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A especificidade do trabalho da enfermeira

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.2 ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE O TRABALHO DA ENFERMEIRA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE/ATENÇÃO BÁSICA

4.2.3 A especificidade do trabalho da enfermeira

Não se observou em nenhum dos artigos analisados uma definição do que seria a especificidade do trabalho da enfermeira no âmbito da atenção básica à saúde. É interessante perceber também que poucos artigos trataram desta temática, evidenciando a necessidade de novos estudos que tragam elementos a essa discussão.

Assim, alguns estudos apontam para uma falta de especificidade do trabalho da enfermeira (artigos 3, 17, 28i, 33, 48) e outros demonstram uma especificidade que se revela através da realização da consulta de enfermagem e da supervisão das auxiliares e técnicas de enfermagem (artigos 17, 19 e 33).

No caso da consulta de enfermagem, reconhecida como uma atividade exclusiva da enfermeira, considerando-se as atribuições próprias a esta categoria profissional, afirmou-se em um dos estudos que esta atribuição representa uma forma igualitária de distribuição de

status e poder na divisão técnica e social do trabalho na área da saúde. Entretanto, no mesmo

estudo surge outra opinião, a de que a consulta de enfermagem é percebida por algumas enfermeiras como a “medicalização da assistência de enfermagem”. Este termo é utilizado erroneamente no artigo no intuito de indicar uma apropriação inadequada de ações que não são próprias e nem a essência da profissão em enfermagem, como a prescrição medicamentosa.

Entretanto, nessa construção é importante destacar que a realização da prescrição medicamentosa é uma característica da ação médica, e sua realização pelas enfermeiras se torna possível de acordo com os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e as disposições legais da profissão. Assim, a realização deste ato pelas enfermeiras não descaracteriza a profissão à medida que pode ser considerado como um instrumento que auxilia a prática desta profissional. Entretanto, é preciso considerar que esta ação, isoladamente, não fornece subsídios ao desempenho do trabalho da enfermeira, devendo estar acoplada a princípios de solidariedade, empatia, postura crítica e reflexiva e ao exercício da cidadania.

Assim, pontuamos a necessidade de se suscitar novas discussões a respeito da consulta de enfermagem, abrangendo aqui a prescrição de medicamentos pela enfermeira, para que esta ação se constitua como um meio para efetivação dos princípios propostos pela APS, não estando pautada na consulta individualizada, de pronto-atendimento, que atende a necessidades pontuais e não promove a saúde da coletividade.

Outro artigo revela que ainda não há um consenso entre as enfermeiras do que é ou não específico ao trabalho dessa categoria profissional. Assim, os sujeitos que compuseram a amostra estudada revelaram que ainda têm dúvidas quando questionados sobre as atividades que são exclusivas às enfermeiras. As respostas dos sujeitos variaram de um extremo, ou seja, aqueles que afirmam que não sabem ou que não existem atividades exclusivas da enfermeira,

até o outro extremo, citando prontamente as atividades, como a consulta de enfermagem e a supervisão das atividades dos auxiliares e técnicas de enfermagem (artigo 17). Demonstram com isso que a especificidade do trabalho ainda é uma temática não compreendida e debatida pela categoria profissional.

Um dos estudos apresenta resultados que direcionam para a falta de especificidade no trabalho da enfermeira refletida pela inexistência de uma separação nítida entre as ações que estas e as auxiliares e técnicas de enfermagem realizam. Isto pode ser verificado em situações como a triagem de clientes, na pré-consulta, a aplicação de vacinas, a realização de curativos, entre outras. Nestas situações, a enfermeira alterna papéis com a auxiliar ou técnica de enfermagem, especialmente quando trabalham em duplas. Nestes casos, a auxiliar realiza o procedimento e a enfermeira faz as anotações e orientações, ou vice-versa, não havendo uma diferenciação entre as ações dessas profissionais (artigo 3). É interessante perceber que esse tipo de ação ocasiona uma não diferenciação, por parte da sociedade, entre a enfermeira e os demais componentes da equipe de enfermagem, como os auxiliares e técnicas, ou seja, há uma falta de identidade profissional.

Outros estudos enfatizam que a não especificidade do trabalho da enfermeira se relaciona ao fato desta absorver diferentes papéis como sendo de sua responsabilidade, ou seja, não há uma especificidade de ação (artigos 17, 28i, 33, 48). Desta forma, a identidade profissional da categoria torna-se fragilizada, tendendo à invisibilidade.

Esta invisibilidade é apontada como sendo decorrente do trabalho invisível que realizam, ou seja, ao absorverem diversas parcelas do trabalho em equipe acabam assumindo um trabalho que não tem mensuração, que não está definido e nem pode ser classificado, aproximando-se do trabalho feminino e doméstico que acompanha a profissão desde suas origens (artigos 17 e 33).

Alguns autores apresentam o termo “polivalência do trabalho da enfermeira” para designar essa falta de especificidade. Afirmam ainda que “tudo” é considerado pelos usuários como motivo para procurarem as enfermeiras, e que muitas destas profissionais desenvolvem um perfil idealizado para não falhar, ou seja, precisam atender a tudo que lhes é solicitado. Entretanto, essa indefinição de papéis acaba sobrecarregando suas atividades cotidianas, já que despendem tempo com atividades que não fazem parte de suas atribuições (artigos 33 e 48).

Desta forma, as enfermeiras parecem não perceber que, quando assumem todas as atividades e funções como sendo de sua responsabilidade, tornam seu trabalho invisível à organização onde trabalham, à equipe de saúde, à sociedade e a si próprias, já que a sobrecarga de trabalho impede a devida realização das atividades, ou seja, imprime a sensação de incompletude, de que não se realizou tudo aquilo que se desejava e que era necessário ao processamento do trabalho.

Outro fator apontado como contribuindo para a não especificidade do trabalho da enfermeira é a falta de sistematização de sua prática, com dispêndio considerável de tempo em ações que não têm possibilidade de registro e de quantificação, que não são valorizadas por outros profissionais e que contribuem para a invisibilidade profissional. Essas ações, normalmente em forma de orientação, costumam ser realizadas nos corredores ou na sala de espera das Unidades Básica de Saúde, locais onde os usuários podem interpelar os enfermeiros para solicitar ajuda de forma verbal, sem possibilidade de registro formal no prontuário do usuário. Assim, a ação fica sem possibilidade de verificação posterior por outros profissionais e até por ela própria, não permitindo uma continuidade no cuidado (artigos 1 e 33). Desta forma, a sistematização da prática é considerada como necessária para dar uma maior visibilidade e conferir especificidade ao trabalho da enfermeira.

Considerando-se os estudos analisados, destacamos a falta de uma explanação conceitual sobre o que se considera por especificidade do trabalho da enfermeira. Assim, sem aprofundamento teórico torna-se difícil compreender e avaliar o que os estudos apresentam como sendo ou não específico a esse trabalho, impedindo que haja avanços no conhecimento.

Consideramos que são necessários novos estudos que aprofundem essa temática e que tenham como objetivo identificar o que confere especificidade e identidade ao trabalho da enfermeira de modo a proporcionar maior visibilidade social e econômica à profissão.