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A Estratégia CAPS (Centro de Atenção Psicossocial)

CAPÍTULO I – O que é o Dispositivo Intercessor?

1. Alguns modos de gestão

2.1 A Estratégia CAPS (Centro de Atenção Psicossocial)

Com a Reforma Psiquiátrica, o Estado ensejou uma Política Nacional de Saúde Mental. Através da Portaria nº 224, de 1992, os serviços substitutivos seriam organizados da seguinte maneira:

2.1- Os NAPS/CAPS são unidades de saúde locais/regionalizadas, que contam com uma população adscrita definida pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de 4 horas, por equipe multiprofissional.

2.2 - Os NAPS/CAPS podem constituir-se também em porta de entrada da rede de serviços para as ações relativas à saúde mental, considerando sua característica de unidade de saúde local e regionalizada. Atendem também a pacientes referenciados de outros serviços de saúde, dos serviços de urgência psiquiátrica ou egressos de internação hospitalar. Deverão estar integrados a uma rede descentralizada e hierarquizada de cuidados em saúde mental. (BRASIL, 1992).

A princípio, essa Portaria versava sobre as diretrizes, as normas para o atendimento e a organização do CAPS/NAPS. Também sugeriu a remodelação do atendimento psiquiátrico nos hospitais gerais. Apresentou ainda as atividades e os recursos humanos necessários para viabilizar o atendimento nas urgências e na prevenção em Saúde Mental, situada em rede de acordo com o nível de complexidade.

No decorrer dos anos, a denominação NAPS se declinou, bem como as CERSAMS (Centros de Referência em Saúde Mental), no Estado de Minas Gerais (LOBOSQUE, 1997), mas permaneceu viva a finalidade de serem estratégias

substitutivas ao hospital. Ampliou-se no contexto nacional a Estratégia CAPS, inclusive na sua denominação.

Mais tarde, a Portaria nº 224 foi atualizada pela Portaria nº 336, de 2002, resolvendo que “[...] os CAPS deverão constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária que funcione segundo a lógica do território” (BRASIL, 2002). Nessa Portaria, definiu-se que o CAPS seria diferenciado por modalidades estabelecidas de acordo com o tamanho do território, o número de habitantes, o regime de tratamento (intensivo, semi-intensivo e não intensivo), as atividades desenvolvidas para o tratamento, o número de profissionais e os repasses financeiros. Por ser serviço diuturno, o CAPS deveria garantir o atendimento em Saúde Mental no território, com a inserção dos familiares e a comunidade no tratamento.

Mediante o avanço legal, houve a diminuição do número de leitos psiquiátricos. Por outro lado, expandiu-se o número de CAPS pelo país. Contudo, a Portaria nº 336 ainda continha a mesma lógica manicomial criticada pelo Movimento Antimanicomial, por delimitar os atendimentos do CAPS em modalidades e por clientela, os quais necessitam de um diagnóstico médico prévio. Essa exigência era incompatível a existência do diagnóstico com os ideais difundidos pelo NAPS. “Os NAPs podem ser considerados um serviço de maior abrangência, incluem não apenas o paciente, como a família e a sociedade, enquanto o CAPS cuida basicamente da assistência ao paciente” (RADIS, 2005, p. 16). No entanto, o Ministério da Saúde homogeneizou o termo CAPS, e os NAPS existentes são cadastrados no mesmo como CAPS III (RADIS, 2005).

Em 2004, o Ministério da Saúde lançou um manual para operacionalizar o CAPS. Nesse Estabelecimento, a oferta seria ampla e diferente: quanto ao tamanho, à estrutura física, a diversidade dos profissionais, dos recursos existentes no território e das atividades terapêuticas; havia que se considerar a especificidade da demanda, crianças e adolescentes seriam alocados no CAPSi, adultos drogaditos se tratam no CAPSad, e os psicóticos ou neuróticos graves no CAPS (BRASIL, 2004a). Essas variações são encontradas no documento base para a implantação dos CAPS’s:

- CAPS I – municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes; Funciona das 8 às 18 horas; De segunda a sexta- feira;

- CAPS II – municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes; Funciona das 8 às 18 horas; De segunda a sexta- feira; Pode ter um terceiro período, funcionando até 21 horas; - CAPS III – municípios com população acima de 200.000 habitantes; Funciona 24 horas, diariamente, também nos feriados e fins de semana;

- CAPSi – municípios com população acima de 200.000 habitantes; Funciona das 8 às 18 horas; De segunda a sexta- feira; Pode ter um terceiro período, funcionando até 21 horas; - CAPSad – municípios com população acima de 100.000 habitantes; Funciona das 8 às 18 horas; De segunda a sexta- feira; Pode ter um terceiro período, funcionando até 21 horas. (BRASIL, 2004a).

Destaca-se o CAPS III, porque dispõe de leitos para as internações de curta duração, correspondendo “[...] no máximo por sete dias corridos ou dez dias intercalados durante o prazo de 30 dias” (BRASIL, 2004a). Pode, ainda, oferecer acolhimento noturno e durante os finais de semana. A função do CAPS é ser o Estabelecimento de Referência para a rede assistencial (BRASIL, 2004a). O objetivo do tratamento é a recuperação e a promoção da cidadania e dos laços sociais.

A Reforma Psiquiátrica trouxe à baila vários equipamentos substitutivos, que muitas vezes estão à deriva, porque acabam rumando para práticas hegemônicas de sempre, entre outras razões, talvez porque ainda não houve superação da lógica manicomial no plano da ética, embora o CAPS tenha alcançado êxito, na forma de tratamento, com a diminuição das internações. Ainda há muito que avançar, principalmente nos planos da política, e da cultura (RADIS, 2005) e na formação dos trabalhadores em Saúde Mental que devem atuar em uma clínica antimanicomial (LOBOSQUE, 2006).

Por outro lado, os usuários cronificados têm tido acesso ao Programa de Residência Terapêutica – compreendido por moradias inseridas na comunidade voltada para os sujeitos egressos de longa internação psiquiátrica e que não reconstruíram os laços sociais com os familiares e a comunidade (BRASIL, 2000) –, e aos benefícios do De Volta Para Casa (BRASIL, 2003), que consiste no auxílio-reabilitação psicossocial, destinado aos egressos de longa internação. Portanto, o descompasso entre a letra da lei e a prática é patente na maioria dos serviços; e inclusive a diminuição do número de leitos hospitalares depende do surgimento de mais dispositivos estratégicos alternativos.

A assistência desenvolvida no CAPS apresenta coerência com os princípios e as diretrizes do SUS. Apesar dos impasses indicados, a Estratégia CAPS certamente é

uma das formas importantes no processo de superar a Psiquiatria asilar. Para Amarante (1995), Costa-Rosa (2000) e Yasui (2006), o CAPS alicerçou a possibilidade efetiva de substituição do modelo psiquiátrico-hospitalocêntrico-medicalizador (PPHM) para um modelo alternativo, por meio da inclusão social e da compreensão da existência- sofrimento.

No próximo tópico, apresenta-se o Paradigma Psicossocial que, sob a forma de estratégia de cuidado, que também é alternativo – no sentido dialético – ao paradigma psiquiátrico-hospitalocêntrico-medicamentoso.