p. 128), mas resulta no aprofundamento das diversas dimensões da mobilidade espacial da população. Mais ainda, segundo Rigotti (2008, p. 4) é “necessário adotar certos cuidados com o uso do quesito de data fixa, pois problemas amostrais podem ocorrer, além, evidentemente, do erro de declaração”.

Ao se avaliar os imigrantes de última etapa e os imigrantes de data-fixa será possível determinar a importância da migração de retorno, em função dos volumes observados em cada uma dessas duas modalidades. Quanto maior a diferença entre essas duas modalidades, maior será a importância da migração de retorno para a região, no período analisado (ABEP, 2007). Normalmente, há um maior número de imigrantes de última etapa, do que imigrantes de data-fixa, pois estes estão contidos nos movimentos de última etapa. Já, em relação aos emigrantes de última etapa, é possível que o número seja maior ou menor que o registrado pelos emigrantes de data-fixa e dependerá do número de etapas realizadas pelos emigrantes de data-fixa.

No Diagrama 1.1, são apresentadas algumas possibilidades de movimentos migratórios (Figuras A a D), que combinam os quesitos de data-fixa e “última etapa”, utilizando como base de análise o Censo Demográfico de 1991.

No Diagrama 1.1, Figura 1, a migração de “última etapa” e data-fixa têm a mesma resposta, ou seja, a mesma informação: a localidade “A”. Já no Diagrama 1.1, Figura 2, a migração de “última etapa” tem como resposta a localidade “B” e a data-fixa, “A”. Neste último caso, observa-se uma migração de retorno, chamada de curto prazo. No Diagrama 1.1, Figura 3, há uma terceira localidade envolvida “C”, o que possibilita observar que a migração de última etapa ocorreu em “B” e a data-fixa, em “A”. Verifica-se no Diagrama 1.1, Figura 4, múltiplas etapas migratórias, onde perde-se a informação do movimento realizado em “B”,

31

Segundo Rigotti (2000, p. 1), “última etapa” é a denominação dada à combinação dos quesitos “lugar de última residência” com o “tempo de residência”. Esses dois quesitos geralmente são perguntados para aqueles que moram no local onde foi recenseado há menos de 10 anos.

pois a última etapa aparecerá como “C” e a data-fixa, “A”. O mesmo vai acontecer quando observa-se múltiplos destinos intermediários. São estas e outras possibilidades que serão motivo de análise no presente trabalho, no que se refere a data-fixa combinado com “última etapa”.

DIAGRAMA 1.1 – Algumas combinações possíveis de quesito de data-fixa e última etapa – 1991

Fonte: Rigotti (2000, p. 3-4). Modificações do Autor (2014).

Uma das grandes vantagens de uso do quesito de data-fixa, principalmente do censo demográfico brasileiro, é a possibilidade de analisar a mobilidade que ocorre no intervalo dos cinco anos, através da adição das observações dos movimentos de “última etapa”, onde é possível traçar um mapa mais detalhado e profundo da migração e da redistribuição espacial da população.

E para o Censo Demográfico de 1980, que não tinha o quesito de data-fixa, como proceder? Utilizando-se os dados de “última etapa” e fazendo-se um recorte temporal somente com as informações que registraram menos de 5 anos no tempo de residência.

O uso dos dados de migração do Censo Demográfico de 1980 (referente ao quesito sobre o tempo de residência do migrante no local em que foi recenseado, para aqueles que informaram moravam no local há cinco anos ou menos de residência), para obter uma aproximação equivalente aos dados do quesito de data-fixa, ou seja, do período de 1975-1980, que é comum encontrarmos nos levantamentos dos censos demográficos posteriores do Brasil (1991, 2000 e 2010), é um assunto que o Manual VI, da ONU (1972, p. 19), aponta como solução e que renderia informações aproximadas e comparáveis como se fossem informações obtidas a partir de um quesito de data-fixa no passado.

Brito et al. (2004), utilizam-se deste artifício, apesar das limitações explicitadas pelos autores, para fazer uma avaliação teórica das mudanças mais significativas no processo migratório interestadual no Brasil entre 1965-2000, utilizando para os períodos os de 1965- 1970 e 1975-1980, as informações referentes ao segundo qüinqüênio dos dados de migração de última etapa.

Cunha (2005), registra que esse procedimento já é aceito pelos estudiosos, inclusive citando o trabalho de Brito et al. (2004) e informa:

Assim, uma forma de aproximação que vem sendo aceita pelos estudiosos do assunto seria o uso da “última etapa” combinada com o tempo de residência menor de 5 anos. Ou seja, tenta-se com isso delimitar também para o Censo de 1980 um período temporal semelhante ao item “data fixa” coletado em 1991 e 2000 – muito embora se saiba que, por não se tratar de um período exato de tempo, tal comparação fique teoricamente comprometida. Na verdade, ainda que delimitado por um corte temporal, não é possível saber a que período se refere o conjunto de migrantes de “última etapa”, uma vez que estes são enumerados segundo distintos momentos de chegada (dado pelo tempo de residência) (Cunha, 2005, p. 7).

Rigotti (1999, p. 136), pede para se tomar um certo cuidado no uso da informação de última etapa como proxy dos dados de data-fixa, principalmente quando o autor aponta que “quanto maior a diferença entre os imigrantes de retorno pleno e os emigrantes de passagem, dentro de um período considerado, maior será o erro do saldo migratório calculado através deste procedimento”. Portanto, uma análise dessa condição deve ser realizada, objetivando a pertinência do uso desse procedimento e sua validação.

Quem é o imigrante de data-fixa e o emigrante de data-fixa? Conforme apontado por Rigotti (2000, p. 1), “o imigrante não residia na região em estudo na data referente ao início do período (cinco anos atrás), apenas na data final. O emigrante residia na primeira data, mas não na segunda (data do recenseamento)”.

1.3 A escolha do período de referência 1980-2010 para o estudo da migração e da

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