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A estrutura conversacional nos dois momentos da interação entre as

5.2. A caracterização dos textos da ACC

5.2.1. A estrutura conversacional nos dois momentos da interação entre as

Conforme apresentado na discussão dos procedimentos de coleta, para a realização da ACC (18/12/2007), utilizamos um DVD produzido a partir das cenas, previamente selecionadas na ACS (11/12/2005) pelas professoras, de suas aulas gravadas: da primeira aula, referente ao ensino da produção escrita do diário de leitura (869/8/2005), e de uma aula de discussão do último diário (28629/11/2005).

Quanto à extensão, o texto tem 1031 linhas e divide6se em dois momentos. O primeiro, a ACC, propriamente dita, tem a extensão de 248 linhas, é composto de 207 turnos, constituídos de frases e períodos curtos que não se desenvolvem, apresentando6se fragmentados, interrompidos e, alguns deles, sendo retomados mais adiante.

Quanto ao segundo momento da interação, que se assemelha a uma entrevista (e que, por isso, é assim por nós denominado), conforme vimos no capítulo de procedimentos metodológicos, é composto de segmentos de turnos mais longos, com significados mais completos. Podemos confrontar a quantidade e a extensão dos turnos nesses dois momentos da interação, observando o quadro a seguir:

1º momento:ACC 2º momento: entrevista total

linhas 248 794 1031

turnos 207 356 563

● Quadro 5: Os totais de linhas e de turnos nos dois momentos da ACC.

Como podemos ver, o primeiro momento, quanto ao número de linhas, é bem menor que o segundo, entretanto, em relação ao número de linhas do segundo momento, o primeiro momento apresenta maior quantidade de turnos, pois estes são curtos, sendo poucos os que vão além de uma linha, talvez pela interferência das

imagens de aulas alternadas, ora de uma professora ora de outra, que compõem o vídeo produzido.

Em relação à quantidade de turnos de cada participante, temos 55 turnos meus (a pesquisadora), 271 de P2 e 237 de P1. Com esses resultados, podemos notar que a pesquisadora teve o menor número de turnos, pelo motivo já exposto no capítulo anterior, enquanto P2 tem maior número de turnos que P1, o que pode ser visualizado no quadro 6:

Professoras ACC entrevista total

Marina 2 53 55

P2 112 159 271

P1 93 144 237

● Quadro 6: O total de turnos de cada participante.

A diferença do número de turnos entre as professoras se justifica ao observarmos que há 64 turnos de P2, em que há uma simples verbalização de (Kerbrat6Orecchioni,1996), ou seja, sinal de que P2 está acompanhando ou seguindo as palavras de P1, o que Kerbrat6Orecchioni (1990) chama de

. Já P1 emitiu apenas 11 . Se desconsiderássemos essas marcas de interação, teríamos 226 turnos de P1 e 207 de P2 e, assim, P1 excederia em 19 turnos. Dentre as 64 expressas por P2, identificamos nove tipos distintos, segundo a classificação proposta por Kerbrat6Orecchioni (1990), de acordo com sua função interacional, que são as seguintes: , ,

R , , , R , , e

. Vejamos, a seguir, um exemplo de cada identificada, para que tenhamos uma visão mais significativa de suas ocorrências.

A &/ ocorre por parte de P2, na linha 81, a partir de um comentário de P1 a respeito da semelhança de ambas na maneira de orientar os alunos, menos do estilo procedimental, referindo6se no modo de explicar um novo conteúdo. Exemplo:

Cena 4: P1 esclarece a um aluno que, no diário de leitura, ele pode dialogar, preferencialmente, com o leitor e que, se quiser, com a ela (P1) também.

P2

P1 . . .

. W

P2 também utiliza uma vocalização que completa ( ) o turno da colega. Exemplo:

1. Vocês gostariam de comentar sobre algumas dessas cenas?

P1 [alunos] [da experiência diarista]...

P2 . .

P1

238 P2 / # ... ←COMPLEMENTO

Um outro tipo de vocalização, muito recorrente por parte de P2, que pode ser percebido no exemplo, a seguir, é a $ , bastante comum na interação verbal.

Cena 6: P1, a pedido de uma aluna, exemplifica como falar de outro texto no diário de leitura, enfatizando a importância da liberdade de expressão.

P1 ((risos))...

((risos))

121 P2 4 ((risos)) ←CONCORDÂNCIA

Outra vocalização também muito comum na conversação é o pedido de &/ de algo que foi dito. Exemplo:

Cena 2: P1 lê e explica cada uma das instruções do diário de leitura, exemplificando oralmente.

P1 '

54 P2 05 ←CONFIRMAÇÃO

P2 também demonstrou ter o hábito de corrigir ( &/ ) algo que foi dito pelo seu destinatário. Exemplo:

3. mas eu... eu ((P1)) tenho uma pergunta... não é qualquer tipo de texto que dá para fazer diário né? M . / 326 P2 * ←CORREÇÃO M . # . 0 .

Outra vocalização muito comum na interação verbal, que também ocorre na ACC, é a $ do que foi dito. Exemplo:

Cena 2: P1 lê e explica cada uma das instruções do diário de leitura, exemplificando oralmente.

P2 !

P1 !

43 P2 * ←DISCORDÂNCIA

Ao longo da análise, identificamos uma seqüência de três outras vocalizações emitidas por P2, que, na realidade, nos parece ser outras formas ainda de P2 demonstrar que está atenta ao que diz a colega. Vejamos o exemplo a seguir:

Cena 10: P1 exemplifica como colocar a opinião sobre um texto lido.

P1 ((risos)) 160 P2 # ((risos)) ←REPETIÇÃO P1 # . G ' 163 P2 ←LAMENTAÇÃO P1 # G$ ' 165 P2 / 666 ←SURPRESA

Nesse segmento, percebemos, na linha 160, uma &/ das últimas palavras proferidas por P1, que nos parece indicar uma espécie de concordância com o que foi dito. Na linha 163, a vocalização “ich::” parece6nos refletir um estado emocional por parte de P2, equivalente a um em relação ao que foi dito pela colega. E, por fim, na linha 165, outra reação emocional, desta vez, de quanto à estratégia alternativa utilizada por P1 na aula que deveria ser de discussão de diários. A professora adaptou a aula de discussão de diários porque alguns alunos ainda não estavam dominando a escrita diarista. Retomaremos essa questão mais adiante.

Por um lado, observamos que, apesar de a maior parte das

mostrar6se em momentos mais descontraídos da ACC, semelhantes ao que ocorre em uma “instituição familiar” (como vimos no último segmento), há momentos em que elas mostram6se, em menor número, também em momentos referentes a uma “instituição científica”, mais especificamente, nas controvérsias geradas na ACC. Notamos que, nesses momentos mais informais, as mais recorrentes são de: antecipação, concordância, confirmação, repetição, lamentação e surpresa. Assim, podemos dizer que, nesses momentos, desenvolveu6se um processo

cooperativo entre os participantes de pesquisa, conforme assinala Kerbrat6 Orecchioni (1990). Já nos momentos de controvérsias, as mais utilizadas foram: as de complemento, de correção e de discordância. Por outro lado, pelo levantamento realizado, esse recurso conversacional pareceu6nos fazer parte do estilo lingüístico de P2; daí, a diferença quantitativa do número de turnos entre as duas professoras.

No entanto, a análise da conversação não se limita às características estruturais e às quantitativas. É preciso ir além desses aspectos observáveis e identificar a imagem que cada um dos participantes quis passar de si ou que imagem atribuiu aos destinatários da interação; que representações construíram sobre os diferentes elementos constitutivos das atividades desenvolvidas. Para chegarmos a esse nível de análise, é importante levantarmos hipóteses sobre os fatos observados desde o início da interação.

Assim que a ACC teve início, com a exibição das imagens das aulas – a primeira aula do ensino da produção escrita do

diário de leitura –, as duas professoras, em vez de reagirem verbalmente diante das cenas, conforme a orientação que lhes tinha sido dada, ficaram estáticas com os olhos fixos na tevê, em que aparecia a primeira cena da aula de P2.

Quando percebi que já estava começando a ser exibida a segunda cena do DVD, precisei fazer um sinal com as mãos, equivalente a um “E aí?”, para que a P1 começasse a rir ao se ver no vídeo. Na imagem que deu início ao diálogo, a professora estava explicando as instruções do diário, movimentando6se e gesticulando com as mãos tão rapidamente quanto falava, visivelmente nervosa por causa do barulho dos alunos em “aula vaga” que vinha do andar de cima. A partir dessa imagem de si mesma, fato insólito às professoras, P1 faz um comentário avaliativo sobre seu agir em sala de aula, entoando mais alto as sílabas tônicas, transcritas em maiúsculas, nas palavras do primeiro turno: “Olha A DOida!”, por meio do qual a professora é representada. Esse turno explicita a reação da professora, que é fruto de um processo de compreensão e de avaliação do seu próprio agir, entretanto, de um agir e de um “eu” que ficaram no passado. Nos termos de Clot (1999), ao referir6se a si mesma em terceira pessoa do singular, P1 nos dá margem a inferir que a representação que teve de si mesma, naquele momento, foi a

seguinte: “conheço6me apenas na medida em que sou eu mesmo um outro para mim” (Clot, 1999: 145, parafraseando Vygotsky, 1925).

Na seqüência, as professoras falam sobre as cenas das aulas, entre risos ou seriamente, comentando sua imagem física, aspecto estético e o agir recíproco. A esse respeito, podemos relembrar que Faïta (2004:28) explica que a linguagem “permite o jogo, a brincadeira,

em ruptura com um tipo de discurso sério que, a seguir, retoma seu lugar”.

Descrito o primeiro impacto das professoras com as imagens de sua atuação em sala de aula, vejamos, na próxima seção, os conteúdos mobilizados a partir do primeiro turno “Olha a DOida!” de P1.