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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Alfabetização no Ciclo da Infância

2.3.5 A especificidade do processo de alfabetização

Para Soares (2004), não basta que a criança esteja convivendo com muito material escrito para ser adequadamente alfabetizada. É preciso orientá-la sistemática e progressivamente para que ela possa se apropriar adequadamente do sistema de escrita, o que é feito junto com o letramento: é a isso que a estudiosa chama de especificidade do processo de alfabetização.

É sabido que por muito tempo o ensino do nosso sistema de escrita foi feito de uma maneira mecânica e repetitiva, na qual as crianças eram levadas a memorizar segmentos das palavras (letras ou sílabas) ou mesmo palavras inteiras, sem o entendimento da lógica que relacionava a pauta sonora e a sequência de letras correspondente.

Hoje, sabemos que há um conjunto de conhecimentos a ser construído pela criança aprendiz, que a leve a compreender que a escrita possui relação com a pauta sonora (as partes pronunciadas). E essa é uma descoberta que nem sempre se dá espontaneamente, por isso é imprescindível a atuação pedagógica do professor alfabetizador, no sentido de ajudar a criança a descobrir os princípios que regem a relação obscura entre as partes faladas e as partes escritas das palavras.

O desafio que se coloca para o Ciclo da Infância ou Ciclo de Alfabetização é o trabalho pedagógico de conciliar esses dois processos, assegurando às crianças a apropriação do sistema alfabético-ortográfico e as condições viáveis e concretas do uso da língua nas práticas sociais de leitura e escrita. Assim sendo, reforçamos a importância crucial da formação do professor alfabetizador, responsável por mediar toda a aprendizagem desses conhecimentos no Ciclo de Alfabetização.

A alfabetização em si, como cita Scherer (2008), requer que haja o ensino das especificidades do sistema de escrita e de atividades de reflexão fonológica, enquanto o letramento requer que a criança seja mergulhada em diversos contextos de leitura e escrita, de forma espontânea e não tão explícita quanto na alfabetização. Assim sendo, percebemos que a alfabetização exige a explicitação da técnica de escrita para que seja possível codificar e descodificar, ou seja, é necessário aprender a relacionar sons com letras (fonemas com grafemas), a segurar um lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para a direita, enfim, um conjunto de aspectos técnicos. Isso significa que a alfabetização é o domínio das relações fonema/grafema e do código convencional da leitura e da escrita e não é pré-requisito para o letramento. No entanto, mais uma vez reforçamos que o letramento e a alfabetização devem acontecer concomitantemente.

Portanto, o professor que alfabetiza deve estar muito bem preparado teórica e pedagogicamente para ter a necessária clareza dos objetivos a serem alcançados e das competências que as crianças devem ter a cada ano letivo do Ciclo de Alfabetização, bem como ao final de todo o ciclo de três anos. Assim, esse alfabetizador deve igualmente ter conhecimentos específicos a respeito dos processos de alfabetização e letramento. E, mais estritamente, sendo aqui do nosso interesse, ressaltamos a importância, para o alfabetizador, dos conhecimentos linguísticos relacionados ao desenvolvimento da consciência fonológica, aos princípios do nosso sistema de escrita e à aprendizagem da criança a respeito da notação alfabética.

Concordamos com Poersch (1990) quando afirma que o professor pode até alfabetizar sem conhecimentos linguísticos (e assim, muitos o fazem); no entanto, possuindo esses conhecimentos, o professor alfabetizador melhor compreenderá o objeto do seu trabalho e terá melhores condições de enquadrá-lo no quadro geral das ciências, além de ter possibilidades de desenvolver um trabalho mais eficiente.

O professor alfabetizador deve conhecer muito mais sobre a língua do que o conteúdo que de fato transmite a seus alunos. Ele não tem necessidade de ser um linguista, mas deve possuir conhecimentos teóricos e práticos tanto de Linguística pura, como de Linguística aplicada. Poersch (op.cit.) explica que os conhecimentos linguísticos não são considerados a salvação da alfabetização, pois essa é uma atividade influenciada por muitos outros fatores. Contudo, embora a Linguística não dê respostas a todos os problemas da alfabetização, e tenha respostas muitas vezes não definitivas, o alfabetizador com uma formação Linguística poderá fazer uso inteligente dela para aperfeiçoar seu trabalho. Compreendemos que muitas dificuldades de leitura e escrita que atrapalham o aluno ao longo

de todo o Ensino Fundamental poderiam ser dirimidas por um profissional linguisticamente bem preparado.

Conhecendo os elementos essenciais da Linguística e sabendo aplicá-los, o alfabetizador certamente terá condições de graduar as dificuldades a serem trabalhadas e de definir os procedimentos mais adequados na aprendizagem de seus alunos.

A forma como a escola, de um modo geral, vem tratando as questões da fala, da escrita e da leitura na alfabetização é, muitas vezes, superficial. Segundo Cagliari (1998), a escola necessita de professores com melhor formação acadêmica. Há grande dedicação às questões pedagógicas, metodológicas e psicológicas e pouca às questões linguísticas.

Partindo do pressuposto de que a alfabetização lida com a linguagem e, consequentemente, exige do profissional, além dos conhecimentos didáticos, psicológicos e sociológicos, um bom cabedal de conhecimento acerca da linguagem, a formação linguística do alfabetizador deve incluir conhecimentos que abranjam, segundo Poersch (1990):

- o estatuto da comunicação linguística, ou seja, estrutura e funcionamento da linguagem;

- o perfil da língua base, isto é, a descrição da língua na qual a alfabetização será implantada;

- o quadro contrastivo do código oral versus o código escrito e outros mais.

Não é mais possível desprezar a enorme gama de conhecimentos linguísticos, sociolinguísticos e psicolinguísticos requerida na alfabetização. Zanini (1990) destaca que o objetivo do alfabetizador é transportar a criança do domínio do código oral para o escrito. Para tanto, é esperado desse profissional um profundo conhecimento dos mecanismos de funcionamento da linguagem infantil e de seu desenvolvimento.

Mota (2009) coloca que, ao considerarmos a posição de Gombert (2003), de que algum grau de consciência metalinguística é necessário para se aprender a ler e escrever, e de que ao mesmo tempo a alfabetização tem um papel importante no desenvolvimento dessa habilidade, as implicações educacionais dos estudos a respeito dessa relação são evidentes: o desenvolvimento das habilidades metalinguísticas pode melhorar o desempenho das crianças na aprendizagem da leitura e da escrita. Esses resultados, além de comprovar a importância da consciência metalinguística para o processo de alfabetização, reforçam a necessidade de conhecimentos acerca da aquisição da linguagem na formação do professor alfabetizador e, consequentemente, em sua prática no ensino da leitura e da escrita. É por isso que se torna necessário o alfabetizador ter uma medida da consciência da língua que a criança, ao entrar para a escola, já desenvolveu.

Scliar-Cabral (2003) também salienta que o professor deve levar o aluno a refletir, durante o processo de aprendizagem, sobre as regras de descodificação e codificação. Para tanto, o aprendiz precisa conhecer os princípios do sistema de sua língua – ou seja – o princípio alfabético do português brasileiro. Esta afirmação complementa e reafirma o que já foi exposto anteriormente, a respeito da importância do conhecimento linguístico na formação do professor alfabetizador.

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