• Nenhum resultado encontrado

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Alfabetização no Ciclo da Infância

2.3.4 Alfabetização e Letramento

Comumente é entendido „alfabetizar‟ como ato ou efeito do ensino das primeiras letras e, por essa razão, uma pessoa alfabetizada é vista como aquela que domina as habilidades básicas da leitura e da escrita. Em sentido estrito, a alfabetização é entendida na perspectiva da leitura como a capacidade de descodificar os sinais gráficos, transformando-os em sons, e, na perspectiva da escrita, como a capacidade de codificar os sons da língua, transformando-os em sinais gráficos.

Observa-se, no entanto, uma modificação progressiva no conceito de alfabetização, em razão de necessidades sociais, políticas e econômicas. No século passado, já não era considerada alfabetizada aquela pessoa que apenas dominava as habilidades de codificação e de descodificação. Para ser considerada alfabetizada, a pessoa deveria saber usar a leitura e a escrita, exercendo concretamente uma prática social em que a leitura e a escrita são necessárias.

Segundo Soares (2003), essa ampliação no conceito de alfabetização pode ser acompanhada nos censos: até por volta dos anos de 1940, os censos indagavam apenas e tão somente se as pessoas sabiam ler e escrever, sendo aceita como comprovação da resposta a capacidade de assinatura do próprio nome. Depois, a partir dos anos de 1950 e até o censo de 2000, os questionários passaram a indagar se a pessoa era capaz de „ler e escrever um bilhete

simples‟, o que evidenciava uma ampliação do conceito de alfabetização: já não era mais considera alfabetizada aquela pessoa que apenas declarava saber ler e escrever genericamente. Para ser alfabetizada, a pessoa necessariamente deveria saber usar a leitura e a escrita para exercer uma prática social em que a escrita é necessária.

Assim, foram definidos índices de alfabetização funcional, tomando como critério o nível de escolaridade atingido ou a conclusão de determinado número de anos de estudo ou de uma determinada série. Percebe-se aí a exigência do acesso ao mundo da escrita: habilidades para além do aprender a ler e a escrever.

... a definição de índices de alfabetismo funcional tendo como critério anos de escolaridade, evidencia o reconhecimento dos limites de uma avaliação censitária baseada apenas no conceito de alfabetização como “saber ler e escrever” ou “saber ler um bilhete simples”, e a emergência de um novo conceito, que incorpora habilidades de uso da leitura e da escrita desenvolvidas durante alguns anos de escolarização (SOARES, 2003, p.10).

Também na escola o conceito de alfabetização tem se modificado. Antes era aceito que a entrada da criança no mundo da escrita se fazia apenas pela alfabetização: o desenvolvimento das habilidades de codificação e de descodificação. O uso da língua escrita em práticas sociais de leitura e escrita era tratado como uma etapa posterior a essa fase de alfabetização.

No entanto, novas concepções da Psicologia, da Linguística e de outras ciências afins a respeito de leitura e escrita favoreceram nosso entendimento de que o aprendizado das relações entre „letras‟ e „sons‟ da língua é uma importante condição do uso da língua escrita e, por outro lado, também esse uso da língua escrita é uma importante condição da alfabetização ou do aprendizado das relações entre as „letras‟ e os „sons‟ da língua.

A partir de então, a concepção de alfabetização não se reduz apenas ao domínio das “primeiras letras”, mas envolve também saber utilizar a língua escrita nas situações em que esta é necessária, lendo e produzindo textos em situações reais. Para essa nova concepção foi eleito o termo „letramento‟, que designa o conjunto de conhecimentos, de atitudes e de capacidades necessárias para o uso da língua em práticas sociais (SOARES, 2003).

Assim entendemos o termo “alfabetização” referindo-se ao processo pelo qual se adquire uma tecnologia, no caso a escrita alfabética, e as habilidades de utilizá-la para a leitura e a escrita. O domínio dessa tecnologia envolve conhecimentos variados, como compreender o funcionamento do alfabeto, memorizar as convenções letra-som e dominar seu traçado, usando instrumentos como lápis, papel ou outros que os substituam.

Já o termo “letramento” está relacionado ao exercício competente da tecnologia da escrita, nas situações efetivas de leitura e escrita de textos reais. Soares (1986, p.47) sabiamente defende que “alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis; ao contrário: o ideal é alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita”.

Vem certamente dessas novas concepções, e a partir da pesquisa de Ferreiro e Teberosky (1999), o entendimento da importância metodológica do ambiente alfabetizador, em especial, mas não somente, na fase de alfabetização escolar. A criação desse ambiente se concretiza na busca de proporcionar às crianças o uso efetivo e real da língua escrita, mesmo antes do domínio das habilidades de codificação e descodificação.

A construção do ambiente alfabetizador está baseada na pressuposição de que saber para que a escrita serve e saber como ela é usada em práticas sociais concretas auxilia a criança em seu processo de alfabetização, dando significado e função ao processo e favorecendo a exploração e entendimento, pela criança, do funcionamento da língua escrita. É função da escola promover esse tipo de ambiente, em especial para crianças de famílias carentes de experiência com a cultura escrita e suas diversas práticas, a fim de procurar fornecer a elas esse passo tão importante nas primeiras fases de alfabetização. Desse modo, as crianças pertencentes a meios pouco escolarizados passam a ter oportunidades de manusear textos e de participar de situações efetivas de leitura e produção de textos.

Para Ferreiro e Teberosky (1999), a alfabetização é um processo de construção, durante o qual a criança vai se apropriando da escrita à medida que interage com esta e com as pessoas que dela se utilizam. Esta interação não se dá apenas no momento em que a criança ingressa na escola, mas já ocorre no dia-a-dia quando se depara com situações de letramento.

Sabemos que na realidade brasileira são muitas as famílias que não têm condição, por diversas razões, de propiciar um ambiente de letramento adequado às suas crianças. Daí cabe à escola recuperar ou pelo menos minimizar a defasagem que elas trazem com relação às práticas de letramento, o que é colocado como fator de importância da inclusão dessas crianças aos seis anos de idade no Ensino Fundamental.

As atuais exigências de democratização do acesso à escola pública de qualidade são agora acompanhadas de demandas bastante complexas, como a permanência das crianças de camadas populares na escola e a ampliação de suas oportunidades de acesso à cultura escrita, já que tais oportunidades são precocemente vivenciadas por camadas sociais mais favorecidas. Dessa forma, defende-se que, com a inclusão da faixa etária de seis anos no Ciclo da Infância ou Ciclo de Alfabetização, o sistema adotado amplia o direito dessa criança a uma

escolarização mais extensa e a uma alfabetização ressignificada (Minas Gerais, 2008). Isso implica o direito daquelas crianças à alfabetização e ao letramento, em processos de aprendizagem que assegurem progressivas capacidades e habilidades.

Um aspecto importante, que deve ser destacado no ensino da língua escrita é que ele seja desenvolvido em um contexto de letramento, Soares (2004) defende a possibilidade de participação da criança permanentemente em eventos que envolvam leitura e escrita. Como anteriormente visto, para ela alfabetização e letramento são duas vias e cada uma delas demanda um tipo diferenciado de ações do professor e da escola, posição a que nos associamos.

Documentos relacionados